A condenação criminal pode ter efeitos que ultrapassam a execução forçada da sanção penal imposta. Há efeitos que decorrem automaticamente da sentença condenatória, como a obrigação de indenizar o dano causado e o confisco dos instrumentos e produtos do crime, assim como há outros que dependem da natureza do crime cometido e da devida fundamentação do juiz.
Dentre estes últimos se encontra a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo, disposta no art. 92, inc. I, do CP. Esse efeito incide desde que:
a) aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública;
b) aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a quatro anos nos demais casos.
Nas duas situações, cumpre ao magistrado sentenciante examinar a natureza do crime e a gravidade da conduta para decidir se é absolutamente incompatível a permanência do agente nos quadros da Administração Pública. Não se trata, portanto, de um efeito automático da condenação (parágrafo único do art. 92).
Mas é possível que no momento da sentença o condenado esteja ocupando cargo diferente daquele exercido ao tempo do crime. Nesse caso, segundo tem decidido o STJ, não é possível decretar a perda se o fato for relativo à violação dos deveres inerentes ao cargo, pois a conduta criminosa deve ter relação direta com a atividade pública desempenhada. Em 2019, no julgamento do HC 482.458/SP (j. 22/10/2019) o tribunal reverteu os efeitos da condenação contra duas servidoras públicas que, embora houvessem sido condenadas por crime licitatório cometido quando ocupavam cargos comissionados, sofreram a perda do cargo efetivo, que não guardava relação nenhuma com o crime:
“O cargo, função ou mandato a ser perdido pelo funcionário público como efeito secundário da condenação, previsto no art. 92, I, do Código Penal, só pode ser aquele que o infrator ocupava à época da conduta típica. Assim, a perda do cargo público, por violação de dever inerente a ele, necessita ser por crime cometido no exercício desse cargo, valendo-se o envolvido da função para a prática do delito. No caso, a fundamentação utilizada na origem para impor a perda do cargo referiu-se apenas ao cargo em comissão ocupado pelas pacientes na comissão de licitação quando da prática dos delitos, que não guarda relação com o cargo efetivo, ao qual também foi, sem fundamento idôneo, determinada a perda”
Recentemente, no julgamento de recursoNúmero não divulgado em razão de segredo de justiça. contra acórdão que havia mantido perda do cargo decretada em primeira instância, o STJ reiterou que o cargo perdido deve ter relação com a conduta criminosa. No caso, um professor fora condenado a dezessete anos de reclusão e a cinquenta anos de detenção por crimes de associação criminosa, corrupção e fraudes em concursos públicos e licitações cometidos quando exercia o cargo de prefeito. O ministro Joel Ilan Paciornik observou que a lei não dispõe expressamente sobre a possibilidade de perda de qualquer cargo público que o condenado esteja exercendo, razão por que a interpretação deve ser restritiva, tendo em vista que se trata de efeito da condenação.
Para se aprofundar, recomendamos:
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