Um dos temas mais recorrentes e controversos na atualidade no processo penal está relacionado ao reconhecimento de pessoas. O reconhecimento sempre despertou críticas por parte da doutrina por fatores como a possibilidade de falsas memórias, a intrínseca falibilidade humana, tudo reforçado, segundo alguns, pela inobservância das regras estipuladas no Código de Processo Penal.
O tema ganha relevância em razão da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que tem estipulado parâmetros sobre o reconhecimento, impactando na prática diária dos operadores do Direito e do sistema de persecução penal.
Assim, será realizada uma breve análise do meio de prova consistente no reconhecimento de pessoas e contextualizá-lo com a jurisprudência, e demonstrando a nossa posição: para fins de deliberação sobre a situação de flagrante delito, havendo comprovação de que a vítima ou testemunha possui condições de indicar, com precisão, a autoria do fato, é dispensável a observância do procedimento do art. 226 do Código de Processo Penal.
O reconhecimento de pessoas previsto no CPP
O reconhecimento de pessoas e coisas está previsto no Título VII, DA PROVA, e regulado pelo art. 226 do CPP com a seguinte redação:
Art. 226. Quando houver necessidade de fazer-se o reconhecimento de pessoa, proceder-se-á pela seguinte forma:
III – se houver razão para recear que a pessoa chamada para o reconhecimento, por efeito de intimidação ou outra influência, não diga a verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida, a autoridade providenciará para que esta não veja aquela;
IV – do ato de reconhecimento lavrar-se-á auto pormenorizado, subscrito pela autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas presenciais.
Parágrafo único. O disposto no no III deste artigo não terá aplicação na fase da instrução criminal ou em plenário de julgamento.
O reconhecimento de pessoas visa a assegurar, com a maior segurança possível, de que as testemunhas ou vítimas de determinado fato criminoso estejam apontando a respectiva autoria sem qualquer dúvida. Praticado o delito, é essencial que se aponte a sua autoria com elevado grau de certeza, evitando que pessoas inocentes possam ser indiciadas, processadas, condenadas e presas. Neste aspecto, na fase investigatória, o reconhecimento pessoal exerce papel fundamental para o êxito de uma das principais funções do inquérito, que é a de evitar acusações infundadas.
Constatada a necessidade de realizar o reconhecimento pessoal, o Código de Processo Penal determina que a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a pessoa que deva ser reconhecida (art. 226, inciso I do CPP). Ainda, prescreve que a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la (art. 226, inciso II do CPP).
As formalidades descritas nos incisos I e II do art. 226 do CPP nem sempre são observadas, especialmente a que determina a colocação de outras pessoas que tenham semelhança com o suspeito para que seja apontado o autor do fato. É que a essa exigência opõem-se dificuldades práticas, como a ausência de outros presos no órgão de polícia judiciária, bem como o reduzido número de policiais para realizarem o manejo de presos para colocá-los uns ao lado dos outros para o ato. Note-se que se chega ao absurdo de aventar a possibilidade de se requisitar a pessoas que estejam em via pública para participar de ato de reconhecimento, em evidente constrangimento a quem sequer tem relação com o fato, tudo de modo possibilitar a formalidade do art. 226 do CPP.
Considerando a não observância rígida do dispositivo legal citado, a jurisprudência do Superior de Justiça estava sedimentada no sentido de que as previsões do art. 226 do CPP são consideradas “recomendações”, não sendo de observância obrigatória. A exemplo dessa posição, citamos o HC 41.813/GO, de relatoria do Min. Gilson Dipp, publicado no DJ em 30/05/2005, cuja fundamentação, por elucidativa, merece transcrição:
Apenas em relação à segunda testemunha (Eduardo), que estava dentro do veículo no qual a vítima foi alvejada, tendo visualizado as feições do acusado, há menção expressa em relação ao reconhecimento realizado em juízo, cujo termo encontra-se à fl. 25, deste teor:
“Aos 26 de dias do mês março de 1998, na sala de audiência da 8ª Vara Criminal, onde se encontrava presente o MM. Juiz, Dr. de Direito em Substituição Dr. FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, o Dr. Promotor de Justiça, Dr. PAULO MIRANDA FERREIRA, o acusado ANTONIO DE SOUSA JÚNIOR, seu defensor Dr. NILSON JOSÉ DIAS, bem como o Dr. ANTONIO CARLOS DA COSTA FERREIRA, defensor do acusado Rosenvaldo Santos da Silva. Pelo MM. Juiz foi determinado que a testemunha Eduardo Oliveira Silva, ficasse atrás de uma porta semi-aberta, de onde ela poderia ver o acusado e este não vê-la, momento em que reconheceu o acusado Antonio de Sousa Júnior, como sendo o autor do disparo que atingiu a vítima na cabeça, na data do evento. Nada mais havendo, encerrou-se o presente que vai devidamente assinado.”
