Esse é um lapso não tão raro de ocorrer no dia a dia: nos processos em papel (esquecimento de algumas folhas ao protocolar o recurso, por exemplo) ou nos processos eletrônicos (escaneamento faltando algumas páginas, por exemplo).
É entendimento tradicional do Superior Tribunal de Justiça que “é da responsabilidade do usuário do sistema de processamento eletrônico diligenciar pela correta transmissão do documento enviado, arcando, por conseguinte, com eventual protocolização incompleta do seu recurso” (AgRg no AREsp 9.243/SP, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 22/11/2011, DJe 19/12/2011; AgRg no AREsp 247.903/RS, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 11/12/2012, DJe 17/12/2012).
O dever de fiscalização quanto ao envio da peça é da parte que encaminha o recurso – ver nessa linha: AgRg no AREsp 406.584/SP, Rel. Min. Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 07/08/2014, DJe 19/08/2014. Trata-se, aliás, de dever que decorre do princípio da cooperação – CPC, art. art. 6º. Entende-se que é ônus do recorrente, ao se utilizar de meio eletrônico para apresentação de seu recurso, conferir se foi integralmente transmitida a petição – ver nesse sentido: EDcl nos EDcl no AgRg no Ag 1275625/RJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 20/09/2011, DJe 10/10/2011.
Não é admissível o recurso enviado de forma incompleta se essa lacuna impossibilita a exata compreensão da controvérsia. Assim, se o recurso se apresenta incompleto, de forma que “não é possível sua leitura com a clareza necessária”, ele não será conhecido, entende o STJ (AgInt no AREsp 1845209/DF, DJe 03/08/2021).
Situação diversa, penso, ocorre quando o recurso, ainda com certas páginas faltantes, permite ao julgador a compreensão da controvérsia e a delimitação do pedido da parte; como, nas seguintes hipóteses: se as páginas ausentes forem citação de uma decisão no sentido da tese do recorrente, se for a citação de uma passagem de doutrina ou de trecho que não impede a compreensão global do que está sendo debatido no recurso. Nessas situações, o recurso deve ser admitido e enfrentado pelo órgão julgador.
Nessa linha, por exemplo, ao julgar o AgInt no AREsp 1845209/DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 29/06/2021, DJe 03/08/2021, o STJ entendeu que o recurso não seria admissível, em razão da inexistência de um requisito extrínseco, qual seja, peça recursal incompleta. No caso, o recurso foi enviado somente com duas páginas, de forma que não foi possível sua leitura com a clareza necessária para a emissão de decisão.
No AgRg no REsp 1269478/SP, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 22/04/2014, DJe 06/05/2014, por sua vez, o recurso foi enviado em 13 (treze) páginas, mas segundo o Tribunal não foi “possível a compreensão exata das razões recursais”, por faltar, “inclusive, o pedido eventualmente formulado no recurso” – ver página 6 do acórdão. No AgRg no REsp 1477649/MG, Rel. Min. Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 21/10/2014, DJe 21/11/2014, o recurso foi enviado “contendo somente a última página” e no AgInt nos EDcl no AREsp 178.790/RS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 01/03/2018, DJe 08/03/2018, “a petição eletrônica foi recebida de forma incompleta, com apenas 1 (uma) página”, o que obstou sua compreensão.
Logo, o aspecto decisivo para a admissão do recurso com ausência de páginas reside em saber se as partes faltantes comprometem a análise e a compreensão daquilo que pretende o recorrente. Se a resposta for positiva, o recurso não será conhecido. Se, entretanto, ainda que com páginas ausentes, e realizando uma interpretação lógico-sistemática da peça recursal – for possível dela extrair os argumentos centrais e o pedido formulado –, o recurso deve ser conhecido e apreciado.
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