Hoje trago ao leitor um texto diferenciado, em que trato sobre algumas das práticas abusivas mais comuns, exercidas por prestadores de serviços e estabelecimentos como bares, restaurantes, casas noturnas etc., em detrimento dos consumidores, muitos dos quais desconhecem seus direitos ao consumir nesses estabelecimentos.
Vai de táxi? Fique atento!
Taxistas não podem negar a corrida em razão de a distância ser curta.
É mais comum do que se imagina, principalmente nos grandes centros, a existência de taxistas que se negam a transportar o passageiro quando o trajeto da corrida é pequeno, ao argumento de que o atendimento seria economicamente inviável para o motorista.
Pois bem.
Poucos consumidores sabem, mas essa prática é considerada abusiva pelo Código de Defesa do Consumidor. Notem o que diz o art. 39, inciso II, do CDC:
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
(…)
II – recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes.
Sendo assim, tendo a possibilidade de transportar o passageiro (consumidor), isto é, estando com o táxi livre, o taxista, na condição de fornecedor de serviço (vide art. 3º Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. e seu § 2º § 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. do CDC), não pode se recusar a prestar o serviço; não pode selecionar seus clientes. Ao disponibilizar o serviço, o taxista assume a obrigação de atender o passageiro, sob pena de incorrer, inclusive, em crime contra as relações de consumo, tipificado no art. 7º, inciso VI, da Lei nº 8.137/90, assim redigidos:
Art. 7º Constitui crime contra as relações de consumo:
(…)
VI – sonegar insumos ou bens, recusando-se a vendê-los a quem pretenda comprá-los nas condições publicamente ofertadas, ou retê-los para o fim de especulação.
Pena – detenção, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, ou multa.
Portanto, fica essa dica para os consumidores, a fim de que exijam seus direitos e não se deixem enganar pelos motoristas mal intencionados, que só visam auferir grandes vantagens.
Perdeu a comanda? Atenção!
O consumidor não tem que pagar o valor cobrado pelo estabelecimento a título de multa
Situação das mais comuns no âmbito das relações de consumo diz respeito às “sanções” impostas pelos proprietários de estabelecimentos no caso de perda da comanda onde são anotados os itens consumidos pelo cliente.
O uso de comandas é verificado com maior frequência em bares, restaurantes, danceterias e casas noturnas em geral.
Resumidamente, nesse sistema o consumidor é obrigado a portar uma papeleta contendo diversos produtos, e à medida que vai consumindo, o atendente marca o item requisitado no campo próprio, de modo a controlar o consumo.
Embora não conste expressamente no Código de Defesa do Consumidor, essa prática pode ser considerada abusiva, já que impõe-se ao consumidor a responsabilidade pelo controle das vendas do fornecedor. Registre-se que o rol de práticas abusivas contido no art. 39 do CDC é meramente exemplificativo (“numerus apertus”), na medida em que o caput do artigo traz em sua parte final a expressão “dentre outras práticas abusivas”.
Como se sabe, as multas cobradas em caso de perda de comanda são absurdas, verdadeiramente extorsivas, escorchantes. Nesse sentido, pode-se também invocar o disposto no inciso V, do art. 39, do CDC, que diz:
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
(…)
V – exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva.
Noutro giro, ainda que não se revista de formalidade ou solenidade, a aquisição de produtos nos estabelecimento em comento é verdadeiro contrato de compra e venda.
Não raro, o pagamento de multa pela perda da comanda vem previsto no respectivo rodapé. A tal respeito, confira-se o disposto no art. 51, inciso, do CDC:
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
(…)
IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade.
Atente-se, ainda, para o fato de que, não raro, a cobrança da multa por perda de comanda é exercida abusivamente por parte do estabelecimentos, que se valem de seguranças truculentos, sempre orientados e dispostos a intimidar o consumidor. Em casos extremos como esse, tal conduta pode também configurar infração penal, consoante dispõe o art. 71 do CDC. Veja-se:
Art. 71. Utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer:
Pena Detenção de três meses a um ano e multa.
