O Ministro da Economia, Paulo Guedes, enviou, no dia 25 de junho, o Projeto de Lei 2337/2021 à Câmara dos Deputados, o qual altera as disposições referentes ao Imposto de Renda e Proventos de Qualquer Natureza das Pessoas Físicas e das Pessoas Jurídicas (IRPF e IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), mais conhecida como “segunda parte da proposta de Reforma Tributária do Governo Federal”.
No ano passado, foi enviado, em 21 de julho, o Projeto de Lei 3887/2020, o qual visa a instituir a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), com o intuito de unificar o PIS e a COFINS, definindo uma alíquota única de 12%, algo que gerou grandes críticas por parte de vários segmentos econômicos, assim como de grande parcela dos estudiosos do Direito Tributário.
E meu livro, “Diálogos sobre o Direito Tributário e Financeiro”, 2ª edição, da Editora Juspodivm, abordo as três propostas que tramitam no Congresso Nacional de forma minuciosa, em um capítulo próprio. Menciono, no livro, que o próximo passo que o Governo Federal daria é quanto à reformulação do IRPF e do IRPJ, principalmente quanto à extinção da isenção da tributação de lucros e dividendos.
Pois bem, o PL 2337/2021 acabou trazendo essa novidade e, consequentemente, uma carga tributária mais elevada para o contribuinte brasileiro, disfarçada do aumento da faixa de isenção do IRPF para rendimentos de até R$2.500,00. Trata-se de um pequeno benefício a ser mantido pela maior oneração das empresas e de investidores, algo totalmente descabido, principalmente em decorrência da forte crise econômica oriunda da pandemia da COVID 19.
Vamos, primeiramente, às modificações quanto ao IRPF. Como já mencionei, o aumento da faixa de isenção para renda mensal até R$2.500,00[1]. Atualmente, a isenção é cabível para renda mensal inferior a R$1.903,98.
Outra mudança quanto ao IRPF é em relação ao desconto simplificado que, atualmente, qualquer contribuinte pode optar. No entanto, para fazer jus ao desconto de 20%, sem levar em consideração as despesas médicas e com ensino, por exemplo, somente será viável para os contribuintes com rendimento anual de até R$40.000,00.
Também, quanto à atualização de imóveis, a proposta de Reforma Tributária prevê a possibilidade, desde que sejam bens imóveis adquiridos até 31.12.2020, desde que o contribuinte recolha 5% do imposto sobre o ganho de capital (diferença), sendo uma adesão facultativa. Tal situação é benéfica, pois pessoas físicas que possuam imóveis contabilizados com um custo de aquisição histórico, na declaração do imposto de renda, ao aliená-los, poderá gerar um significativo ganho de capital, ocorrendo a tributação do imposto de renda, a título de ganho de capital, de uma alíquota de 15% a 22,5%. Suponha que determinada pessoa física possua um imóvel contabilizado em R$100.000,00, no entanto, o valor de venda é de R$500.000,00, havendo uma diferença de R$400.000,00. Neste caso, em vez de ter que recolher o resultado da incidência da alíquota de 15% sobre a diferença, a proposta prevê a possibilidade da atualização do valor do imóvel, estando sujeito, o contribuinte, a uma alíquota de 5%, para fins de atualização do imóvel e, a partir disso, qualquer venda adiante estará sujeita ao valor real.
Quanto aos lucros e dividendos[2], como já mencionei, a proposta prevê uma tributação de 20%, na fonte, com isenção para até R$ 20 mil reais por mês para os sócios de empresas enquadradas como micro ou pequenas empresas. Em caso de paraísos fiscais, a alíquota passará para 30%, isto é, contribuintes domiciliados em país com tributação favorecida ou submetidos a regime fiscal privilegiado. Tal diferencial é fundamentado por conta da inclusão de regras anti–diferimento (regras “CFC”), para pessoas físicas que detenham investimentos em paraísos fiscais e regimes privilegiados, estando compatível com os anseios da OCDE.
Logo, o imposto incidirá quando o indivíduo auferir o lucro e não na distribuição. Para pessoas físicas titulares de empresas “offshore” será imposta a tributação automática dos resultados auferidos no exterior, independentemente de efetiva distribuição de resultados. Ou seja, os lucros dessas empresas “offshore” serão considerados distribuídos na data do balanço que forem apurados. E, mais, na ocasião do recebimento efetivo dos dividendos, constatada a variação cambial positiva, deverá ser tributada como ganho de capital.
