Talvez por conta do senso comum, nota-se, com uma certa facilidade, um uso indevido de algumas expressões com sentido técnico-jurídico bem distintos.
É o caso do nome civil. Elemento identificador da pessoa na sociedade, o nome é Direito da personalidade, servindo como projeção de sua existência. Identifica, individua, singulariza. É, enfim, um dos mais importantes direitos existenciais de alguém.
No dia-a-dia, todavia, por conta da afetividade, amizade ou carinho, é de nossa cultura atribuir apelidos (alcunhas) para os nomes das pessoas. São meros mecanismos informais designativos, não possuindo, em linha de princípio, qualquer efeito jurídico. O nome é direito da personalidade, apelido, não o é.
Não se pode negar que alguns apelidos terminam servindo para identificação de uma pessoa. Apelidos notórios, públicos, que, não raro, servem, por si só, para identificar o seu titular pessoal e profissionalmente. Não faltam exemplos entre nós: Pelé, Xuxa, Lula, Popó… Em casos tais, considerando que o apelido terminou por identificar a pessoa, louvável disposição da Lei 6.015/73 (arts. 56-58) permite que se acrescente ou substitua o nome, garantindo a identificação na sociedade daquele indivíduo. É o que se chama HIPOCORÍSTICO – apelido notório que serve para identificar alguém em suas projeções pessoais e profissionais. Lembro do jogador de futebol Cafu. Seu nome é Marcos Evangelista. Provando que é conhecido nas atividades pessoais e profissionais como Cafu poderia acrescê-lo ou substituí-lo.
Não se pode confundir o hipocorístico com o pseudônimo. Com etimologia grega, significa nome fictício, usado para atividades profissionais. O Dicionário Michaelis da Língua Portuguesa o define como “nome suposto” utilizado por profissionais que mantêm oculta a sua verdadeira identificação. Vislumbra-se, no ponto, uma clara diferenciação em relação ao hipocorístico, na medida em que o pseudônimo é usado, tão só, para atividades profissionais, não servindo para identificação pessoal do titular, cujo nome pelo qual é conhecida a sua existência é outro.
Não nos faltam exemplos de pseudônimo. Há um número impressionante de pessoas que atuam em suas profissões usando pseudônimo: a atriz Suzana Vieira (Sonia Maria Vieira Gonçalves); o cantor Zezé di Camargo (Mirosmar); o cantor Freddie Mercury (Farrokh Bulsara); o escritor chileno Pablo Neruda (Ricardo Eliécer Reyes Basoalto); George Orwell (Eric Arthur Blair); dentre inúmeros outros. No nosso livro CURSO DE DIREITO CIVIL: Parte Geral lembramos que há, até, um Presidente da República que governou o país por pseudônimo: Jose Sarney, cujo nome é José Ribamar Ferreira de Araújo.
Há casos em que se utiliza o pseudônimo para exercer uma atividade profissional livre de estigmas e preconceitos que podem defluir da verdadeira identificação do profissional. O profissional evita se identificar para preservar a sua personalidade individual naquela atividade específica. É o exemplo do cantor e compositor Chico Buarque de Holanda que, durante a ditadura militar, assinou algumas de suas canções com o Pseudônimo de Julinho de Adelaide, para evitar os exageros da censura – que, lamentavelmente, impedia publicar muitas obras naquele período de ferro. Em nossas letras, Nelson Rodrigues, conhecido por escrever sobre a vida como ela é, optou por se identificar como Suzana Flag para publicar folhetins sobre melodramas. Já no âmbito da literatura internacional, foi o caso da inigualável e sempre atual Ágatha Christie. Conhecida como a “rainha do mistério”, por meio de seus imortais investigadores Hercule Poirot e Miss Marple, a britânica escreveu, entre 1930 e 1956, seis romances de época. Para não gerar confusão, assinou eles como Mary Westmacott.
Noutras hipóteses, o pseudônimo ganha contornos mais abrangentes. Para além de atribuir um nome para exercer uma atividade, chega-se a criar personagens, dotados de características próprias. Trata-se praticamente de uma variação da personalidade do ortônimo. Nesse caso, denomina-se heterônimo. O mais eloquente exemplo é o literata lusitano Fernando Pessoa, que escreveu sob o heterônimo de Ricardo Reis, Alberto Caeiro e Álvaro de Campos – cada um deles com um estilo literário próprio, praticamente com uma personalidade autônoma.
Tamanha é a relevância jurídica e social do pseudônimo que o art. 19 do CC02Art. 19. O pseudônimo adotado para atividades lícitas goza da proteção que se dá ao nome., textualmente, estabelece que, malgrado não integre o nome, merece ele a mesma proteção jurídica. Não é, enfim, um elemento constitutivo do nome, mas dispõe da mesma proteção! Em face de suas características e finalidades de seu uso, essa tutela jurídica do pseudônimo se concretiza, dentre outras formas, por meio do sigilo de identificação da pessoa, sob pena de esvaziamento da sua própria intenção. Ou seja, quem usa um pseudônimo tem assegurado o sigilo de sua identificação, como mecanismo de preservação de sua personalidade.
Apesar dessa tutela avançada dedicada ao pseudônimo (integrante da própria personalidade e da dignidade inerente ao homem), é lamentável verificar episódios de quebra indevida de sigilo de identificação do ortônimo (pessoa que se encontra por trás do pseudônimo). O caso é grave porque constitui violação da personalidade, ocasionando dano moral indenizável, sem prejuízo de eventuais danos materiais (dano emergente e lucros cessantes) e, até mesmo, reparação por perda de uma chance.
No Brasil, recentemente, o jovem autor paulistano Ricardo Lisias sofreu absurda violação de sua personalidade. Escreveu um romance policial intitulado Diário da Cadeia (Ed. Record) e assinou com o pseudônimo de Eduardo Cunha. Simples exercício da liberdade de pensamento, de expressão e de imprensa (direito à comunicação social), protegido o uso do pseudônimo expressamente pelo comando do art. 19 do CC02. Foi, no entanto, quebrado, por ordem judicial, o sigilo do escritor, em ação promovida por um outro Eduardo Cunha, que está encarcerado. A editora recorreu e a obra já veio à luz. Mas, o pseudônimo não foi protegido.
A gravidade da situação salta aos olhos. Não se pode mitigar a proteção do pseudônimo – que, em última análise, corresponde à proteção da própria personalidade e dignidade do titular.
Em terras inglesas, a famosa escritora J. K. Rowling (idealizadora da saga Harry Potter) teve revelada, indevidamente, a sua identidade. Procurando escrever em
outro estilo, optou pelo pseudônimo Robert Galbraith, para assinar O Chamado do Cuco (The Cuckoo’s Calling, no original). Um advogado, porém, revelou a identidade de quem escreveu o livro. Embora tenha contribuído para o sucesso de vendas certamente, o ato violou gravemente a personalidade da escritora, que venceu uma demanda judicial, obtendo merecida indenização.
Não se pode, pois, quebrar o sigilo de pseudônimos usados para atividades artísticas, sob pena de grave violação da proteção da personalidade e de comprometimento da liberdade de pensamento e de expressão – que são cláusulas pétreas.
Aliás, essa necessária proteção jurídica do pseudônimo permite concluir que, embora com o nome não se confunda, é também uma clara projeção da personalidade, notadamente para atividades profissionais e artísticas.