Sendo assim, é dever/ônus do comerciante controlar o que seu público consome, não devendo o consumidor ser responsabilizado pela dúvida sobre o quanto consumiu e muito menos ser obrigado a pagar valores abusivos a título de multa.
Caso seja constrangido a pagar a referida multa por perda da comanda, o consumidor deve buscar auxílio junto aos órgãos de defesa do consumidor. Digo órgãos porque o mais comum e conhecido órgão dessa natureza é o Procon. Porém, alguns municípios brasileiros contam ainda com serviços de defesa do consumidor adjuntos às Câmaras Municipais. Há também delegacias especializadas – as chamadas DECONs, onde o consumidor que se sentir lesado poderá obter ajuda. Não sendo solucionado o caso no âmbito administrativo, caberá ao consumidor, caso deseje, ingressar com ação perante os órgãos do Poder Judiciário (art. 5º, XXXV, da CRFB/1988).
Ainda que não diga respeito à questão das multas por perda de comanda, convém destacar outro grave problema gerado pela utilização de comandas, conforme alerta Rizzato Nuneshttp://www.migalhas.com.br/ABCdoCDC/92,MI194443,51045-Boate+Kiss+um+ano+depois+e+o+pais+continua+na+mesma): o comprometimento da segurança dos frequentadores desses locais. O autor aponta a utilização de comandas pelo estabelecimento como uma das causas que contribuíram para a tragédia na boate Kiss, em Santa Maria (RS), que matou 242 pessoas e deixou outras tantas feridas e com sequelas. Durante o tumulto causado pelo fogo no interior da boate, muitos frequentadores que lá estavam foram barrados na saída do estabelecimento pelos seguranças, pelo singelo fato de não terem pagado pelo que consumiram. Com isso, a livre saída do local ficou prejudicada, ocasionando um número maior de mortes. O correto, então, segundo propõe, seria a adoção de um sistema de pagamento no momento do consumo. A esse respeito, o eminente autor encaminhou ao Senado Federal uma proposta para um Projeto de Lei ou Medida Provisória com o seguinte teor:
Art. 1º – O art. 39 da Lei nº 8.078, de 1990 que “Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências”, passa a vigorar com a seguinte redação e o parágrafo único de seu artigo 39 fica renumerado para parágrafo 1º:
Art. 39 É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
XIV – Utilizar em boates, clubes e estabelecimentos similares, cartões de controle de consumo, tais como comandas, cartões ou fichas de consumação, cartões magnéticos etc.
XV – Restringir em boates, clubes e estabelecimentos similares ou de qualquer modo impedir ou dificultar a saída do consumidor no momento em que este desejar.
XVI – Permitir o ingresso em boates, clubes e estabelecimentos similares de um número maior de consumidores que o fixado pela autoridade administrativa como máximo.
Parágrafo 2º – A cobrança do consumo em boates, clubes e estabelecimentos similares, conforme regrado no inciso XIV será feita no ato da entrega do produto.
Parágrafo 3º – Para fins de controle pelo consumidor, na hipótese do inciso XVI, o número máximo de pessoas permitidas no local, conforme determinado pela autoridade administrativa, será afixado em cartaz visível e iluminado na entrada do estabelecimento, seguido do número do telefone da autoridade de fiscalização e da Delegacia de Polícia locais. Os caracteres serão ostensivos e o tamanho da fonte não será inferior ao corpo 72 do tipo conhecido como “Times new roman”.
Conclui-se, então, que a multa imposta por bares, restaurantes, boates etc. Não é devida, porquanto carece de suporte legal, além de afrontar disposições constitucionais e do Código de Defesa do Consumidor, sendo certo que a abusividade das comandas não se limita à ofensa à incolumidade econômica do consumidor, podendo ainda comprometer sua própria saúde e segurança.
O consumidor não é obrigado a pagar gorjeta (os famosos 10%)
Outra prática arraigada em nosso cotidiano é a cobrança de gorjeta em bares, restaurantes, casas noturnas, pousadas etc., como forma de remunerar garçons e outros empregados desses estabelecimentos. Quase sempre, a conta apresentada ao consumidor chega à mesa acrescida de 10% a tal título.
