Com base no entendimento consagrado pela jurisprudência do STJ (STJ, EDivREsp 1.242.159/SP, rel. Min. João Otávio de Noronha), consagrando o cabimento de indenização em favor de filhos abandonados pelos pais, quando há violação do dever de cuidado, muitos juristas estão a sustentar a possibilidade de indenização entre os cônjuges ou companheiros pelo abandono afetivo.
O equívoco salta aos olhos.
Em primeiro plano, não se pode confundir a indenização por abandono afetivo entre pais e filhos e entre cônjuges ou companheiros. O fundamento da reparação de dano em relação aos filhos é uma afronta do dever de cuidado. É o caso, por exemplo, do pai que deixa de oferecer condições adequadas de vida para os filhos, malgrado tenha essa possibilidade, recentemente julgado pelo STJ (STJ, REsp. 1.087.561/RS, rel. Min. Raul Araújo).
Para além disso, se o afeto é uma manifestação voluntária, decorrente de sentimentos humanos que não podem ser controlados pelo sistema jurídico, o cuidado dos pais com seus filhos é imperativo, imposto por lei. Como se disse no STJ, “amar é faculdade, cuidado é obrigação” (STJ, REsp. 1.242.159/SP, rel. Min. Nancy Andrighi).
De fato, os filhos menores precisam de uma atenção e cuidados básicos, fundamentais para a sua vida digna. O crescimento depende de condições materiais e imateriais propiciadas pelos pais. Sem dúvida!
Entre cônjuges e companheiros, todavia, não há um dever de cuidado nesse nível. Quando do encontro, o casal enxerga encantos. E as promessas recíprocas são pautadas naquilo que se imagina durar para sempre. É uma espécie de “dolus bonus” (exageros retóricos, comum no comércio: “este é o melhor carro do mundo”…). Aquelas pessoas são as melhores oportunidades nas suas próprias vidas.
Com a convivência, no entanto, as limitações, fraquezas e defeitos se apresentam. E, com essa nova ambiência, não raro, o véu da paixão já não mais encobre defeitos recíprocos e o final é inexorável. Aqui vale a máxima de que, nesse momento da relação afetiva, “só os fortes sobrevivem”. E a força, aqui, é do sentimento que entrelaça aquelas pessoas.
A erosão do afeto, portanto, decorre de uma postura de ambos, não podendo ser debitada em uma suposta incompetência afetiva unilateral.
Exatamente por isso, afirmo, sem hesitações, que o término do afeto entre casais não pode gerar indenizações. Amar é arriscado! Lembro do trecho de uma musica da ZIZI POSSI que fala “nos riscos das palavras e até no risco da palavra amor”.
O lócus adequado para curar as dores causadas pelo fracasso afetivo é a terapia. Certamente, a psicologia dispõe de instrumentos muito mais adequados do que o Direito para juntar os restos deixados por um amor que teimou em não dar certo, apesar dos esforços e tentativas insistentes dos envolvidos.
Os projetos, os sonhos e o futuro imaginado não podem virar uma contabilidade desafetiva. Se uma das partes renunciou aos caminhos que vinha trilhando, isso está no risco da palavra amor… Aliás, vislumbro, inclusive, um campo interessante para que os casais, nos contratos de casamento ou união estável, estipulem regras para, no caso de dissolução afetiva, um deles ser compensado por ter feito certas renúncias, no campo profissional, por exemplo. Nesse caso, seriam os alimentos compensatórios, e não pela incidência dos instrumentos da responsabilidade civil.
Não há um responsável (culpado) e um inocente. Ambos colaboraram diretamente para tanto. Se fossem colocados lado a lado para assistir ao filme de sua própria relação, ao final da sessão, não saberiam dizer quem foi culpado ou inocente… Talvez por isso mesmo, CHICO BUARQUE, com sua genialidade, seja instigante ao dizer “te perdôo por te trair…”
Dor de amor, enfim, não gera responsabilidade civil.
De toda sorte, poder-se-ia vislumbrar um cenário distinto quando o epílogo daquele fracassado projeto é marcado por afrontas à personalidade de uma das partes. Havendo episódios de violência física, psíquica ou intelectual, é possível a reparação dos danos causados. Nesse caso, não se trata de indenizar o desamor, o desafeto, mas a violação da personalidade, da dignidade do outro. Até porque nenhum tipo de violência se justifica!
Nesse caso, a indenização deve ser pleiteada na vara de família, cumulativamente na ação de divórcio/separação ou dissolução de união estável ou em ação autônoma, respeitado o prazo prescricional de 3 anos.
Se amor com amor se paga, desamor não se paga com dinheiro. Talvez, com indiferença…