A proposta de triangulação dos direitos fundamentais em gerações é atribuída a Kasel Vasak, que a apresentou em conferência ministrada no Instituto Internacional de Direitos Humanos (Estrasburgo) em 1979, inspirado no lema da Revolução Francesa (liberdade, igualdade e fraternidade) e baseado num processo histórico de institucionalização.
Os direitos de primeira geração, que tem como marco as revoluções liberais do século XVIII, são os direitos de liberdade em sentido amplo, sendo os primeiros a constarem dos textos normativos constitucionais, a saber, os direitos civis e políticos. São direitos a prestações preponderantemente negativas, nas quais o Estado deve proteger a esfera de autonomia do indivíduo. São denominados também “direitos de defesa”, pois protegem o indivíduo contra intervenções indevidas do Estado (dever de abstenção). Dentre eles, estão os direitos às liberdades, à vida, à igualdade perante a lei, à propriedade, à intimidade, etc.[1]
Os direitos de segunda geração, por sua vez, nasceram a partir do início do século XX, introduzidos pelo constitucionalismo do Estado social (Constituição Mexicana de 1917 e de Weimar de 1919) e compõem-se dos direitos de igualdade em sentido amplo, a saber, os direitos econômicos, sociais e culturais, cujo adimplemento impõe ao poder público a satisfação de um dever de prestação preponderantemente positiva, consistente num facere. São os reconhecidos direitos à saúde, à educação, à previdência, etc.
Estes direitos foram remetidos inicialmente à esfera das normas constitucionais programáticas. Nada obstante, prevalece hoje na jurisprudência superior que o “STF, considerada a dimensão política da jurisdição constitucional outorgada a esta Corte, não pode demitir-se do gravíssimo encargo de tornar efetivos os direitos econômicos, sociais e culturais, que se identificam – enquanto direitos de segunda geração – com as liberdades positivas, reais ou concretas (RTJ 164/158-161, rel. min. Celso de Mello). É que, se assim não for, restarão comprometidas a integridade e a eficácia da própria Constituição, por efeito de violação negativa do estatuto constitucional motivada por inaceitável inércia governamental no adimplemento de prestações positivas impostas ao poder público”.[2]
Os direitos de terceira geração são os direitos da comunidade, ou seja, têm como destinatário todo o gênero humano, como os difusos e coletivos, que se assentam na fraternidade ou solidariedade. Dentre eles, destaque-se o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, assim como os direitos ao desenvolvimento, ao patrimônio comum da humanidade e à paz (este último com alguma divergência, conforme se verá).
Em síntese conclusiva, nas palavras do Ministro Celso de Mello:
“Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade.” (MS 22.164, rel. min. Celso de Mello, j. 30-10-1995, P, DJ de 17-11-1995.)
Para além das 3 gerações inicialmente idealizadas por Karel Vasak, diversos autores hoje desenvolvem os conceitos de quarta, quinta e até sexta geração dos direitos fundamentais. Após a terceira, contudo, não há mais unanimidade doutrinária.
Segundo o brasileiro Paulo Bonavides, por exemplo, os direitos fundamentais de quarta geração seriam aqueles resultantes da globalização e são exemplos o direito à democracia (sobretudo direta), à informação, ao pluralismo e, para alguns (como Norberto Bobbio), a bioética.
Especificamente sobre o direito à democracia, está ele elencado aqui, pois passaria a ganhar uma dimensão mais ativa em vários campos normativos. A participação direta, inclusive, fiscalizatória, configura direito fundamental, cuja concretização tende a melhor tutelar a ação do Estado, simultaneamente em termos éticos e de eficiência, qualificando o espaço público, dominado até então pela democracia meramente formal.[3]
Paulo Bonavides também desenvolve sua quinta geração de direitos fundamentais, tendo como destaque o reconhecimento da normatividade do direito à paz. O autor critica Vasak que teria, inicialmente, inserido a paz no âmbito dos direitos de terceira geração (fraternidade).
Bernardo Gonçalves[4] cita, ainda, uma suposta sexta geração de direitos fundamentais, consistente no direito à água potável. O próprio autor, contudo, reconhece a desnecessidade de tal construção, já que estaria suficientemente abarcada pelo direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (terceira geração).
A classificação dos direitos fundamentais em “gerações”, contudo, tem sido objeto de inúmeras críticas. Vejamos:
1) A maior parte dos autores hoje prefere se valer da expressão “dimensões” de direitos fundamentais, em detrimento de “gerações”, partindo da premissa de que esta poderia induzir à falsa ideia de que uma categoria de direitos substitui a outra que lhe é anterior. Uma geração, definitivamente, não sucede a outra. Pelo contrário, haveria um acréscimo no catálogo de direitos fundamentais.
Não obstante, mesmo a substituição semântica (troca da expressão “geração” por “dimensão”) e superação da noção de “eliminação” pela de “acréscimo” são insuficientes para explicar a complexidade da construção histórica e da estrutura dos direitos fundamentais.
2) Nos termos da Declaração de Viena de 1993, “Todos os Direitos Humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e interrelacionados. A comunidade internacional deve considerar os Direitos Humanos, globalmente, de forma justa e eqüitativa, no mesmo pé e com igual ênfase.” (§5o), o que se contrapõem à qualquer visão fragmentária ou hierarquizada das diversas categorias de direitos fundamentais. Todos os direitos fundamentais possuem a mesma proteção (indivisibilidade) e contribuem para a realização da dignidade humana, interagindo para satisfação das necessidades essenciais do indivíduo (interdependência).
3) Mais que isso, a cada dimensão assistimos também uma redefinição do sentido e conteúdo dos direitos anteriormente fixados. O direito de propriedade, por exemplo, deve ser interpretado em conjunto com os direitos sociais previstos no ordenamento, o que revela sua função social. Após a consagração do direito ao meio ambiente equilibrado, o direito de propriedade deve também satisfazer as exigências ambientais de uso.[5]
4) Outra crítica contundente e esquecida pela maior parte da doutrina, mas bem lembrada por Valerio Mazzuoli[6], é a de que no plano interno, realmente, a consagração nas Constituições dos direitos sociais foi, em geral, posterior à dos direitos civis e políticos, ao passo que no plano internacional o surgimento da Organização Internacional do Trabalho, em 1919, propiciou a elaboração de diversas convenções regulamentando os direitos sociais dos trabalhadores, antes mesmo da internacionalização dos direitos civis e políticos no plano externo. Ou seja, falar em “gerações” conduz ainda a outros equívocos, porque no Direito Internacional dos Direitos Humanos a matéria apresenta peculiaridade: aqui, a 1a geração é dos direitos sociais, com a criação da OIT em 1919, enquanto no direito interno fazem parte da 2a geração, que é precedida pela 1ª geração integrada pelos direitos civis e políticos.
5) Por fim, e reforçando a crítica anterior, um breve olhar lançado sobre as diversas dimensões de direitos fundamentais nos revela que o processo que se deu de reconhecimento é de cunho essencialmente dinâmico e dialético, marcado por avanços, retrocessos e contradições.
NOTAS
[1] RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 57.
[2] RE 482.611, rel. min. Celso de Mello, j. 23-3-2010, dec. monocrática, DJE de 7-4-2010.
[3] DE FARIAS, Cristiano Chaves; NETTO, Felipe Braga; ROSENVALD, Nelson. Manual de Direito Civil – Volume Único. Salvador: Editora Juspodivm, 2019, p. 288.
[4] FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. Salvador: Juspodivm, 2019, p. 355.
[5] RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 59.
[6] MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 57.