Informativo: 865 do STF – Processo Penal
Resumo: É possível o confisco de bens de valor econômico apreendidos no tráfico de drogas sem a necessidade de demonstrar nenhum outro requisito além daqueles previstos expressamente no art. 243, parágrafo único, da Constituição Federal.
Comentários:
O art. 243, parágrafo único, da Constituição Federal Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração de trabalho escravo será confiscado e reverterá a fundo especial com destinação específica, na forma da lei. estabelece o confisco de todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins.
O tráfico de drogas é uma das infrações penais que sem dúvida mais garantem retorno financeiro. Está também entre as infrações nas quais mais se empregam bens materiais que viabilizem o sucesso da empreitada.
O perdimento de bens é uma consequência aplicável em virtude tanto da utilização de bens materiais para a prática de crimes quanto da obtenção desses bens na qualidade de proveito da atividade criminosa. Trata-se portanto de medida aplicável para garantir, em termos simples, que o crime não compense. Seria absurdo submeter o agente a prisão em virtude do cometimento do crime e, ao mesmo tempo, permitir que, uma vez cumprida a pena, pudesse ele desfrutar tranquilamente dos bens materiais resultantes do delito.
No tocante aos bens utilizados para a prática criminosa do tráfico de drogas, há certa controvérsia a respeito do que pode ser assim considerado. Há quem diga, diante da regra de vedação ao confisco, que somente podem ser expropriados os bens utilizados exclusiva e reiteradamente para o cometimento da atividade criminosa. É o caso do imóvel utilizado com a finalidade precípua de estocar as drogas; do automóvel utilizado por membros do grupo criminoso para o transporte habitual de drogas etc.
Há, de outro lado, aqueles que defendem a possibilidade de confisco pela simples constatação de que determinado bem foi utilizado para o cometimento do tráfico, independentemente de qualquer prova de habitualidade ou de exclusividade.
O STF, no RE 638.491/PR, adotou a segunda orientação. Para o tribunal, basta que se observe o parágrafo único do art. 243 da Constituição Federal, que determina o perdimento de bens apreendidos em decorrência do tráfico. Não há, no texto constitucional, nenhum requisito de habitualidade ou de exclusividade na utilização dos bens apreendidos.
Asseverou-se no julgamento “que o tráfico de drogas é reprimido pelo Estado brasileiro, por meio de modelo jurídico-político, em consonância com os diplomas internacionais firmados. Os preceitos constitucionais sobre o tráfico de drogas e o respectivo confisco de bens constituem parte dos mandados de criminalização previstos pelo poder constituinte originário a exigir uma atuação enérgica do Estado sobre o tema, sob pena de o ordenamento jurídico brasileiro incorrer em proteção deficiente dos direitos fundamentais”.
Os mandados de criminalização vinculam o legislador ordinário, reduzindo a sua margem de atuação para obrigá-lo a proteger (de forma suficiente/eficiente) certos temas (bens ou interesses). É o que ocorre, além do caso do art. 243, com os crimes de racismo (art. 5º, XLII, CF/88)XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;, hediondos e equiparados (art. 5º, XLIII, CF/88)XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura , o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;, de ação de grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (art. 5º, XLIV, CF/88)XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático; e com os crimes ambientais (art. 225, §3º, CF/88)§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.. Temos também mandados de criminalização nos dispositivos que tratam da retenção dolosa do salário (art. 7º, X, CF/88)Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...) X - proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa; e do abuso, violência e exploração sexual da criança e do adolescente no âmbito familiar (art. 227, §4º, CF/88)§ 4º A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente..
O próprio STFSTF – Segunda Turma – HC 104410 – Rel. Min. Gilmar Mendes – DJe 27/03/2012, em outros momentos, reconhece a existência dos mandados de criminalização: “A Constituição de 1988 contém um significativo elenco de normas que, em princípio, não outorgam direitos, mas que, antes, determinam a criminalização de condutas (CF, art. 5º, XLI, XLII, XLIII, XLIV; art. 7º, X; art. 227, § 4º). Em todas essas normas é possível identificar um mandado de criminalização expresso, tendo em vista os bens e valores envolvidos”.
Com a decisão proferida no RE 638.491/PR, o STF reconhece mais uma vez esse importante instrumento constitucional e, tão importante quanto, sinaliza o rigor no trato de agentes que empregam bens de valor econômico na prática de tão grave infração penal.
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