– No outro texto conversamos sobre os aspectos gerais quanto ao IBS…
– E este imposto será não cumulativo, como o ICMS?
– Como você viu, não apenas o ICMS é não cumulativo[1], mas também, o PIS, a COFINS e o IPI. No entanto, são regimes de não cumulatividade bem complexos, algo que denota uma falsa não cumulatividade[2]. O IBS será um imposto não cumulativo[3], sendo que todas as aquisições, inclusive de ativo imobilizado e de bens de consumo, gerarão direito ao crédito, salvo em relação aos bens e serviços alheios à atividade empresarial, utilizando-se, portanto, de um regime financeiro[4].
– Percebi que há, ainda, muita discussão sobre essa questão da não cumulatividade do IBS.
-Pois é. Será um assunto muito discutido ainda até que uma determinada reforma tributária seja aprovada mesmo.
– E, como funcionará?
-Bom, falei para você sobre a questão das alíquotas do IBS. Embora os entes federativos possam modificar as alíquotas, o que vai importar para o contribuinte é alíquota total, isto é, a somatória de todas. Suponha que a alíquota federal é 5%, a do Estado de São Paulo 8% e a do Município de Santos 2%, estaremos diante de uma alíquota total de 15% do IBS. Logo, as venda em Santos e para Santos sofrerão a incidência da alíquota de 15% do IBS. Assim sendo, o contribuinte irá apurar os débitos e os créditos que possui, recolhendo o valor do IBS por meio de um procedimento unificado, através de uma guia única, como ocorre com o regime do SIMPLES Nacional.
Outra questão envolvendo o IBS é que o referido imposto não incidirá sobre as exportações, até porque, estamos diante de um imposto sobre o consumo, sendo insensato tributar bens e serviços que sejam consumidos ou prestados fora do território pátrio. No entanto, interessante saber que os exportadores terão direito ao crédito do imposto incidente na aquisição do bem ou do serviço tributado. Ou seja, o bem ou serviço exportado sem que haja a incidência do IBS[5], possuirá o crédito acumulado, sendo possível o exercício do direito ao ressarcimento em dinheiro no prazo de 60 (sessenta) dias, sendo que o referido valor estará localizado em uma conta centralizadora da Agência Tributária Nacional, garantindo uma restituição mais célere, ou seja, a quantia não estará disponível nos cofres públicos dos entes da Federação.
– Interessante esta previsão, até porque, evita-se a morosidade quanto à restituição do crédito do IBS.
-Embora muitos pontos apresentados sejam positivos, nesta atual sistemática, teríamos, conforme pontua a Professora Tathiane Piscitelli[6], o fim da seletividade.
– A seletividade que rege, obrigatoriamente, o IPI?
-Não apenas o IPI, mas também, o ICMS, lembra? Embora exista aquela discussão sobre a obrigatoriedade ou não referente à este último imposto.
– Verdade, professora!
-Pois então, no nosso caso do IBS, como eu já havia lhe falado, teremos uma única alíquota, apenas, a qual incidirá sobre os produtos, independentemente de serem de luxo ou de primeira necessidade. Ademais, não será possível a concessão de benefícios fiscais.
– Mas, por que, professora?
-Um dos objetivos da PEC 45/2019 é a extinção da guerra fiscal. Com a vedação quanto à concessão de benefícios fiscais, setores tidos como privilegiados, sob a sistemática atual, não receberão tratamento diferenciado, algo benéfico para fins de inviabilizar distorções competitivas. No entanto, a proposta traz uma exceção referente aos mais necessitados. Trata-se da redução do efeito regressivo da tributação do consumo, ao desonerar a cesta básica de alimentos. Assim sendo, promove-se a restituição às famílias de baixa renda, sendo possível a transferência de parcela do imposto incidente sobre suas aquisições[7].
– Hum, parece ser interessante, mas pode ser um pouco confuso de início.
-Também preciso lhe contar que teremos definido, por meio de uma lei complementar, o processo administrativo para fins de solução de conflitos referente ao novo imposto, fora que, para fins de processo judicial, embora seja de competência federal, por estarmos diante de um imposto que corrobora com a autonomia de todos os entes federativos, procuradores destes atuarão conjuntamente, consoante determinação do comitê gestor.
