Informativo: 967 do STF – Processo Penal
Resumo: É ilícito o depoimento de advogado colhido sem comprovação de que tenha sido autorizado pelo ex-constituinte
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O art. 207 do Código de Processo Penal elenca as pessoas que, devido à sua condição subjetiva, estão proibidas de depor, ou seja, nem se o quiserem poderão fazê-lo, salvo se liberadas pela parte interessada, que lhes confiou o segredo:
“São proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho”.
O Código de Processo Penal português, em seu art. 135, 1, exemplifica pessoas que se submetem ao impedimento em razão da profissão: “os ministros de religião ou confissão religiosa e os advogados, médicos, jornalistas, membros de instituições de crédito e as demais pessoas a quem a lei permitir ou impuser que guardem segredo podem escusar-se a depor sobre os factos por ele abrangidos”. Nosso legislador, no processo penal, foi porém mais genérico, sem indicar profissões específicas que se sujeitam a este impedimento. Há, portanto, a necessidade de pesquisa na legislação que rege cada profissão, nos códigos de ética de cada uma delas, a fim de apurar se determinada atividade se encontra acobertada pelo sigilo profissional, a obrigar que se guarde segredo.
A Lei n° 8.906/94, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia, assegura, em seu art. 7°, inc. XIX, ser direito do advogado “recusar-se a depor como testemunha em processo no qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou foi advogado, mesmo quando autorizado ou solicitado pelo constituinte, bem como sobre fato que constitua sigilo profissional”. O Código de Ética e Disciplina da OAB vai além, pois dispõe no art. 26 que “o advogado deve guardar sigilo, mesmo em depoimento judicial, sobre o que saiba em razão de seu ofício, cabendo-lhe recusar-se a depor como testemunha em processo no qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou tenha sido advogado, mesmo que autorizado ou solicitado pelo constituinte”.
Claro que a negativa é pertinente, desde que relacionada à atuação de advogado. Caso se trate de fato estranho a esse mister, a simples condição de advogado não o exime de depor. Se determinado advogado é testemunha de um furto ocorrido na casa vizinha, sem que seus serviços profissionais tenham sido solicitados por quaisquer dos envolvidos, obriga-se, como outro qualquer, a depor. Se, por outro lado, obtém informação de um cliente em caráter confidencial e é provocado a revelar esta informação em juízo, deve guardar sigilo.
Recentemente, o STF concedeu habeas corpus de ofício no qual considerou inadmissível o depoimento de advogado que não havia sido autorizado a depor. O tribunal declarou a ilicitude da prova e determinou seu desentranhamento.
A parte interessada havia inicialmente ajuizado uma reclamação por desrespeito à decisão proferida pelo tribunal no Inq. 4.296. Alegava-se que não poderia ter havido o arrolamento, na qualidade de testemunha, do advogado que havia atuado no mesmo processo como patrono de uma das partes.
Por unanimidade, a 2ª Turma do STF julgou improcedente a reclamação, pois o acórdão paradigma não proíbe o arrolamento de advogados, mas, ao contrário, o permite, considerada a possibilidade de recusa diante do teor das perguntas formuladas. Mas, dadas as circunstâncias relatadas na reclamação acerca do depoimento prestado pelo advogado, a turma, por empate, concedeu habeas corpus para anular a prova:
“Em seguida, a Turma, por empate, concedeu habeas corpus de ofício para reconhecer a inadmissibilidade do testemunho do advogado no processo examinado, declarando a ilicitude do ato e determinando o desentranhamento da prova considerada inadmissível.
Explicou que, no acórdão paradigma, afirmou-se que, em princípio, a intimação do advogado para comparecer perante a autoridade não parece em desacordo com a lei, mas ele somente poderia optar por depor se liberado do sigilo profissional pela cliente anteriormente defendida. Assim, como naquele momento e nos limites daquela via, inexistia comprovação da manifestação da ex-cliente sobre a questão, manteve-se a intimação para o depoimento. Ademais, ressaltou-se que eventual invalidade do depoimento poderia ser apreciada no futuro.
Portanto, assentou-se que o advogado somente poderia optar por depor se liberado do sigilo profissional por sua ex-cliente. Não foi a situação que envolveu a decisão reclamada, entretanto.
Salientou que, nos termos do art. 7º, XIX, do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (EOAB), é direito do advogado recusar-se a depor como testemunha em processo no qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou foi advogado, mesmo quando autorizado ou solicitado pelo constituinte, bem como sobre fato que constitua sigilo profissional.
Ademais, o sigilo profissional do advogado, externo ou interno, tal qual o do médico, é ponto central das normas deontológicas e legais que regulam a profissão.
Desse modo, ainda que se deva estruturar um processo penal efetivo, que tenha meios para assegurar a investigação e a produção das provas de um modo a possibilitar uma decisão mais informada possível, existem critérios de admissibilidade de provas que se embasam em premissas fundamentais para proteção de direitos fundamentais e contenção de abusos.
Caracterizam-se, assim, regras legais de exclusão probatória fundadas em limites lógicos, políticos e epistemológicos, que restringem de certa maneira a busca pela verdade e a reconstrução dos fatos passados.
Diante desse quadro, embora o sigilo profissional possa acarretar a supressão de informações potencialmente pertinentes ao caso, trata-se de premissa fundamental para o exercício efetivo do direito de defesa, no que diz respeito à defesa técnica.
A relação entre cliente e advogado depende de confiança, para que o réu possa descrever todos os fatos e elementos pertinentes sem medo de que isso possa ser posteriormente contra ele utilizado.
O sigilo profissional é um direito do indivíduo ao prestar informações ao advogado para o exercício de sua representação perante os órgãos pertinentes. Desse modo, para que o testemunho possa ser prestado pelo profissional, faz-se necessário o consentimento válido do interessado direto na manutenção do segredo.
Portanto, o advogado não pode testemunhar sobre fatos de que tomou conhecimento em razão de seu ofício, como para o exercício de sua atuação profissional a partir da narração apresentada pelo cliente e eventuais documentos por ele entregues.
Frisou que, nos termos do art. 25 do EOAB, o sigilo profissional é inerente à profissão, impondo-se o seu respeito, salvo grave ameaça ao direito à vida, à honra, ou quando o advogado se veja afrontado pelo próprio cliente e, em defesa própria, tenha que revelar segredo, porém sempre restrito ao interesse da causa.
Porém, da leitura do caso em exame, depreende-se que o advogado arrolado como testemunha teve seus poderes como patrono da interessada expressamente revogados, vedando-se sua atuação no caso. Além disso, requereu-se que devolvesse qualquer documento relacionado ao fato que a ele tivesse sido entregue.
Evidente, portanto, que a cliente não liberou o advogado do dever de manter o segredo profissional sobre as informações e documentos de que teve conhecimento em razão da atuação como defensor técnico.
A ministra Cármen Lúcia e o ministro Edson Fachin não concederam a ordem de ofício” (Rcl 37235/RR, j. 18/02/20).
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Livro: Código de Processo Penal e Lei de Execução Penal Comentados por Artigos