Tendo em vista a forma como foi realizado o ato, o impetrante alega que não teria sido observada a regra constante do parágrafo único do art. 226 do CPP, ocasionando a nulidade do feito, pois o réu deveria ter sido colocado entre outras pessoas durante o reconhecimento. Todavia, o inciso II do mencionado artigo estipula que esta regra deve ser seguida, quando possível, ou seja, não é obrigatória, sendo certo que a sua inobservância geraria apenas nulidade relativa, reconhecível apenas se demonstrado prejuízo.” – Sem grifos no original
Esse mesmo entendimento foi reafirmado por ocasião do julgamento do RHC 61.682/GO, 5ª Turma, Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, com decisão publicada em DJe 28/04/2017:
“Nos termos da orientação desta Corte, não há falar em negativa de vigência ao art. 226 do Código de Processo Penal, pois a orientação do Tribunal a quo está em consonância com a jurisprudência desta Corte sobre o tema, no sentido de que “o reconhecimento pessoal isolado não anula o ato, sendo que a presença de outras pessoas junto ao réu é uma recomendação legal e, não, uma exigência”.”
Contudo, surgem precedentes no Superior Tribunal de Justiça com substanciosa fundamentação em sentido contrário, especialmente da lavra do Ministro Rogério Schietti. O primeiro julgamento considerando as formalidades do art. 226 do CPP como obrigatórias, sob pena de nulidade, consta no julgamento do habeas corpus Nº 598.886 – SC, publicado em 20.04.2021. Sobre as conclusões do julgado, vale transcrever:
“1. O reconhecimento de pessoa, presencialmente ou por fotografia, realizado na fase do inquérito policial, apenas é apto, para identificar o réu e fixar a autoria delitiva, quando observadas as formalidades previstas no art. 226 do Código de Processo Penal e quando corroborado por outras provas colhidas na fase judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.
2. Segundo estudos da Psicologia moderna, são comuns as falhas e os equívocos que podem advir da memória humana e da capacidade de armazenamento de informações. Isso porque a memória pode, ao longo do tempo, se fragmentar e, por fim, se tornar inacessível para a reconstrução do fato. O valor probatório do reconhecimento, portanto, possui considerável grau de subjetivismo, a potencializar falhas e distorções do ato e, consequentemente, causar erros judiciários de efeitos deletérios e muitas vezes irreversíveis.
3. O reconhecimento de pessoas deve, portanto, observar o procedimento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal, cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se vê na condição de suspeito da prática de um crime, não se tratando, como se tem compreendido, de “mera recomendação” do legislador. Em verdade, a inobservância de tal procedimento enseja a nulidade da prova e, portanto, não pode servir de lastro para sua condenação, ainda que confirmado, em juízo, o ato realizado na fase inquisitorial, a menos que outras provas, por si mesmas, conduzam o magistrado a convencer-se acerca da autoria delitiva. Nada obsta, ressalve-se, que o juiz realize, em juízo, o ato de reconhecimento formal, desde que observado o devido procedimento probatório.” – sem grifos no original
O julgado, inclusive, foi além da abordagem quanto ao reconhecimento pessoal. Fez considerações quanto ao reconhecimento fotográfico, meio atípico ou inominado de prova, mas que encontra amparo no art. 6º, III do CPP e no Princípio da Liberdade das Provas. Consta no julgado que
“4. O reconhecimento de pessoa por meio fotográfico é ainda mais problemático, máxime quando se realiza por simples exibição ao reconhecedor de fotos do conjecturado suspeito extraídas de álbuns policiais ou de redes sociais, já previamente selecionadas pela autoridade policial. E, mesmo quando se procura seguir, com adaptações, o procedimento indicado no Código de Processo Penal para o reconhecimento presencial, não há como ignorar que o caráter estático, a qualidade da foto, a ausência de expressões e trejeitos corporais e a quase sempre visualização apenas do busto do suspeito podem comprometer a idoneidade e a confiabilidade do ato.
