A Lei n. 8.009, de 29 de março de 1990, prevê em seu art. 1º que o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas na lei. Percebe-se que o dispositivo se refere a “casal” ou “entidade familiar”, não mencionando o solteiro ou quem vive sozinho. A lei protege esse indivíduo? O que entende o STJ?
No passado, o STJ já decidiu que a Lei n. 8.009/90 destina-se a proteger, não o devedor, mas a sua família. Assim, a impenhorabilidade nela prevista abrangeria o imóvel residencial do casal ou da entidade familiar, não alcançando o devedor solteiro, que reside solitário – ver nesse sentido: REsp 67.112/RJ, Rel. Min. Barros Monteiro, Quarta Turma, julgado em 29/08/1995, DJ 23/10/1995 e REsp 169.239/SP, Rel. Min. Barros Monteiro, Quarta Turma, julgado em 12/12/2000, DJ 19/03/2001.
Todavia, com o passar dos anos passou a entender que o incentivo à casa própria busca proteger as pessoas, garantido-lhes o lugar para morar. Nessa linha, conservada a teleologia da norma, o solteiro deveria receber o mesmo tratamento. Também o celibatário, disse o STJ, é digno dessa proteção. E mais. Também o viúvo, ainda que seus descendentes hajam constituído outras famílias, e como, normalmente acontece, passam a residir em outras casas. No emblemático REsp 182.223/SP, Sexta Turma, julgado em 19/08/1999, o Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, consignou que a Lei nº 8.009/90 não está dirigida a número de pessoas. Ao contrário a lei visa proteger a pessoa: solteira, casada, viúva, divorciada, pouco importa. O sentido social da norma busca garantir um teto para cada pessoa.
O tema era, como se vê, divergente no Superior no início dos anos 2000 e foi levado a julgamento na Corte Especial.
Nos paradigmáticos EREsp 182.223/SP, Rel. p/ Acórdão Ministro Humberto Gomes de Barros, Corte Especial, julgado em 06/02/2002, DJ 07/04/2003, a Corte dirimiu dissenso no Tribunal para entender que a interpretação teleológica do art. 1º, da Lei 8.009/90, revela que a norma não se limita ao resguardo da família. Seu escopo definitivo é a proteção de um direito fundamental da pessoa humana: o direito à moradia. Na ocasião, cunhou-se célebre passagem do saudoso Min. Humberto Gomes de Barros: “se assim ocorre, não faz sentido proteger quem vive em grupo e abandonar o indivíduo que sofre o mais doloroso dos sentimentos: a solidão.”
No dissenso entre o REsp 67.112-RJ (DJ 23/10/1995) e o REsp 182.223/SP (DJ 20/09/1999), prevaleceu a conclusão deste último. Assim, é impenhorável, por efeito do preceito contido no art. 1º da Lei 8.009/90, o imóvel em que reside, sozinho, o devedor celibatário. Disso, resultou a formulação do Verbete 364 do STJ, segundo o qual, o conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas.
A ratio essendi dessa posição, todavia, é preciso registrar, “não se estende à hipótese de mera separação de fato entre cônjuges, com a migração de cada um deles para um dos imóveis pertencentes ao casal, por três motivos: (i) primeiro, porque a sociedade conjugal, do ponto de vista jurídico, só se dissolve pela separação judicial; (ii) segundo, porque antes de realizada a partilha não é possível atribuir a cada cônjuge a propriedade integral do imóvel que reside; eles são co-proprietários de todos os bens do casal, em frações-ideais; (iii) terceiro, porque admitir que se estenda a proteção a dois bens de família em decorrência da mera separação de fato dos cônjuges-devedores facilitaria a fraude aos objetivos da Lei – ver nesse sentido: REsp 518.711/RO, Rel. Ministro Ari Pargendler, Rel. p/ Acórdão Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 19/08/2008, DJe 05/09/2008 e AgRg no AREsp 301.580/RJ, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em 28/05/2013, DJe 18/06/2013.
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