Outra situação interessante que a PEC 45/2019 traz é a criação de um imposto seletivo federal[8], o qual incidirá sobre bens e serviços, cujo consumo o legislador deseja desestimular, os quais geram externalidades negativas.
– Quais bens, por exemplo?
– Como cigarros e bebidas alcoólicas, por exemplo!
– E como seria esse imposto?
-Primeiramente, a sua incidência seria monofásica, ocorrendo a tributação apenas em uma etapa do processo de produção, distribuição e nas importações.
Mas, vamos voltar ao IBS e às alterações que a PEC 45/2019 visa realizar no texto constitucional!
– Ixi, lá vem!
-Uma das principais modificações é que a PEC 45/2019 visa alterar a redação do art. 105, da CF/88, ao dispor que
Art. 105, da CF/88. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
III – julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:
- d) contrariar ou negar vigência à lei complementar que disciplina o imposto sobre bens e serviços a que se refere o art. 152-A, ou lhe der interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.
– A PEC 45/2019 visa acrescentar a alínea d no art. 105, III, da CF/88?! Mas, por que?
-Então, a PEC 45/2019 visa à acrescentar o art. 152-A[9], na Constituição Federal de 1988, o qual menciona que o IBS será criado mediante a edição de uma lei complementar de caráter nacional e, não meramente federal, por isso, caberá ao Superior Tribunal de Justiça, a competência para julgamento das questões relativas ao imposto.
– Interessante, professora!
-Mais interessante é a alteração que a PEC 45/2019 visa realizar no art. 109, I, da CF/88:
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
I – as causas em que a União, entidade autárquica, empresa pública federal ou o comitê gestor nacional do imposto sobre bens serviços a que se refere o art. 152-A forem interessados na condição de autores, réus, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho.
Fora esta alteração, a PEC 45/2019 visa, no art. 146, da CF/88, alterar o inciso III, alínea d[10], cujo intuito é de inserir o IBS entre os tributos contemplados pelo regime do SIMPLES NACIONAL, além de renumerar o parágrafo único do referido dispositivo como §1º, acrescentando à este, o inciso V[11], possibilitando, ao contribuinte optante do referido regime, acaso opte, recolher o IBS de forma segregada, ou seja, permitindo que sua característica de não cumulativo continue a ser exercida.
– Não tinha cogitado sobre esta situação do IBS ser contemplado pelo SIMPLES NACIONAL!
-Ainda nesta perspectiva do regime de apuração, no art. 146, da CF/88, foi inserido o §2º, o qual menciona que os contribuintes optantes do SIMPLES NACIONAL serão vedados de transferir créditos do IBS a terceiros, assim como de se apropriarem destes.
– Quanta mudança, professora!
-Ainda tem mais!
Teremos que, dos art. 159-A ao art. 159-G, há definições quanto ao sistema de destinação da receita do IBS às finalidades específicas. Tais dispositivos regulam a substituição do atual sistema de vinculação de receitas e partilhas dos cinco tributos substituídos.
Destaque para o art. 159-F, o qual dispõe que “a nenhuma unidade federada poderá ser destinada parcela superior a vinte porcento do montante” do valor das respectivas exportações de produtos industrializados do total destes recursos, “devendo o eventual excedente ser distribuído entre os demais participantes, mantido, em relação a esses, o critério de partilha nele estabelecido”, além do que, os Estados destinarão aos seus respectivos Municípios o total de vinte e cinco porcento destes recursos, observados os critérios previstos no art. 159-G, I e II[12].
– Como ocorrerá a destinação desta cota parte do IBS?
-Conforme o art. 159-G, I e II, teremos que três quartos do referido montante será distribuído proporcionalmente à população de cada Município, sendo que, “ um quarto, de acordo com o disposto em lei estadual”.
Por fim, também teremos alterações no §2º do art. 198 e inclusão do §7º no art. 212, referentes às ações e serviços públicos de saúde e à manutenção e ao desenvolvimento do ensino, respectivamente,
– Ufa, que complicada esta reforma!
