Sobretudo após os ataques terroristas promovidos nos Estados Unidos em 11 de setembro de 2001, a Organização das Nações Unidas tem se movimentado para que seus Estados membros adotem medidas capazes de prevenir, investigar e punir condutas de natureza semelhante. Já em 28 de setembro de 2001 – dias após os famosos ataques –, a ONU editou a Resolução 1.373 (de execução obrigatória no Brasil por meio do Decreto 3.976/01), cujo artigo 1 dispõe que os Estados devem:
“a) Prevenir e reprimir o financiamento de atos terroristas;
b) Criminalizar o fornecimento ou captação deliberados de fundos por seus nacionais ou em seus territórios, por quaisquer meios, diretos ou indiretos, com a intenção de serem usados ou com o conhecimento de que serão usados para praticar atos terroristas;
c) Congelar, sem demora, fundos e outros ativos financeiros ou recursos econômicos de pessoas que perpetram, ou intentam perpetrar, atos terroristas, ou participam em ou facilitam o cometimento desses atos. Devem também ser congelados os ativos de entidades pertencentes ou controladas, direta ou indiretamente, por essas pessoas, bem como os ativos de pessoas e entidades atuando em seu nome ou sob seu comando, inclusive fundos advindos ou gerados por bens pertencentes ou controlados, direta ou indiretamente, por tais pessoas e por seus sócios e entidades;
d) Proibir seus nacionais ou quaisquer pessoas e entidades em seus territórios de disponibilizar quaisquer fundos, ativos financeiros ou recursos econômicos ou financeiros ou outros serviços financeiros correlatos, direta ou indiretamente, em benefício de pessoas que perpetram, ou intentam perpetrar, facilitam ou participam da execução desses atos; em benefício de entidades pertencentes ou controladas, direta ou indiretamente, por tais pessoas; em benefício de pessoas e entidades atuando em seu nome ou sob seu comando”.
Apesar de o Brasil se obrigar ao combate do terrorismo – até mesmo porque, na qualidade de membro, está vinculado ao disposto no art. 25 da Carta da ONUArtigo 25. Os Membros das Nações Unidas concordam em aceitar e executar as decisões do Conselho de Segurança, de acordo com a presente Carta., promulgada pelo Decreto 19.841/45 –, de repudiá-lo como princípio fundamental (art. 4º, inc. VIII, da CF/88) e de lhe impor a inafiançabilidade e a insuscetibilidade de graça ou anistia, somente em 2016 foi aprovada uma lei em que se define a prática terrorista, tipificam-se as condutas relativas e se estabelecem algumas medidas de índole processual (Lei 13.260).
A Lei 13.260/16 permite, no art. 12, que, havendo indícios suficientes de crime de terrorismo, o juiz decrete, no curso da investigação ou da ação penal, medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores do investigado ou acusado, ou existentes em nome de interpostas pessoas, que sejam instrumento, produto ou proveito dos mesmos crimes. Trata-se das medidas listadas nos arts. 125 a 144 do Código de Processo Penal: 1) sequestro; 2) hipoteca legal e 3) arresto. São, evidentemente, medidas decretadas em relação a crimes cometidos no território brasileiro ou em que, em razão das circunstâncias, incide a extraterritorialidade da lei penal brasileira.
Essas medidas, no entanto, não são suficientes para que se alcance integralmente a repressão que a ONU pretende conferir ao terrorismo, pois, devido à facilidade de trânsito de pessoas e de ativos entre países, é comum que organizações terroristas utilizem pessoas físicas e jurídicas residentes e sediadas em lugares diversos do mundo para manter a salvo bens e valores utilizados para o financiamento de suas atividades. E a Lei 13.260/16 é insuficiente neste ponto porque não é aplicável contra pessoas – físicas ou jurídicas – não envolvidas em crimes que atraiam a aplicação da lei penal brasileira, ainda que alguém mantenha no Brasil ativos que possam ser remetidos ao exterior para beneficiar os componentes de algum grupo terrorista.
A Lei 13.810, promulgada em 08 de março de 2019, vem com o propósito de agilizar o cumprimento de “sanções impostas por resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas, incluída a indisponibilidade de ativos de pessoas naturais e jurídicas e de entidades, e a designação nacional de pessoas investigadas ou acusadas de terrorismo, de seu financiamento ou de atos a ele correlacionados”. Neste caso, as medidas independem de o crime ter sido cometido no Brasil. Se o Conselho de Segurança das Nações Unidas emitir resolução impondo sanções a determinados indivíduos pelo cometimento de atos de terrorismo, o Brasil se obriga a cumprir medidas de indisponibilidade de ativos relacionados a esses indivíduos ainda que nenhuma conduta criminosa tenha sido cometida em nosso território, nem se justifique a aplicação da lei penal brasileira.
