Informativo: 645 do STJ – Direito Penal
Resumo: 1) Art. 218-B, § 2º, I, do Código Penal. Favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável. Agente que pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso. Habitualidade. Desnecessária; 2) Art. 218-B do Código Penal. Favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança, adolescente ou vulnerável. Tipicidade. Enquadramento dos adolescentes no conceito de relativamente vulneráveis.
Comentários:
O art. 218-B do Código Penal tipifica, no caput, seis condutas: submeter (sujeitar), induzir (inspirar, instigar), atrair (aliciar) a vítima à prostituição ou outra forma de exploração sexual, facilitá-la (proporcionar meios, afastar dificuldades), ou impedir (opor-se) ou dificultar (criar obstáculos) que alguém a abandone.
Nas modalidades submeter, induzir, atrair e facilitar, consuma-se o delito no momento em que a vítima passa a se dedicar à prostituição, colocando-se, de forma constante, à disposição dos clientes, ainda que não tenha atendido nenhum. Exige-se, portanto, certa habitualidade da vítima no exercício da prostituição.
O mesmo dispositivo, no inciso I do § 2º, pune quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com pessoa menor de dezoito e maior de quatorze anos na situação descrita no caput. Segundo Nucci, “quer se punir, de acordo com o art. 218-B, aquele que insere o menor de 18 anos no cenário da prostituição ou outra forma de exploração sexual, facilita sua permanência ou impede ou dificulta sua saída da atividade. Por isso, passa-se a punir o cliente do cafetão, agenciador dos menores de 18 anos, que tenha conhecimento da exploração sexual. Ele atua, na espécie, como partícipe. Não há viabilidade de configuração do tipo penal do art. 218-B, § 2º, I, quando o menor de 18 e maior de 14 procurar a prostituição por sua conta e mantiver relação sexual com outrem. Afinal, ele não se encontra na ‘situação descrita no caput deste artigo’ (expressa menção feita no § 2º, I, parte final)” (Crimes contra a dignidade sexual, p. 59).
No julgamento do HC 371.633/SP (j. 19/03/2019), além de contrariar a lição exposta no parágrafo anterior, o STJ estabeleceu que, na figura equiparada, ao contrário do que ocorre na modalidade do caput, não se exige que o menor mantenha relacionamento habitual com determinada pessoa para que este indivíduo seja responsabilizado pelo crime. Basta um evento em que alguém pratique atos de libidinagem com menor entre quatorze e dezoito anos submetido a exploração sexual para que se tipifique o delito.
Em primeiro lugar, o tribunal destacou a desnecessidade de que o menor seja explorado por terceiro para que o “cliente” seja responsabilizado pelo crime. No caso julgado, o próprio impetrante havia abordado alguns adolescentes e lhes oferecido dinheiro e alimentos para que com ele mantivessem relação sexual em diversas ocasiões. Segundo se decidiu, nesta situação se confundiam na mesma pessoa as características de explorador e usuário do serviço de prostituição, e não há nada que impeça a punição de acordo com a segunda figura típica:
“Nesse contexto, e, especialmente tendo em conta que houve efetivo contato físico e prática de ato de libidinagem entre o réu e os ofendidos, não há dúvidas que os fatos que lhe foram assestados enquadram-se na figura do inciso I do § 2º do artigo 218-B do Estatuto Repressivo, consoante já decidiu este Sodalício em casos semelhantes:
‘RECURSO ESPECIAL. FAVORECIMENTO DA PROSTITUIÇÃO OU DE OUTRA FORMA DE EXPLORAÇÃO SEXUAL DE CRIANÇA OU ADOLESCENTE OU DE VULNERÁVEL. TIPICIDADE. CLIENTE OCASIONAL. RESTABELECIMENTO DA CONDENAÇÃO. POSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. O inciso I do § 2º do art. 218-B do Código Penal é claro ao estabelecer que também será penalizado aquele que, ao praticar ato sexual com adolescente, o submeta, induza ou atraia à prostituição ou a outra forma de exploração sexual. Dito de outra forma, enquadra-se na figura típica quem, por meio de pagamento, atinge o objetivo de satisfazer sua lascívia pela prática de ato sexual com pessoa maior de 14 e menor de 18 anos. 2. A leitura conjunta do caput e do § 2º, I, do art. 218-B do Código Penal não permite identificar a exigência de que a prática de conjunção carnal ou outro ato libidinoso com adolescente de 14 a 18 anos se dê por intermédio de terceira pessoa. Basta que o agente, mediante pagamento, convença a vítima, dessa faixa etária, a praticar com ele conjunção carnal ou outro ato libidinoso. 3. Pela moldura fática descrita no acórdão impugnado se vê claramente que o recorrido procurou, voluntariamente, a vítima e, mediante promessa de pagamento, a induziu à prática de atos libidinosos, a evidenciar seu nítido intuito de exploração sexual da adolescente, o que justifica o restabelecimento de sua condenação. 4. Recurso provido para restabelecer a sentença monocrática, que condenou o réu à pena de 4 anos e 8 meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, como incurso no art. 218-B, § 2º, I, do Código Penal. (REsp 1490891/SC, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 17/04/2018, DJe 02/05/2018)’” (destaques no original).