-UFA digo eu!
Terminamos os principais aspectos da PEC 45/2019. Agora, é torcer que seja aprovada a melhor proposta para nosso país, pois do jeito que está, não há como continuar!
– Vamos torcer, professora!
[1] Como foi estudado anteriormente, a não cumulatividade do ICMS é fictícia, isto porque, na realidade, não ocorre de fato a devolução de créditos acumulados, assim como o amplo leque de restrições à recuperação de créditos.
[2] Hugo de Brito Machado Segundo tece críticas consideráveis ao regime a ser adotado pelo IBS, da tributação indireta. Vide: “Refiro-me à natureza supostamente “indireta” do IBS, que seria pago “na verdade” pelo consumidor final, somada ao fato, a ela relacionada, de que o tributo seria “não cumulativo”, gerando créditos de forma ampla. Essas afirmações são feitas por defensores da PEC como solução — vejam só — para os problemas que se lhes apontam. É o que se ouve, por exemplo, quando se lhes objeta que o IBS elevará demasiadamente a carga tributária incidente sobre prestadores de serviços. Dentistas, advogados e contadores que hoje se submetem a 5% de ISS passarão a sofrer a incidência de um IBS de aproximadamente 25%, ao que os apoiadores da proposta replicam: “mas o crédito será amplo, e quem pagará esse ônus será o consumidor final!”. Prosseguem dizendo que, se o usuário do serviço for um consumidor final, ele pagará a conta; se for outro agente econômico, no caso, por exemplo, de um advogado que presta serviço a uma empresa, esta poderá creditar-se do valor do serviço, IBS incluso, e abater tudo do IBS que tiver a pagar nas operações seguintes. Assim, repete-se, o ônus será transferido ao consumidor final, não recaindo sobre nenhum agente produtivo. São esses pontos, colocados como grandes vantagens, que podem transformar o IBS no pior pesadelo dos contribuintes brasileiros. Isso porque, no Brasil, a tributação dita “indireta” tem servido de pretexto para se fazer, juridicamente, uma divisão ronceira entre os sujeitos passivos, que os priva da maior parte dos seus direitos inerentes à relação jurídica tributária, notadamente aqueles que dizem respeito ao acesso à jurisdição. E, note-se: justamente por causa dessa crença de que “tudo se transfere ao consumidor final. Alude-se a um “contribuinte de direito”, que seria por lei obrigado ao pagamento do tributo, e a um “contribuinte de fato”, que suportaria o ônus correspondente. O problema é que, quando o “contribuinte de direito” pleiteia algum “direito” no âmbito da relação tributária, como, por exemplo, a devolução de uma quantia paga de maneira indevida, a administração tributária e o Judiciário afirmam que ele não pode fazê-lo, por ter “repassado” o ônus ao “contribuinte de fato”, que seria quem “na verdade” teria pagado o tributo, conforme se interpreta do artigo 166 do CTN. Mas, se o contribuinte dito “de fato” pleiteia judicialmente o reconhecimento desse mesmo direito, igualmente se lhe nega, ao argumento de que ele não tem relação jurídica com o Fisco. Em suma: no Brasil, o contribuinte “de fato” não é tão “só de fato” assim. Em verdade, sua existência tem vários efeitos jurídicos, mas todos destinados a tirar direitos do “contribuinte de direito”, sem atrai-los para si ou transferi-los a qualquer outra pessoa: faz com que evaporem.” (SEGUNDO, Hugo de Brito Machado. IBS pode corrigir ou amplificar problemas da tributação indireta no Brasil. Consultor Jurídico, 2019. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2019-jul-31/consultor-tributario-ibs-corrigir-ou-amplificar-problemas-tributacao-indireta> . Acesso em 17 de nov. de 2019.
[3] Na verdade, o imposto pago pelo consumidor final, por conta da não cumulatividade, corresponderia à soma do imposto recolhido em cada etapa de produção e comercialização.
