É sabido que os assentamentos públicos presumem-se verdadeiros (até prova em contrário) e devem sempre corresponder à realidade.
Quando isso não ocorre, faz-se imprescindível a adequação do registro à precisão e exatidão para que ele corresponda precisamente à verdade. Para tanto, existe o direito de retificação, direito este fundamental do cidadão e inerente à dignidade da pessoa humana. A retificação é a medida apropriada para casos de erro ou supressão de algum elemento do assento.
Frise-se que a retificação de registro, não é meio idôneo para se postular uma alteração do registro civil, vale dizer, uma alteração do estado da pessoa natural. Dessa maneira, tal procedimento não é aplicável a uma retificação da paternidade no registro. As questões de estado serão decididas em processo contencioso para anulação ou reforma de assento.
As retificações são averbações, e sendo assim, deverão ser feitas à margem direita do assento, com as indicações necessárias, ou, quando for o caso, com a trasladação do mandado, que ficará arquivado. Se não houver espaço, far-se-á o transporte do assento, com as remissões à margem do registro original.
A retificação pode se dar na forma administrativa ou extrajudicial (art. 110, LRP), quando se tratar de erros evidentes e que não exijam qualquer indagação para a constatação imediata de necessidade de sua correção; erro na transposição dos elementos constantes em ordens e mandados judiciais, termos ou requerimentos, bem como outros títulos a serem registrados, averbados ou anotados, e o documento utilizado para a referida averbação e/ou retificação ficará arquivado no registro no cartório; inexatidão da ordem cronológica e sucessiva referente à numeração do livro, da folha, da página, do termo, bem como da data do registro; ausência de indicação do Município relativo ao nascimento ou naturalidade do registrado, nas hipóteses em que existir descrição precisa do endereço do local do nascimento; elevação de Distrito a Município ou alteração de suas nomenclaturas por força de lei, e também na forma judicial, (art. 109, LRP), para quaisquer outros erros, que se fará através de mandado que indique, com precisão, os fatos ou as circunstâncias que devam ser retificados e em que sentido, ou os que devam ser objeto de novo assentamento.
Nesta breve explanação, vou ater-me à retificação administrativa (art. 110, LRP), em razão da recente alteração apresentada pela Lei 13.484/2017.
O texto original do art. 110 já havia sido modificada pela Lei 12.100/2009, que deu nova redação aos artigos 40, 57 e 110 da Lei 6.015/1973, com o intuito de desburocratizar alguns dos serviços realizados pelos Ofícios de Registro Civil. Recentemente o dispositivo foi novamente alterado pela Lei 13.484/2017.
A primeira modificação, trazida pela Lei 12.100/2009 alterou o art. 40 da Lei dos Registros Públicos com a finalidade específica de assegurar que a retificação de assentos de registro civil pudesse ser realizada, sem a necessidade de sentença proferida pela autoridade judicial competente. A aludida lei também promoveu a alteração do art. 57 da lei registrária para que a retificação extrajudicial que veio a ser instituída pelo então novo art. 110 pudesse promover a alteração, só excepcionalmente admitida, do nome do registrado, independentemente de sentença e de outros requisitos ali referidos (arquivamento do mandado no Ofício de Registro Civil e publicação da alteração através da imprensa). Já o art. 110 com a redação dada pela Lei 12.100/2009 estabelecia que os erros mais simples e evidentes, ou seja, aqueles que não exigiam qualquer indagação para a sua constatação, poderiam ser corrigidos de ofício pelo Oficial de Registro no próprio cartório sem necessidade de decisão judicial, porém, a manifestação do Ministério Público era indispensável.