O impetrante também buscava o afastamento da continuidade delitiva argumentando que a figura do § 2º do art. 218-B pressupõe habitualidade no relacionamento entre o menor e quem solicita a prostituição. Também neste ponto o tribunal lhe negou razão:
“Isso porque apenas o caput do artigo 218-B da Lei Penal reclama a habitualidade para a sua configuração, sendo certo que, consoante consignado alhures, os fatos em tela se amoldam à figura do inciso I do § 2º da aludida norma incriminadora, cuja caracterização independe da manutenção de relacionamento sexual habitual entre o ofendido e o agente, permitindo, portanto, a incidência da causa de aumento prevista no artigo 71 do Estatuto Repressivo”.
No mesmo julgamento foi abordada a questão relativa à vulnerabilidade de menores submetidos a exploração sexual. Segundo o impetrante, o crime deveria ser afastado porque os adolescentes tinham maturidade sexual, não eram vulneráveis.
Inicialmente, o tribunal pontuou a diferença entre a vulnerabilidade dos arts. 217-A, 218 e 218-A e a do art. 218-B. No primeiro caso, em que se pune a relação sexual com menor de quatorze anos, não se discute a maturidade sexual ou a capacidade de consentimento. A jurisprudência do STJ se firmou no sentido de que o estupro de vulnerável se caracteriza pelo simples fato de alguém manter relação sexual com criança ou adolescente menor de quatorze anos. Esta orientação se firmou por meio da súmula 593 e foi corroborada pela Lei 13.718/18, que inseriu no art. 217-A um parágrafo (5º) que exclui a possibilidade de analisar o consentimento da vítima ou o fato de ela ter mantido relações sexuais anteriormente ao crime. O mesmo se dá nos artigos 218 e 218-A, em que o sujeito passivo, embora não envolvido diretamente em relações sexuais, também é menor de quatorze anos.
Mas a vulnerabilidade do art. 218-B tem natureza diversa, pois a tutela penal recai em maiores de quatorze anos, razão pela qual é necessário apurar se a pessoa tem o necessário discernimento para a prática do ato:
“Diferentemente do que ocorre nos artigos 217-A, 218 e 218-A do Código Penal, nos quais o legislador presumiu de forma absoluta a vulnerabilidade dos menores de 14 (catorze) anos, no artigo 218-B não basta aferir a idade da vítima, devendo-se averiguar se o menor de 18 (dezoito) anos ou a pessoa enferma ou doente mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou por outra causa não pode oferecer resistênciaEmbora no julgado haja referência à incapacidade de oferecer resistência, o tipo do art. 218-B não traz essa circunstância, própria do estupro de vulnerável..
Ao tratar da vulnerabilidade relativa prevista na norma penal incriminadora em tela, Guilherme de Souza Nucci adverte que ‘no contexto do art. 217-A, são considerados vulneráveis os menores de 14 anos, os enfermos e deficientes mentais e os que não podem opor resistência”, ao passo que “no art. 218-B, cuja titulação também trata de pessoa vulnerável, inclui-se o menor de 18 anos’, concluindo ‘ser o menor de 18 e maior de 14 anos uma pessoa relativamente vulnerável’ (Código Penal Comentado. 18ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 1240/1241).
Por sua vez, Cezar Roberto Bitencourt, citando Yordan de Oliveira Delgado, assevera que ‘a justificativa para se ampliar o conceito, é o fato de que embora o maior de 14 já esteja apto a manifestar sua vontade sexual, normalmente ele se entrega à prostituição face à péssima situação econômica’, motivo pelo qual ‘a sua imaturidade em função da idade associada a sua má situação financeira o torna vulnerável’ (Tratado de Direito Penal. Parte Especial. v. 4. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 124)”.
No caso julgado, concluiu-se que os menores eram vulneráveis, pois a proposta para as relações sexuais envolveu ofertas em dinheiro e de alimentos, o que evidencia que a situação miserável das vítimas serviu para que o impetrante se aproveitasse para satisfazer a própria lascívia:
“Por conseguinte, não há que se falar em atipicidade da conduta do réu sob o argumento de que os adolescentes teriam consentido com a prática dos atos libidinosos, uma vez que, como visto, restou devidamente comprovada no acórdão impugnado a vulnerabilidade relativa dos menores de 18 (dezoito) anos, o que é suficiente para a caracterização do delito do artigo 218-B, § 2º, inciso I, do Código Penal”.
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