Informativo: 904 do STF – Direito Penal
Resumo: É inadmissível a remição ficta para beneficiar presos que não podem exercer o trabalho em virtude de omissão estatal.
Comentários:
Dentre as finalidades da pena, talvez a de maior relevância atualmente seja a ressocialização, em nome da qual são adotadas, durante a execução, medidas para que o condenado se reinsira gradativamente no meio social e não volte a cometer delitos. Tanto que o art. 1º da Lei nº 7.210/84 dispõe que um dos objetivos da execução, para além de efetivar as disposições da sentença, é o de “proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”.
As principais medidas que podem viabilizar a ressocialização são o trabalho e o estudo desenvolvidos no período de cárcere. O trabalho, aliás, constitui dever do condenado (art. 39, V), e sua recusa em desempenhá-lo pode acarretar punição por falta grave (art. 50, VI). O estudo, por outro lado, está inserido na disciplina da assistência educacional (arts. 17 a 21-A).
Sabemos, no entanto, que o sistema carcerário é precariamente estruturado. Grande parte dos estabelecimentos prisionais não são dotados de meios que proporcionem aos presos o cumprimento do dever e o exercício do direito de trabalhar, o que consequentemente os impede de obter na pena o desconto de que trata o art. 126 da Lei de Execução Penal.
Essa situação tem levado condenados a buscar nos tribunais o reconhecimento da remição independentemente da efetiva realização do trabalho (é a denominada remição ficta). Argumenta-se que a omissão estatal não pode servir como óbice para o exercício de um direito nem para obtenção de um benefício legalmente garantido.
Os tribunais superiores, no entanto, não têm acatado pretensões dessa natureza.
O STJ tem decisões nas quais destaca que embora o trabalho possa acarretar a remição da pena, seu exercício tem sobretudo a finalidade de ressocializar o detento. Logo, reconhecer o benefício sem o respectivo exercício da atividade laborativa acaba por desvirtuar o instituto:
“A despeito da relevância dos fundamentos esposados pelo Juízo da Execução, não há como se admitir o deferimento de remição ficta a apenados tão somente em razão das condições precárias verificadas nos respectivos presídios, porquanto referido benefício é de ser concedido, consoante se denota do art. 126 da Lei de Execução Penal, aos reeducandos os quais demonstrarem efetiva dedicação a trabalho ou estudo, o que tem sido inclusive flexibilizado por esta Corte, a fim de se assegurar o objetivo ressocializador da pena.
(…)
Nos autos do HC n. 415.068/MG, de Relatoria do Ministro Ribeiro Dantas, a Quinta Turma, ao apreciar caso análogo ao presente, entendeu que o deferimento da remição pressupõe a necessidade de efetiva participação do reeducando em processo de ressocialização.
Assinalou o voto condutor do acórdão naquela ocasião que a suposta omissão estatal em propiciar ao apenado padrões mínimos previstos no ordenamento jurídico não pode ser utilizada como causa a ensejar a concessão ficta de um benefício que depende de um real envolvimento da pessoa do apenado em seu progresso educativo e ressocializador , bem como que a indenização de presos em situação degradante não deve ser feita por meio de um instituto criado para servir de contrapartida ao efetivo trabalho ou estudo do reeducando, em um contexto de ressocialização de disciplina e de merecimento” (HC 425.155/MG, j. 06/03/2018).
Note-se que o STJ já decidiu até mesmo que a culpa do Estado na falha fiscalização do cumprimento da carga horária de trabalho não afasta a necessidade de demonstrar que os requisitos para a remição foram cumpridos (AgRg no HC 351.918/SC, j. 09/08/2016). Tem mais razão, portanto, o afastamento da remição por trabalho assumidamente não realizado.
Na decisão do HC 124.520/RO (j. em 29/05/2018), o STF encampou, por maioria, a tese de que a remição ficta é inadmissível.
O min. Marco Aurélio (acompanhado pela min. Rosa Weber) votou pela concessão da ordem argumentando que a remição ficta serviria como uma espécie de indenização decorrente da omissão estatal em proporcionar aos presos a oportunidade de trabalho.
O min. Luís Roberto Barroso divergiu – e foi acompanhado pelos demais membros da Turma – afirmando que não obstante a gravidade da omissão estatal, reconhecer o direito de remição simplesmente em razão da impossibilidade de exercício do trabalho faria com que virtualmente todos os presos tivessem a oportunidade de descontar da pena a cumprir dias nos quais não desempenharam nenhuma atividade. Isto traria imensos impactos na política carcerária e substituiria o próprio Executivo no planejamento e no estabelecimento das diretrizes do setor.
O min. Alexandre de Moraes complementou afirmando que, de fato, a remição pelo trabalho exige o desempenho de alguma atividade, que, naquele caso concreto, por certo período de nenhuma forma poderia ter sido desempenhada porque o preso havia permanecido em regime disciplinar diferenciado, sanção decorrente do cometimento de falta grave que impedia o exercício da atividade laboral.
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