Com o advento da Lei 13.484/2017, houve ainda uma maior desburocratização. Além de ter sido dispensada a prévia oitiva do órgão Ministerial, também estipulou expressamente outras hipóteses de retificação administrativa, melhorando assim, a disposição e organização do assunto. Dessa forma, a retificação administrativa é possível atualmente nas seguintes hipóteses:
1) Erros que não exijam qualquer indagação para a constatação imediata de necessidade de sua correção;
2) Erro na transposição dos elementos constantes em ordens e mandados judiciais, termos ou requerimentos, bem como outros títulos a serem registrados, averbados ou anotados, e o documento utilizado para a referida averbação e/ou retificação ficará arquivado no registro no cartório;
3) Inexatidão da ordem cronológica e sucessiva referente à numeração do livro, da folha, da página, do termo, bem como da data do registro;
4) Ausência de indicação do Município relativo ao nascimento ou naturalidade do registrado, nas hipóteses em que existir descrição precisa do endereço do local do nascimento;
5) Elevação de Distrito a Município ou alteração de suas nomenclaturas por força de lei.
A Lei 13.484/2017 revogou também os parágrafos 1º ao 4º do art. 110 da Lei 6.015/1973 (que tratavam do procedimento de retificação administrativa com a oitiva do MP) e acrescentou o § 5o para dispor que nos casos em que a retificação decorra de erro imputável ao oficial, por si ou por seus prepostos, não será devido pelos interessados o pagamento de selos e taxas.
No quadro comparativo a seguir, é possível conferir de uma forma mais didática as alterações incorporadas no art. 110 da lei registrária.
REDAÇÃO ANTERIOR À LEI 13.484/2017 | REDAÇÃO ATUAL |
Art. 110. Os erros que não exijam qualquer indagação para a constatação imediata de necessidade de sua correção poderão ser corrigidos de ofício pelo oficial de registro no próprio cartório onde se encontrar o assentamento, mediante petição assinada pelo interessado, representante legal ou procurador, independentemente de pagamento de selos e taxas, após manifestação conclusiva do Ministério Público.
§ 1o Recebido o requerimento instruído com os documentos que comprovem o erro, o oficial submetê-lo-á ao órgão do Ministério Público que o despachará em 5 (cinco) dias. § 2o Quando a prova depender de dados existentes no próprio cartório, poderá o oficial certificá-lo nos autos. (Redação dada pela Lei nº 12.100, de 2009).
§ 3o Entendendo o órgão do Ministério Público que o pedido exige maior indagação, requererá ao juiz a distribuição dos autos a um dos cartórios da circunscrição, caso em que se processará a retificação, com assistência de advogado, observado o rito sumaríssimo. (Redação dada pela Lei nº 12.100, de 2009).
§ 4o Deferido o pedido, o oficial averbará a retificação à margem do registro, mencionando o número do protocolo e a data da sentença e seu trânsito em julgado, quando for o caso.
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Art. 110. O oficial retificará o registro, a averbação ou a anotação, de ofício ou a requerimento do interessado, mediante petição assinada pelo interessado, representante legal ou procurador, independentemente de prévia autorização judicial ou manifestação do Ministério Público, nos casos de:
I – erros que não exijam qualquer indagação para a constatação imediata de necessidade de sua correção; II – erro na transposição dos elementos constantes em ordens e mandados judiciais, termos ou requerimentos, bem como outros títulos a serem registrados, averbados ou anotados, e o documento utilizado para a referida averbação e/ou retificação ficará arquivado no registro no cartório; III – inexatidão da ordem cronológica e sucessiva referente à numeração do livro, da folha, da página, do termo, bem como da data do registro; IV – ausência de indicação do Município relativo ao nascimento ou naturalidade do registrado, nas hipóteses em que existir descrição precisa do endereço do local do nascimento; V – elevação de Distrito a Município ou alteração de suas nomenclaturas por força de lei.
§ 1º (Revogado). § 2º (Revogado). § 3º (Revogado). § 4º (Revogado).
§ 5º Nos casos em que a retificação decorra de erro imputável ao oficial, por si ou por seus prepostos, não será devido pelos interessados o pagamento de selos e taxas.