Ocorre, contudo, que não é raro esse tipo de cobrança ser verdadeiramente imposta ao consumidor, o qual muitas vezes sente-se constrangido pelos estabelecimentos a efetuar o pagamento dessa importância.
Alguns estabelecimentos chegam até mesmo a veicular no rodapé dad “notinhas” que a cobrança possui respaldo legal, em razão da existência de Convenções Coletivas de Trabalho firmadas entre sindicatos de patrões e empregados, de modo a constranger o consumidor, fazendo-o crer que tais normas convencionais têm o condão de tornar a gorjeta exigível do cliente.
Todavia, esse argumento não procede. Constranger o consumidor a pagar os 10% é prática abusiva, e portanto ilegal.
Como se sabe, o art. 5º, II, da Constituição Federal de 1988, estatui como direito fundamental a máxima de que”ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (princípio da legalidade). Nesse sentido, cabe destacar que as Convenções Coletivas de Trabalho são fontes normativas do Direito Trabalhista, não produzindo efeitos em relação a terceiros totalmente estranhos à relação de trabalho. Sendo assim, não incidem sobre a relação de consumo. Mas, aproveitando-se da ignorância do consumidor em relação a esse detalhe técnico, o qual não é de conhecimento amplo por parte do leigo, o fornecedor acaba ludibriando o cliente no momento da apresentação da conta.
Sobre o tema, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região já decidiu a respeito, conforme se infere da seguinte ementa:
CONSTITUCIONAL, CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ESTABELECIMENTOS COMERCIAIS. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. COBRANÇA DE ACRÉSCIMO PECUNIÁRIO (GORJETA). PORTARIA Nº. 4/94 (SUNAB). VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
I – O pagamento de acréscimo pecuniário (gorjeta), em virtude da prestação de serviço, possui natureza facultativa, a caracterizar a ilegitimidade de sua imposição, por mero ato normativo (Portaria nº. 4/94, editada pela extinta SUNAB), e decorrente de convenção coletiva do trabalho, cuja eficácia abrange, tão-somente, as partes convenientes, não alcançando a terceiros, como no caso, em que se pretende transferir ao consumidor, compulsoriamente, a sua cobrança, em manifesta violação ao princípio da legalidade, insculpido em nossa Carta Magna (CF, art. 5º, II) e ao Código de Defesa do Consumidor (Lei nº. 8.078/90, arts. 6º, IV, e 37, § 1º), por veicular informação incorreta, no sentido de que a referida cobrança estaria legalmente respaldada (Apelação Cível AC 2001. 1.00.037891-8/DF, rel. Desembargador Federal Souza Prudente. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Publicado em 13/10/2008).
Conforme dito, o rol de práticas abusivas estatuído pelo art. 39 do Código de Defesa do Consumidor é meramente exemplificativo (numerus apertus), a julgar pela parte final do preceptivo, contendo a expressão “dentre outras práticas abusivas”. Significa que, no caso concreto, eventual prática não prevista nos incisos do citado dispositivo poderá ser caracterizada como abusiva. Nada obstante, o inciso IV do mesmo artigo pode servir para rechaçar tal prática, já que o que se percebe é que o fornecedor prevalece do desconhecimento do consumidor acerca do alcance normativo da Convenção Coletiva. Veja-se:
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
(…)
IV – prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços.
Sendo assim, fica a advertência: Convenção Coletiva de Trabalho, embora seja uma fonte do direito trabalhista, NÃO É LEI, pois não foi produzida pelo Poder tipicamente responsável por inovar o ordenamento jurídico, isto é, o Poder Legislativo. Dessa forma, pagar o acréscimo de 10% sobre a conta é uma faculdade do consumidor, não lhe sendo exigível, por não ser obrigatório.
Ficam, então, essas dicas aos consumidores, de modo que denunciem as práticas abusivas aqui descritas e exijam seus direitos.