5. De todo urgente, portanto, que se adote um novo rumo na compreensão dos Tribunais acerca das consequências da atipicidade procedimental do ato de reconhecimento formal de pessoas; não se pode mais referendar a jurisprudência que afirma se tratar de mera recomendação do legislador, o que acaba por permitir a perpetuação desse foco de erros judiciários e, consequentemente, de graves injustiças.”
Contudo, não se devem considerar as conclusões dos julgados de forma dissociada do suporte fático analisado pelo respectivo tribunal. Dito de outra forma, há uma grande distância entre as conclusões ou tópicos constantes nas ementas dos acórdãos e a possibilidade de generalização do julgado a todo e qualquer caso que apresente algum ponto de similitude.
A principal razão para as conclusões do habeas corpus Nº 598.886 – SC repousa no fato de que o reconhecimento fotográfico realizado em desfavor dos réus, além de não ter observado o art. 226 do CPP, não foi confirmado por qualquer outro elemento de prova, inclusive na esfera judicial.
Houve mera ratificação, em juízo, de reconhecimento fotográfico realizado na fase policial, sem observância do art. 226, CPP, aliado ao fato de que as vítimas narraram de que os autores do delito estavam encapuzados.
Ainda, houve conclusão de que o reconhecimento fotográfico foi induzido:
Não há dúvidas, além disso, de que o reconhecimento fotográfico foi induzido. Conforme relatório policial juntado aos autos (fls. 204-213), no local do roubo, os policiais militares, diante das descrições realizadas pelas vítimas, mostraram imagens de Vânio da Silva Gazola, “tendo duas delas o reconhecido como um dos autores do roubo” (fl. 205), quais sejam, Viviany e Guilherme. É dizer, a polícia não realizou nenhuma medida para tentar fazer um reconhecimento fotográfico nos moldes do art. 226 do CPP;
Ao contrário, “os policiais militares, diante das descrições delatadas pelas vítimas, mostraram imagens de Vânio da Silva Gazola, vulgo ‘Vaninho’, tendo duas delas o reconhecimento como um dos autores do roubo” (fl. 205), ressaltando a autoridade policial, na sequência, que: “Vânio é bastante conhecido no meio policial, inclusive encontrando-se foragido há tempos, ostentando contra si mandado de prisão ativo por homicídio. Sabe-se também do envolvimento de Vânio em crimes patrimoniais” (fl. 205)”. – sem grifos no original
Assim, no procedimento adotado para o reconhecimento no caso concreto, o critério de apresentação das fotografias baseou-se, tão somente, no fato de o suspeito ser conhecido autor de infrações semelhantes, sem maiores descrições de características físicas, inclusive porque, como dito pelas vítimas, os autores do fato estavam com o rosto coberto. Tratou-se de reconhecimento baseado no Direito Penal do Autor.
Assim, de uma sequência concreta de fragilidades procedimentais e probatórias, decorreram as enfáticas conclusões no habeas corpus Nº 598.886 – SC, culminando da definição de standard probatórios a respeito do reconhecimento pessoal e fotográfico.
Contudo, há que se destacar algumas peculiaridades deste caso concreto e de tantos outros que dele diferem. Na situação analisada no citado habeas corpus, sequer houve a detenção dos autores logo após a ocorrência do fato. Não houve prisão em flagrante e foram necessárias outras diligências investigativas. Tanto que no julgado, há expressa menção de que “o boletim de ocorrência, depois de descrever, brevemente, a prática do roubo no restaurante, narra a perseguição policial ao veículo dos suspeitos, que abandonaram o automóvel e se embrenharam em uma mata, sem ser detidos.” – grifou-se.
Essas circunstâncias são relevantes porque se aliarmos o fato de que os suspeitos estavam encapuzados e não foram detidos em flagrante, é possível concluir que não houve contato visual qualitativo (permitindo a percepção das características físicas) e temporal suficiente (logo em seguida à atuação delituosa, seguida da captura) pelas vítimas que lhes permitissem realizar a indicação precisa da autoria do fato, o que dispensaria as formalidades do art. 226 do CPP.
