No Código Criminal do Império (1830), o art. 10 dispunha que os agentes menores de quatorze anos não podiam cometer crimes. Com a entrada em vigor do primeiro Código Penal da República (1890), a capacidade penal era tratada da seguinte forma: a) eram inimputáveis os menores de nove anos; b) e os que, entre nove e quatorze anos, agissem sem discernimento.
A Consolidação das Lei Penais (1932) modificou novamente a idade para a imputabilidade penal, estabelecendo que não poderiam ser punidos os menores de quatorze anos (art. 27). Reproduzia o que já dispunha o Código de Menores de 1927 (art. 68), que, no entanto, estabelecia um processo especial para os autores de crimes que ainda não haviam completado dezoito anos. Segundo esse processo, a autoridade judicial deveria reunir precisas informações a respeito do estado físico, mental e moral do menor, e da situação social, moral e econômica de seus representantes legais. As consequências da prática criminosa variavam conforme a condição do menor: a) se sofresse de deficiência mental, fosse epiléptico, surdo-mudo, cego ou necessitasse de cuidados especiais em virtude de seu estado de saúde, era submetido a tratamento adequado à sua condição; b) se fosse abandonado, pervertido ou estivesse em perigo de o ser, era colocado em estabelecimento adequado ou era confiado a pessoa idônea pelo tempo necessário para sua educação – desde que esse tempo não ultrapassasse a idade de vinte e um anos; c) se não fosse abandonado ou pervertido, nem estivesse em perigo de o ser, e também se não necessitasse de tratamento especial, era deixado com os pais, com tutor ou com alguém que tivesse sua guarda, mediante condições estabelecidas pela autoridade judicial, se fosse o caso.
Até que o Código de Menores de 1927 entrasse em vigor, era comum que menores autores de crimes fossem colocados em prisões na companhia de adultos, mesmo em virtude da prática de infrações menos graves. Talvez um dos episódios mais famosos tenha sido o de Bernardino, engraxate que em 1926, aos doze anos, envolveu-se em um entrevero com um dos clientes e atirou tinta em suas roupas, o que lhe rendeu um mês de prisão entre adultos, que lhe agrediram física e sexualmente. Quando saiu da prisão, Bernardino foi encaminhado ao hospital, com enorme repercussão diante de suas péssimas condições de saúde. Aliás, foi isso que provocou os debates em torno da elevação da idade para a imputabilidade penal, e que possibilitou a aprovação do Código de Menores.
Somente com a entrada em vigor do Código Penal em 1940 é que a imputabilidade se estabeleceu expressamente aos dezoito anos (art. 23), e assim permaneceu após a reforma da Parte Geral em 1984 (art. 27Art. 27 - Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.), na Constituição Federal de 1988 (art. 228Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial.) e no Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 104Art. 104. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei.). De acordo com as regras atuais, os menores de dezoito anos são absolutamente inimputáveis, ainda que concretamente possam ter discernimento. Trata-se do critério biológico, que considera apenas o desenvolvimento mental em relação à idade, sem investigar a capacidade de discernimento e de determinação.
Os menores de dezoito anos não cometem crime, mas um análogo denominado ato infracional. São submetidos ao procedimento especial do Estatuto da Criança e do Adolescente, aplicando-se-lhes, até os doze anos incompletos, as medidas de proteção do art. 101 Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas: I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; II - orientação, apoio e acompanhamento temporários; III - matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental; IV - inclusão em serviços e programas oficiais ou comunitários de proteção, apoio e promoção da família, da criança e do adolescente; V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; VII - acolhimento institucional; VIII - inclusão em programa de acolhimento familiar; IX - colocação em família substituta. ; dos doze até que completem dezoito anos, são-lhes aplicadas as medidas socioeducativas do art. 112 (advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semiliberdade e internação em estabelecimento educacional). Se necessário, também são aplicáveis as medidas de proteção do art. 101, incisos I a VI.
