Tratando-se de um crime de ação penal pública incondicionada, cumpre em regra ao delegado de polícia, de ofício (ou seja, sem requerimento do interessado), instaurar o inquérito policial, conforme dispõe o art. 5º, inc. I, do CPP. Para tanto, baixa uma portaria, ato que dá início ao inquérito policial.
O que fundamenta a instauração do inquérito policial é a notitia criminis, que nada mais é do que o conhecimento que tem a autoridade policial da ocorrência de uma infração penal. A notitia criminis pode ser espontânea (também chamada de cognição imediata ou informal), quando a autoridade policial tem ciência da ocorrência da infração penal em virtude de sua atividade funcional. Assim, por exemplo, quando se sabe da ocorrência do fato em razão do noticiário da imprensa, ou quando um investigador de polícia leva o fato ao delegado ou mesmo através de uma denúncia anônima. Ou ainda quando, em determinado interrogatório, o indiciado indica outros crimes que cometeu, além daquele que é objeto da investigação. A notitia criminis pode ser, ainda, provocada (conhecida, também, como mediata ou formal), que ocorre, v.g., quando alguém do povo, a vítima, o juiz ou o Ministério Público levam à autoridade policial a notícia da existência de uma infração penal. Pode, por último, a notitia criminis ser de cognição coercitiva, em que o conhecimento do fato decorre da prisão em flagrante de seu autor.
Entende-se, no geral, que o inquérito policial pode ser instaurado diante da mera suspeita da ocorrência do crime – suspeita baseada em elementos mínimos, evidentemente –, pois, afinal, trata-se de procedimento destinado justamente a apurar se de fato houve a infração penal. Não é possível exigir, para instaurar o inquérito, que haja elementos veementes de que ocorreu um crime se este procedimento tem o propósito de reunir prova desses elementos para a instauração da ação penal, esta sim vinculada à prova da materialidade e à existência de indícios suficientes de autoria.
Recentemente, no entanto, a 2ª Turma do STF negou a instauração de inquérito policial para investigar um deputado federal contra o qual havia suspeita da prática de crime eleitoral.
No caso, a Procuradoria Geral da República pediu a abertura de inquérito policial baseando-se no fato de que o deputado havia tido recusada — em razão de “graves omissões” — a prestação de contas relativa à campanha eleitoral de 2014. O ministro Dias Toffoli, no entanto, não permitiu a abertura do inquérito porque considerou o pedido lastreado em mera presunção da ocorrência de crime e em conjecturas a respeito da validade dos documentos apresentados, que, de resto, eram os únicos de que dispunha o deputado. Para o ministro, “a mera desaprovação das contas pela Corte Eleitoral não tipifica, por si só, o crime do art. 350 do Código Eleitoral. O tipo penal em questão exige a alteração da verdade sobre fato juridicamente relevante, além do dolo de omitir, em documento público ou particular, declaração que dele deveria constar, ou de nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que deveria ser escrita, para fins eleitorais. Na espécie, a suposta falsidade ideológica residiria, primeiramente, na falta de apresentação de “documento ou justificativa quanto às despesas de transporte terrestre, acomodação, pessoal, alimentação” referentes a onze viagens realizadas nos meses de agosto e setembro de 2014 entre Manaus e cidades do interior amazonense. Todavia, como bem destacado na decisão agravada, o Ministério Público Federal parte da simples presunção, sem lastro em dados fáticos, de que teria havido as despesas em questão e de que elas teriam sido omitidas na prestação de contas”. Diante disso, considerou-se que a apresentação dos documentos de prestação de contas tal como foram emitidos, sem nenhum indício de alteração, afasta a existência de elementos mínimos que possam fundamentar a instauração de inquérito policial.
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