Todavia, quando as vítimas ou testemunhas possuem conhecimento suficiente quanto à autoria do fato, não há como se desprezar a indicação do suspeito, ainda que produzida sem a rígida observância das formalidades do art. 226 do CPP. Para tanto, basta a afirmação em depoimento, ou com a realização de Auto de Identificação ou Auto de Indicação de Autoria (ou documento equivalente) – documento distinto do Auto de Reconhecimento de Pessoa, que é documento resultante da instauração do procedimento do art. 226 do CPP (vide inciso IV) – com a indicação das características físicas, das vestes ou objetos[1] utilizados pelo suspeito, entre outras circunstâncias, que possam identificá-lo como autor do fato. Tal documento possui a mesma carga probatória que os demais meios de prova, devendo ser valorado pelo juiz segundo os princípios da liberdade das provas e do livre convencimento motivado.
Em verdade, o que pretendeu o habeas corpus nº 598.886/SC foi fulminar práticas de reconhecimento que induzem vítimas ou testemunhas a apontar pessoas com base em fotos previamente selecionadas e indicadas pelos investigadores. Isto é, se quer evitar que conhecimento prévio, por policiais, sobre crimes similares e contumazes infratores, constitua uma prática investigativa suficiente para embasar um procedimento de reconhecimento de pessoas, sobretudo diante da falibilidade e sugestionabilidade da memória.
Todavia, quando se verificar que os reconhecedores possuem condições de apontar a autoria do fato, não há necessidade da rígida observância das formalidades do art. 226 do CPP. Por isso, sustentamos que a prisão em flagrante, via de regra, dispensa a observância dos procedimentos previstos no art. 226 do CPP.
Na situação referente ao flagrante próprio, o suspeito é detido quando está cometendo a infração penal, ou quando acaba de cometê-la. Nesta situação, “o agente é encontrado imediatamente após cometer a infração penal, sem que tenha conseguido se afastar da vítima e do lugar do delito”[2]. Nesta situação, há grande probabilidade de a vítima ou testemunhas apresentarem um detalhamento sobre as características do fato e do suspeito, caracterizando os indícios mínimos de autoria, o que satisfaz o nível de cognição não exauriente aplicável à avaliação da situação de flagrante. Se este for o caso, dispensam-se as formalidades do art. 226 do CPP, podendo a autoria ser descrita e reconhecida até mesmo por meio das declarações da vítima ou depoimento testemunhal.
Com relação ao flagrante impróprio, imperfeito ou quase-flagrante, em que o suspeito é perseguido logo após a infração, em situação que o faça presumir se ele o autor do ilícito, já há que se avaliar com maior detalhamento as condições da vítima e testemunha em reconhecer o possível autor do fato. A exigência aumenta, por questão lógica, na situação de flagrante presumido ou ficto, em que o agente é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas e objetos ou papéis que façam presumir ser ele o autor da infração (art. 302, IV, CPP).
Afirma-se, portanto, que nas situações de flagrante em que resta extreme de dúvidas que a vítima ou testemunha possui condições de reconhecer o autor do fato – o que é possível se avaliar, por exemplo, pelo fornecimento da descrição física, pelas roupas ou objetos utilizados na ação criminosa -, serão dispensadas as formalidades do art. 226 do CPP.
Note-se que a hipótese aventada distingue-se das premissas fáticas que ensejaram a definição do standard probatório do habeas corpus Nº 598.886/SC. Na situação do julgado, as vítimas não possuíram contato visual qualitativo a ponto de indicar, com precisão, os autores do fato criminoso e, mesmo assim, os elementos de prova produzidos sem as formalidades do art. 226 do CPP apontaram em sentido contrário.
A esse respeito, vale citar precedente do Superior Tribunal de Justiça[3], em que foram dispensadas as formalidades rígidas no art. 226 do CPP diante das condições demonstradas pela vítima em reconhecer o autor do fato:
“AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. ROUBO MAJORADO. VIOLAÇÃO DO ART. 226 DO CPP. TESE DE NULIDADE. INOBSERVÂNCIA DO PROCEDIMENTO DE RECONHECIMENTO PESSOAL. EXISTÊNCIA DE OUTROS ELEMENTOS DE PROVA VÁLIDOS E INDEPENDENTES. PRECEDENTE.