[4]“Os valores devidos pelos intermediários da cadeia (produtores, indústrias, comércio atacadista e varejista, prestadores de serviços, dentre outros agentes) apurarão o imposto pelo sistema de débito e crédito – não cumulatividade – pelo regime financeiro. Tudo dará crédito, exceto se alheio à atividade da empresa. Logo, a despeito de imaginar uma possível oneração em algumas atividades intermediárias, é fato que economicamente serão barateadas, vez que passarão a dar créditos aos seus adquirentes de forma ampla. Muitas atividades não transferem atualmente este crédito aos adquirentes por força de restrições nas legislações do IPI, PIS, Cofins, ICMS e do ISS. E este aparente “aumento” de carga será, no mais das vezes, uma verdadeira redução de carga, pois o IBS não será mais custo aos seus adquirentes intermediários.” (SALUSSE, Eduardo. A neutralidade do IBS. Valor Econômico, 2019. Disponível em: https://valor.globo.com/legislacao/fio-da-meada/post/2019/05/a-neutralidade-do-ibs.ghtml . Acesso em 17 de nov. de 2019.
[5] Isto porque, na sistemática do IVA, a qual o IBS se fundamenta, utiliza-se o princípio do destino, caracterizado pela desoneração das exportações e incidência do imposto nas importações, sendo que o valor arrecadado competirá ao país de destino, sendo tributado o consumo e não, a produção. Deve-se ter atenção à esta observação, uma vez que consiste na essência do IBS.
[6] PISCITELLI, Tathiane. O fim da seletividade na proposta de reforma tributária. Valor Econômico, 2019. Disponível em: < https://valor.globo.com/legislacao/fio-da-meada/post/2019/07/o-fim-da-seletividade-na-proposta-de-reforma-tributaria.ghtml> Acesso em 17 de nov. de 2019.
[7] “Para os defensores da proposta, a eliminação integral dos benefícios fiscais é fundamental para conferir maior racionalidade ao sistema tributário e consequente retomada do crescimento econômico do país. Defendem, ainda, que a tributação sobre o consumo não deve ser utilizada como mecanismo de realização de justiça distributiva ou com finalidades estranhas à arrecadação. A justiça fiscal, alegam, deve ser feita na ponta da despesa, com gastos sociais voltados à redução da desigualdade e, ainda, via crédito ao consumidor de baixa renda – mecanismo que se aproxima da nota fiscal paulista, por exemplo, que devolve ao consumidor final uma parcela do ICMS incidente na operação, mediante a inserção do CPF do cidadão na nota fiscal. Há, todavia, muitas falhas nessas ponderações.” (PISCITELLI, Tathiane. O fim da seletividade na proposta de reforma tributária. Valor Econômico, 2019. Disponível em: < https://valor.globo.com/legislacao/fio-da-meada/post/2019/07/o-fim-da-seletividade-na-proposta-de-reforma-tributaria.ghtml> Acesso em 17 de nov. de 2019.)
[8] Esta possibilidade advém com o acréscimo que a PEC 45/2019 visa à realizar no art. 154, da CF/88, quanto ao inciso III. Vide: “Art. 154. A União poderá instituir: III – impostos seletivos, com finalidade extrafiscal, destinados a desestimular o consumo de determinados bens, serviços ou direitos”
[9] Art. 152-A, da PEC 45/2019. “Lei complementar instituirá imposto sobre bens e serviços, que será uniforme em todo o território nacional, cabendo à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exercer sua competência exclusivamente por meio da alteração de suas alíquotas”.
[10] “d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art.
152- A, 155, II, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, e §§ 12 e 13 e da contribuição a que se refere o art. 239”.
[11] “V- o contribuinte poderá optar pelo pagamento do imposto sobre bens e serviços a que se refere o art. 152-A, hipótese em que a parcela a ele relativa não será cobrada pelo regime unificado de que trata este parágrafo”.
[12] “Art. 159-G. As parcelas destinadas aos Municípios nos termos do
inciso III do art. 159-B serão creditadas conforme os seguintes critérios:
I – três quartos na proporção da respectiva população;
II – um quarto, de acordo com o que dispuser lei estadual ou, no caso
dos territórios, lei federal.”