A tributação de lucros e dividendos visa ao estímulo do reinvestimento, por parte dos sócios, na pessoa jurídica. Isto é, em vez de haver a distribuição, o valor a título de lucro seria utilizado para aquisição de máquinas, por exemplo, havendo um investimento em vez do valor ser distribuído aos sócios. A tributação, portanto, possui a finalidade de desestimular a retirada de capital das empresas.
Ocorre que a carga tributária suportada pelas pessoas jurídicas, atualmente, é de 34%, considerando a CSLL e o IRPJ. Com a reforma, passaria para 29%. No entanto, deve-se levar em consideração a tributação de 20% de lucros e dividendos na fonte, a qual elevaria o ônus suportado pelas empresas, mais do que é atualmente, acarretando um verdadeiro desestímulo para novos investimentos. Lembrando que a incidência dos 20% sobre lucros e dividendos ocorrerá após a incidência da alíquota correspondente ao IRPJ e a CSLL.
Ademais, vale destacar que o valor referente a lucros e dividendos tributado na fonte não poderá ser deduzido do IRPJ e da CSLL.
Com a proposta a alíquota do IRPJ, mantido o adicional de 10%, passaria para 12,5%, no ano de 2022, e, em 2023, para 10%. A alíquota final, para o ano de 2022, seria de 45,7% e para 2023, 43,2%, levando em consideração ambos os tributos. Percebe-se um nítido aumento da carga tributária das pessoas jurídicas.
Outra situação é quanto ao recolhimento do IRPJ, o qual passa a ser, necessariamente, trimestral, mesmo aos optantes do lucro real, não havendo mais a faculdade de opção entre a apuração trimestral e a anual. Trata-se da intenção nítida, por parte do Governo Federal, de antecipar a arrecadação. Ademais, o lucro real se tornará a regra para vários segmentos, como no caso, o setor imobiliário, salvo para as incorporadoras[3]. Em relação ao lucro presumido, a escrituração contábil passará a ser mais complexa.
Outro ponto que acarretará o aumento da carga tributária efetiva é o fim da dedutibilidade dos juros de capital próprio[4], algo que, atualmente, é possível de ser realizado e que tem gerado muita discussão com a possibilidade de seu término. Assim como, o fim da dedutibilidade do goodwill e a limitação da dedutibilidade do mais-valia.
Atualmente, embora existam embates no âmbito do CARF e do Judiciário, é plenamente possível a dedução do mais-valia e do goodwill, na ocasião da aquisição, por parte das pessoas jurídicas, de participação societária.
No que concerne ao goodwill, é possível que o valor seja amortizado em até 60 meses após a incorporação, com a dedução na apuração da CSLL e do IRPJ. Conforme a proposta apresentada pelo Governo Federal, a dedução estará restrita às operações ocorridas até 31/21/2021 e se a incorporação entre investidora e investida ocorrer até 31/12/2022.
Em relação ao mais-valia, o quantum, hoje, pode ser deduzido, mesmo nos casos em que tenha ocorrido depreciação ou amortização contábil do bem ou do direito que deu ensejo para o registro da mais-valia. Com a proposta, a dedutibilidade será parcial. Quanto aos intangíveis, haverá a necessidade de dedução em 240 meses, isto é, 20 anos, no mínimo, salvo nos casos em que houver prazo legal ou contratual específico. Vale destacar que somente o saldo registrado na contabilidade na data do evento societário que integrará o custo do bem ou do direito, não sendo possível preservar os valores depreciados ou amortizados antes da incorporação.
Quanto à distribuição disfarçada de lucros (DDL), também haverá incidência tributária, conforme a proposta apresentada. Um exemplo muito contumaz é o perdão de dívidas que passará a ser tributada na fonte e indedutível.
Um ponto que merece destaque é referente ao aumento do capital social mediante incorporação de lucros ou de reservas. Neste caso, não haverá tributação na fonte, desde que nos cinco anos anteriores à data da incorporação ou dentro dos cinco anos subsequentes à data da incorporação, a pessoa jurídica não tenha restituído capital social ao titular, sócio ou acionista, mediante redução do capital social.