O novo diploma revoga a Lei 13.170/15, que também dispunha sobre a indisponibilidade de bens, direitos ou valores em decorrência de resolução do Conselho de Segurança da ONU, mas estabelecia um procedimento de ação judicial de indisponibilidade. A Lei 13.810/19 dispensa o procedimento judicial – e talvez aqui esteja a maior inovação – para que seja levada a efeito a indisponibilidade de ativos.
Com efeito, segundo o art. 6º, as resoluções sancionatórias têm efeito imediato no Brasil, dispensando inclusive o procedimento de internalização e homologação (procedimento que havia sido imposto no parágrafo único, mas que foi vetado por contrariar o propósito de conferir maior eficácia às sanções impostas). Em decorrência da imediatidade, o art. 9º estabelece que as pessoas naturais e jurídicas de que trata o art. 9º da Lei nº 9.613/98 cumprirão a resolução sem demoraSegundo o art. 2º, inc. V, da Lei 13.810/19, a expressão "sem demora" deve ser compreendida como “imediatamente ou dentro de algumas horas”. e sem prévio aviso ao sancionado, seguindo a forma e as condições definidas por seu órgão regulador ou fiscalizador.
A Lei 9.613/98 é a que dispõe sobre o crime de lavagem de dinheiro. Seu artigo 9º – ao qual se remete a Lei 13.810/19 – se refere às seguintes pessoas físicas, jurídicas e atividades:
a) captação, intermediação e aplicação de recursos financeiros de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira;
b) compra e venda de moeda estrangeira ou ouro como ativo financeiro ou instrumento cambial;
c) custódia, emissão, distribuição, liquidação, negociação, intermediação ou administração de títulos ou valores mobiliários;
d) bolsas de valores, bolsas de mercadorias ou futuros e sistemas de negociação do mercado de balcão organizado;
e) seguradoras, corretoras de seguros e entidades de previdência complementar ou de capitalização;
f) administradoras de cartões de credenciamento ou cartões de crédito e administradoras de consórcios para aquisição de bens ou serviços;
g) administradoras ou empresas que se utilizem de cartão ou qualquer outro meio eletrônico, magnético ou equivalente, que permita a transferência de fundos;
h) empresas de arrendamento mercantil (leasing) e de fomento comercial (factoring);
i) sociedades que efetuem distribuição de dinheiro ou quaisquer bens móveis, imóveis, mercadorias, serviços, ou, ainda, concedam descontos na sua aquisição, mediante sorteio ou método assemelhado;
j) filiais ou representações de entes estrangeiros que exerçam no Brasil qualquer das atividades listadas neste artigo, ainda que de forma eventual;
k) entidades cujo funcionamento dependa de autorização de órgão regulador dos mercados financeiro, de câmbio, de capitais e de seguros;
l) pessoas físicas ou jurídicas, nacionais ou estrangeiras, que operem no Brasil como agentes, dirigentes, procuradoras, comissionárias ou por qualquer forma representem interesses de ente estrangeiro que exerça qualquer das atividades referidas neste artigo;
m) pessoas físicas ou jurídicas que exerçam atividades de promoção imobiliária ou compra e venda de imóveis;
n) pessoas físicas ou jurídicas que comercializem joias, pedras e metais preciosos, objetos de arte e antiguidades;
o) pessoas físicas ou jurídicas que comercializem bens de luxo ou de alto valor, intermedeiem a sua comercialização ou exerçam atividades que envolvam grande volume de recursos em espécie;
p) juntas comerciais e registros públicos;
q) pessoas físicas ou jurídicas que prestem, mesmo que eventualmente, serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência, de qualquer natureza, em operações: 1) de compra e venda de imóveis, estabelecimentos comerciais ou industriais ou participações societárias de qualquer natureza; 2) de gestão de fundos, valores mobiliários ou outros ativos; 3) de abertura ou gestão de contas bancárias, de poupança, investimento ou de valores mobiliários; 4) de criação, exploração ou gestão de sociedades de qualquer natureza, fundações, fundos fiduciários ou estruturas análogas; 5) financeiras, societárias ou imobiliárias; 6) alienação ou aquisição de direitos sobre contratos relacionados a atividades desportivas ou artísticas profissionais;
r) pessoas físicas ou jurídicas que atuem na promoção, intermediação, comercialização, agenciamento ou negociação de direitos de transferência de atletas, artistas ou feiras, exposições ou eventos similares;
s) empresas de transporte e guarda de valores;
t) pessoas físicas ou jurídicas que comercializem bens de alto valor de origem rural ou animal ou intermedeiem a sua comercialização;
u) dependências no exterior das entidades mencionadas neste artigo, por meio de sua matriz no Brasil, relativamente a residentes no País.