1. Para a jurisprudência desta Corte Superior, o reconhecimento de pessoa, presencialmente ou por fotografia, realizado na fase do inquérito policial, apenas é apto para identificar o réu e fixar a autoria delitiva quando observadas as formalidades previstas no art. 226 do Código de Processo Penal (HC n. 598.886/SC, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 18/12/2020).
2. O art. 226, antes de descrever o procedimento de reconhecimento de pessoa, diz em seu caput que o rito terá lugar “quando houver necessidade”, ou seja, o reconhecimento de pessoas deve seguir o procedimento previsto quando há dúvida sobre a identificação do suposto autor. A prova de autoria não é tarifada pelo Código de Processo Penal.
4[4]. Antes, esta Corte dizia que o procedimento não era vinculante; agora, evoluiu no sentido de exigir sua observância, o que não significa que a prova de autoria deverá sempre observar o procedimento do art. 226 do Código de Processo Penal. O reconhecimento de pessoa continua tendo espaço quando há necessidade, ou seja, dúvida quanto à individualização do suposto autor do fato. Trata-se do método legalmente previsto para, juridicamente, sanar dúvida quanto à autoria. Se a vítima é capaz de individualizar o agente, não é necessário instaurar a metodologia legal.
5. A nova orientação buscou afastar a prática recorrente dos agentes de segurança pública de apresentar fotografias às vítimas antes da realização do procedimento de reconhecimento de pessoas, induzindo determinada conclusão.
(…)” – sem grifos no original
Aplicadas as premissas do AgRg no AgRg no HC n. 721.963/SP, toda vez que, por ocasião da situação de flagrante, possuir a vítima condições de identificar o autor do fato, especialmente dada a proximidade temporal entre a ocorrência delito e a detenção do suspeito, não há necessidade de se observarem as formalidades do art. 226 do CPP.
Deverá o procedimento ser adotado, contudo, sempre que houver dúvidas quanto à autoria do fato ou quando a vítima não apresentar certeza suficiente, fazendo com que o reconhecimento formal seja necessário. Assim, considerada a própria redação do art. 226 do CPP, é de se prescrutar: “o(a) reconhecedor(a) possui plenas condições de descrever a aparência física, as vestes ou objetos que possam identificar o suspeito?”
Se a resposta for afirmativa, libera-se a autoridade competente de proceder conforme o procedimento do art. 226 do CPP. Se não houver condições ou forem elas duvidosas, deve-se observar o respectivo procedimento.
Nas situações de flagrante em que a vítima ou testemunha indica a possibilidade de reconhecer o autor do fato sem sombra de dúvidas, dada a proximidade temporal entre o delito e o ato de reconhecimento, como regra, não há que se exigir a tipicidade procedimental para o reconhecimento de pessoas.
Neste sentido, esse raciocínio aplica-se:
- ao Delegado de Polícia quando decide quanto à lavratura do auto de prisão em flagrante;
- ao Promotor de Justiça, quando se manifesta sobre a legalidade da prisão em flagrante;
- ao Juiz, quando decide sobre a homologação do flagrante.
Assim, e em conclusão, tem-se que: Para fins de deliberação sobre a situação de flagrante delito, havendo comprovação de que a vítima ou testemunha possui condições de indicar, com precisão, a autoria do fato, é dispensável a observância do procedimento do art. 226 do Código de Processo Penal.
[1] Exemplo: vítima narra ter sido assaltada por pessoa que desceu de uma moto e, durante o crime, estava com um capacete vermelho junto ao braço. A vítima narrou que colocou o aparelho celular dentro do capacete. A polícia ostensiva foi acionada e, momentos após, foi localizado um indivíduo, com um capacete vermelho, guiando uma moto em via pública. Realizada a abordagem, foi identificado um celular e conduzido o suspeito à delegacia. No local, a vítima reconheceu o celular e o reafirmou a cor do capacete. Note-se que as características físicas, nesse caso, não foram determinantes, e pouco auxiliaria a colocação de outros presos uns ao lado dos outros (art. 226, CPP) para a realização do reconhecimento.
[2] DE LIMA, Renato Brasileiro. Código de Processo Penal Comentado. 2ª ed. rev. e atual. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 832.
[3] AgRg no AgRg no HC n. 721.963/SP, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 19/4/2022, DJe de 13/6/2022.
[4] No arquivo disponibilizado no site do STJ, percebe-se que não constou o item 3, constituindo mero erro material de numeração.