Em relação à redução do capital social por meio da entrega de bens ou direitos aos sócios ou acionistas, leva em consideração o valor contábil, sem gerar tributação para a pessoa jurídica. Com a proposta, deverá ser levado em consideração o valor de mercado dos bens. Desta feita, a pessoa jurídica que está devolvendo a participação deverá tributar, como ganho de capital, a diferença entre o valor de mercado e o valor contábil do ativo.
Também deverá levar em consideração o valor de mercado do bem, quando uma pessoa jurídica integralizar o capital social de uma entidade no exterior. Nessa situação, haverá ganho de capital e, consequentemente, a tributação. A pessoa física poderá recolher em até 60 meses, estando sujeita à atualização da SELIC e a pessoa jurídica, deverá computar, o ganho apurado, na base de cálculo do IRPJ e da CSLL à razão de 1/60 por mês.
Por fim, haverá a tributação do ganho de capital indireto nas vendas de ativos localizados no Brasil por pessoas jurídicas residentes do exterior e, quanto ao pagamento de empregados e administradores, por meio de ações, não haverá a possibilidade da dedução como despesas operacionais da pessoa jurídica.
Em relação ao Imposto sobre a renda incidente nas operações realizadas nos mercados financeiro e de capitais, a proposta do Governo Federal prevê uma alíquota fixa de 15%, e não mais progressiva, para rendimentos auferidos a partir de aplicações de renda fixa, como, por exemplo, o Tesouro Direto e o CDB.
Para os Fundos de Investimentos abertos, a proposta também prevê uma alíquota fixa de 15%, além de manter o sistema de come-cotas de novembro, extinguindo o de maio. Os Fundos fechados passarão a estar sujeitos ao sistema de come-cotas de novembro, assim como à alíquota fixa de 15%.
Os Fundos de Investimentos Imobiliários estarão sujeitos à uma alíquota fixa de 15% e não haverá mais isenção do imposto de renda para pessoas físicas sobre os rendimentos distribuídos por estes fundos, cujas cotas sejam admitidas à negociação exclusivamente em bolsas de valores ou no mercado de balcão organizado.
Quanto ao Fundo de Investimento em Participações (FIP) patrimoniais, haverá equiparação a pessoas jurídicas normais para fins de tributação. Os rendimentos e os ganhos auferidos que não tenham sido distribuídos aos cotistas até 1/01/2022 estarão sujeitos à incidência do imposto sobre a renda na fonte à alíquota de 15%, cujo pagamento deverá ocorrer até maio 2022, ocorrendo a redução para 10% caso o pagamento seja feito até janeiro de 2022.
Por fim, todas as operações realizadas na bolsa de valores estarão sujeitas à uma alíquota de 15% e apuração trimestral e manutenção da isenção sobre o ganho líquido em operações de até R$ 60.000,00, no trimestre.
[1] Atualização da tabela progressiva: aumento da faixa de isenção (passa para R$ 2.500,00);
alíquota de 7,5% para a faixa R$ 2.500,00 a R$ 3.200,00;
alíquota de 15% para faixa de R$ 3.200,01 a R$ 4.250,00;
alíquota de 22,5% para faixa de R$ 4.250,01 a R$ 5.300,00 e
alíquota de 27,5% para rendimentos acima de R$ 5.300,01.
[2] São pagos com base no lucro líquido, não sendo possível acarretar a dedução como despesas.
[3] Empresas obrigadas à apuração do IRPJ pelo lucro real: a) que explorem as atividades de securitização de créditos; b) cuja receita bruta no ano-calendário anterior, decorrente de royalties (exceto quando de softwares) ou de administração, aluguel ou compra e venda de imóveis próprios, represente mais de 50% da receita bruta do mesmo ano; ou c) que tenha como atividade ou objeto principal a exploração de direitos patrimoniais de autor ou de imagem, nome, marca ou voz.
[4] É calculado pelas pessoas jurídicas com base no capital social e na Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), sendo, atualmente, de 4,61% ao ano. Logo, a distribuição de Juros sobre o Capital Próprio (JCP) aos acionistas, atualmente, é considerado como uma despesa dedutível.