Diante, no entanto, da escalada de crimes cometidos por menores de idade nos últimos anos, especialmente aqueles violentos e revestidos de maior gravidade (como latrocínios), e em virtude da baixíssima eficácia das medidas corretivas estabelecidas na legislação especial, que trata com injustificável lassidão autores de infrações gravíssimas, é crescente o movimento para que o Legislativo altere a regra da imputabilidade.
O tema é objeto de extenso debate, não somente sobre a viabilidade da medida em termos práticos, mas também relativamente à constitucionalidade da proposta.
Há quem sustente que a norma constitucional sobre a imputabilidade seja cláusula pétrea. Assim se manifestam com base no entendimento de que os direitos e garantias fundamentais não se restringem ao rol do art. 5º da CF/88, mas podem ser encontrados em outros dispositivos cujo conteúdo seja materialmente relacionado ao núcleo da Constituição. Por isso, voltado à proteção integral da pessoa do adolescente, o art. 228 não poderia ser objeto de proposta de emenda tendente a abolir suas disposições. Por outro lado, há aqueles que argumentam não se tratar de cláusula pétrea, pois a inimputabilidade não está no elenco de direitos e garantias fundamentais do art. 5º da CF/88.
Ainda noutra perspectiva, há quem considere não haver óbice à emenda mesmo que se conclua se tratar de cláusula pétrea, que não é imodificável, mas refratária tão somente à abolição ou ao completo desvirtuamento de seu núcleo, o que não ocorre com a proposta de emenda que somente modifica o art. 228 para possibilitar a devida resposta estatal à prática de crimes por indivíduos que demonstrem pleno discernimento. É o que ensina Pedro Lenza, para quem “apenas não se admite a proposta de emenda (PEC) tendente a abolir direito e garantia individual. Isso não significa, como já interpretou o STF, que a matéria não possa ser modificada.
Reduzindo a maioridade penal de 18 para 16 anos, o direito à inimputabilidade, visto como garantia fundamental, não deixará de existir.
A sociedade evoluiu, e, atualmente, uma pessoa com 16 anos de idade tem total consciência de seus atos, tanto é que exerce os direitos de cidadania, podendo propor ação popular e votar. Portanto, em nosso entender, eventual PEC que reduza a maioridade penal de 18 para 16 anos é totalmente constitucional. O limite de 16 anos já está sendo utilizado e é fundamentado no parâmetro do exercício do direito de votar e à luz da razoabilidade e maturidade do ser humano” (Direito Constitucional Esquematizado, São Paulo: Saraiva, 2009, p. 872/873).
Nessa esteira, tramita no Congresso Nacional a proposta de emenda constitucional nº 171/1993 – já aprovada pela Câmara dos Deputados – para alteração do art. 228 da CF/88. De acordo com o texto aprovado, o art. 228 dispõe, como regra, sobre a inimputabilidade dos menores de dezoito anos, sujeitos a normas da legislação especial (Lei 8.069/90). Excepcionalmente, os menores com dezesseis anos completos podem ser responsabilizados penalmente, caso sejam autores de crime hediondo, de homicídio doloso ou de lesão corporal seguida de morte.
Parece-nos, todavia, haver inconsistência na proposta que, tudo indica, será aprovada. Efetivamente, a emenda permite que o agente com dezesseis anos completos seja responsabilizado pelo cometimento de apenas algumas figuras criminosas. Trata-se, claramente, de solução política em que se busca o meio-termo em razão da resistência sofrida pela proposta no âmbito do próprio Legislativo. Há, no entanto, um aspecto técnico relativo à imputabilidade, cujo fundamento é a capacidade de discernimento, que não pode ser ignorado: como se sustenta que alguém tenha discernimento para cometer um cruel homicídio e não o tenha para furtar uma bicicleta? Ou o agente tem a capacidade biológica de se determinar de acordo com a lei (para qualquer crime) ou não a tem (para nenhum crime). A consciência não varia de acordo com a figura criminosa, mas conforme a condição biológica do próprio agente.
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