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Importante explicitar que no procedimento de retificação administrativa ou extrajudicial, o pedido é encaminhado à própria Serventia, com a certidão do registro e outros documentos que demonstrem os erros ou inexatidões, mediante petição assinada pelo interessado, representante legal ou procurador, independentemente de manifestação do Ministério Público.
Convém esclarecer que a previsão do art. 110 da Lei 6.015/1973 consiste numa opção do interessado, que, se reputar conveniente, pode optar por pleitear a tutela jurisdicional. É regra inserta no inciso XXXV, art. 5º, da Carta Magna que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Trata-se do princípio da inafastabilidade da jurisdição, também chamado de direito de ação ou princípio do livre acesso ao judiciário e, segundo Pontes de Miranda princípio da ubiquidade da justiça.
A inafastabilidade da jurisdição consiste num direito e garantia individual (cláusula pétrea), que afasta qualquer exigência de esgotamento das instâncias administrativas, permitindo ao indivíduo o exercício imediato do direito de ação, seja para postular a tutela jurisdicional preventiva, seja para postular a repressiva. Tal preceito só possui uma exceção, prevista na própria Carta Magna e só admissível porque introduzida pelo poder constituinte originário: é o que ocorre com a Justiça Desportiva, consoante art. 217, §§ 1º e 2º.
Para a complementação do tema, relevante e oportuna é a transcrição dos enunciados da ARPEN-SP (Associação dos Registradores de Pessoas Naturais), vejamos:
Enunciado 46: A averbação de retificação de erros evidentes será feita pelo oficial de registro do cartório onde se encontrar o assentamento, independentemente de decisão judicial, após manifestação favorável do Ministério Público. Fundamento legal: Lei nº 6.015 (LRP) modificada pela Lei Federal 12.100/2009. Publicado em 08 de fevereiro de 2010. (Enunciado renumerado na compilação em 30/05/2014).
O Enunciado 46 perdeu o sentido em razão da Lei 13.484/2017 que dispensa a oitiva do Ministério Público no procedimento de retificação administrativa.
Enunciado 48: O Oficial de Registro é parte interessada para requerer a retificação de seus assentamentos, nos termos do artigo 110 da Lei de Registros Públicos.
Fundamento legal: Lei 8.935/94, artigo 30, inciso I e nova redação do artigo 110 da Lei de Registros Públicos. Publicado em 11 de fevereiro de 2010. (Enunciado renumerado na compilação em 30/05/2014)
Os próximos enunciados foram elaborados após a publicação da Lei 13.484/2017 e portanto, vão ao encontro do ato normativo. São eles:
Enunciado 64: Tratando-se de erro evidente, assim qualificado pelo oficial, nos moldes do inciso I do art. 110 da Lei 6.015/73, cuja constatação seja feita a partir de apresentação de documento estrangeiro, este deverá estar apostilado ou consularizado (caso o país emissor não integre a Convenção da Haia), traduzido por tradutor público juramentado devidamente inscrito em Junta Comercial do Brasil e registrado no Registro de Títulos e Documentos competente.
Fundamento: Aprovação em Assembléia Geral Extraordinária realizada na sede da ArpenSP em 29/09/2017.
Enunciado 65: Em caso de necessidade de retificação de erro(s) constante(s) em mais de um registro pertencente à mesma Serventia e na mesma ocasião, o requerimento correspondente deverá ser realizado num único instrumento com indicação precisa dos assentos a serem retificados, acompanhado dos documentos (originais, autenticados ou conferidos) que comprove(m) o(s) erro(s). Neste caso, o oficial deverá cobrar por um procedimento de retificação, acrescido de tantas quantas forem as averbações adicionais, descontada daquela que integra o próprio procedimento de retificação.
Fundamento: Aprovação em Assembléia Geral Extraordinária realizada na sede da ArpenSP em 29/09/2017.
A Lei 13.484, de 26 de setembro de 2017, veio em excelente momento e é mais um dos exemplos de mudanças consideráveis de desburocratização e desjudicialização impostas na legislação registral.