A lista é extensa, mas seu destaque é importante porque cabe às pessoas físicas e jurídicas que exercem tais atividades o imediato cumprimento da resolução sancionatória. Para que se garanta a medida, o art. 10 determina que, sem prejuízo da obrigação de cumprimento imediato, o Ministério da Justiça e Segurança Pública comunique, sem demora, as sanções de:
a) indisponibilidade de ativos aos órgãos reguladores ou fiscalizadores, para que comuniquem imediatamente às pessoas naturais ou jurídicas de que trata o art. 9º da Lei 9.613/98. Esta comunicação deve ser também dirigida: às corregedorias de justiça dos Estados e do Distrito Federal; à Agência Nacional de Aviação Civil; ao Departamento Nacional de Trânsito do Ministério do Desenvolvimento Regional; às Capitanias dos Portos; à Agência Nacional de Telecomunicações; e a outros órgãos de registro público competentes.
b) restrições à entrada de pessoas no território nacional, ou à saída dele, à Polícia Federal, para que adote providências imediatas de comunicação às empresas de transporte internacional; e
c) restrições à importação ou à exportação de bens à Secretaria Especial da Receita Federal do Ministério da Economia, à Polícia Federal e às Capitanias dos Portos, para que adotem providências imediatas de comunicação às administrações aeroportuárias, às empresas aéreas e às autoridades e operadores portuários.
Esta comunicação é importante porque as entidades às quais se dirige são incumbidas do controle específico do trânsito de ativos e pessoas, o que pode agregar maior eficácia ao procedimento de indisponibilidade. Mas como o caput do art. 10 determina que o Ministério da Justiça faça a comunicação sem prejuízo do imediato cumprimento da sanção, conclui-se que a comunicação é tão somente um plus, isto é, as pessoas físicas e jurídicas incumbidas de cumprir os termos da resolução devem fazê-lo independentemente da iniciativa do Ministério da Justiça.
O art. 11, por sua vez, dispõe que a indisponibilidade de ativos e as tentativas de sua transferência relacionadas às pessoas naturais, às pessoas jurídicas ou às entidades sancionadas por resolução do Conselho de Segurança da ONU serão comunicadas ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, aos órgãos reguladores ou fiscalizadores das pessoas naturais ou das pessoas jurídicas de que trata o art. 9º da Lei 9.613/98 e ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF).
Caso a resolução sancionatória não seja cumprida, a União deverá ingressar, sem demora, com auxílio direto judicial (arts. 28 a 34 do CPC). As pessoas naturais e as pessoas jurídicas mencionadas no rol acima deverão informar, também sem demora, ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, a existência de pessoas e ativos sujeitos à sanção e as razões pelas quais deixaram de cumpri-la (art. 12). Instruído o procedimento com as informações sobre a existência de ativos sujeitos à indisponibilidade, o juiz deve determinar, no prazo de vinte e quatro horas a partir do recebimento dos autos, e sem a oitiva do requerido, as medidas pertinentes para o cumprimento da sanção (art. 14).
Caso o requerido seja excluído da sanção imposta pelo Conselho de Segurança, as partes poderão ingressar com ação revisional do que foi estatuído na sentença (art. 17).
É possível também que a União ingresse com pedido de auxílio direto judicial a requerimento de autoridade central estrangeira. Neste caso, a medida serve para assegurar o resultado de investigações administrativas ou criminais e ações em curso no exterior em virtude da prática de terrorismo, de seu financiamento ou de atos a ele correlacionados (art. 18).
Por fim, destaque-se que nos casos em que o juiz decreta medidas assecuratórias nos termos do art. 12 da Lei 13.260/16 – ou seja, nas situações em que o Brasil exerce jurisdição sobre crimes de terrorismo –, a União deve ser intimada para que adote, caso seja necessário, as providências de designação nacional perante o Conselho de Segurança das Nações Unidas ou seu comitê de sanções pertinente.