– Em debate: recepção do art. 187, parágrafo único, do Código Tributário Nacional (Lei n. 5.172/1966) e do art. 29, parágrafo único, da Lei de Execução Fiscal (Lei n. 6.830/1980)
– Dispositivos questionados:
Art. 29. A cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, concordata, liquidação, inventário ou arrolamento
Parágrafo Único. O concurso de preferência somente se verifica entre pessoas jurídicas de direito público, na seguinte ordem:
I – União e suas autarquias;
II – Estados, Distrito Federal e Territórios e suas autarquias, conjuntamente e pro rata;
III – Municípios e suas autarquias, conjuntamente e pro rata.
Art. 187. A cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, recuperação judicial, concordata, inventário ou arrolamento.
Parágrafo único. O concurso de preferência somente se verifica entre pessoas jurídicas de direito público, na seguinte ordem:
I – União;
II – Estados, Distrito Federal e Territórios, conjuntamente e pro rata;
III – Municípios, conjuntamente e pro rata.
– Argumentos centrais da relatora, Min. Cármen Lúcia: a) após a promulgação da Constituição de 1988, os entes federativos se tornaram autônomos, e o tratamento entre eles passou a ser isonômico; b) o estabelecimento de hierarquia entre pessoas jurídicas de direito público interno para crédito de tributos contraria o art. 19, inciso III, da Constituição de 1988, que veda à União e aos demais entes federativos criar preferências entre si; c) só é válido um critério distintivo para a execução fiscal quando previsto e justificado constitucionalmente; d) não se comprova a finalidade constitucional e legítima buscada para distinção nas execuções.
– Com a decisão do STF, a Súmula 563 do STF, aprovada em 15 de dezembro de 1976, foi cancelada: segundo o verbete, [o concurso de preferência a que se refere o parágrafo único do art. 187 do Código Tributário Nacional é compatível com o disposto no art. 9º, I, da Constituição Federal]. Para o STF, tendo por base o art. 9º, I, da Emenda Constitucional n. 1, de 17 de outubro de 1969 (para parte da doutrina, Constituição de 1969), a proibição de ser criarem preferências entre uma das pessoas de Direito Público interno, prevista no art. 9º, I, da EC 1/1969 [Art. 9º. A União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios é vedado: I – criar distinções entre brasileiros ou preferências em favor de uma dessas pessoas de direito público interno contra outra], não excluía a ordem de preferência no concurso para a cobrança de crédito tributário. O STF entendia que a ordem de preferência era compatível com a Constituição da época. Com a decisão de 24/06/21, atinge-se também, a meu sentir, o Verbete 497 do STJ (de 08/08/2012), decorrente do Tema 393 (de 13/10/2020): [os créditos das autarquias federais preferem aos créditos da Fazenda estadual desde que coexistam penhoras sobre o mesmo bem].
– Doutrina: parte da doutrina já entendia que o art. 187, parágrafo único, na parte em que cria preferências de uma pessoa estatal em relação a outra, não era compatível com a Constituição – ver nesse sentido: BALEEIRO, Aliomar; DERZI, Misabel. Direito Tributário Brasileiro: CTN comentado. Rio de Janeiro: Forense, 2018, Minha Biblioteca, p. 1406. Também segundo Paulo de Barros Carvalho (Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 534), a disposição do parágrafo único do art. 187 do CTN, que estabelece uma “hierarquia” entre os créditos da União, dos Estados-membros, e dos Municípios, é inconstitucional, por ofensa ao princípio federativo. Segundo ele, “sua inconstitucionalidade ressalta ao primeiro súbito de vista. É flagrante, insofismável e vitanda, sob qualquer ângulo pelo qual pretendamos encará-la. Fere, de maneira frontal e grosseira, o magno princípio da isonomia das pessoas políticas de direito constitucional interno, rompendo o equilíbrio que o Texto Superior consagra e prestigia.”
– Conclusão do STF: não é compatível com a Constituição Federal de 1988 a preferência da União em relação a Estados, municípios e ao DF na cobrança judicial de créditos da dívida ativa.
– Curiosidade: a posição tomada pelo STF na ADPF 357/DF, em 24/06/2021, fora adotada no voto vencido do Min. Aliomar Baleeiro no RE 80.045/SP, julgado em 3 de novembro de 1976.
– Resultado final: procedente o pedido formulado para declarar a não recepção pela Constituição da República de 1988 das normas previstas no parágrafo único do art. 187 da Lei nº 5.172/1966 (Código Tributário Nacional) e do parágrafo único do art. 29 da Lei nº 6.830/1980 (Lei de Execuções Fiscais), e cancelamento da Súmula n. 563 do Supremo Tribunal Federal.
(ADPF 357/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 24/06/2021)
***
Telegram: https://t.me/pilulasjuridicasSTFSTJ | Instagram: @rodrigocrleite