Ações de nulidade de registro de marca possuem um prazo de 5 anos para seu ajuizamento, a contar da concessão do registro feito pelo INPI. Essa disposição decorre do artigo 174 da Lei da Propriedade Industrial (LPI), cujo texto ainda estabelece que esse prazo é prescricional, embora a doutrina seja bem clara em dizer que a natureza desse prazo é, na verdade, decadencial.
Mas o ponto aqui é que existe uma exceção, uma situação bem específica no qual o prazo para ajuizar uma ação de nulidade de registro de marca será imprescritível. É quando: (1) o registro for uma imitação ou reprodução de uma marca notoriamente conhecida; e (2) esse registro tiver sido requerido de má-fé. Esses requisitos não estão previstos na LPI, e sim na Convenção da União de Paris (CUP), cujo art. 6º bis, item 3, impõe essa imprescritibilidade aos seus países membros, como o Brasil:
Artigo 6 bis
1) Os países da União comprometem-se a recusar ou invalidar o registro, quer administrativamente, se a lei do país o permitir, quer a pedido do interessado e a proibir o uso de marca de fábrica ou de comércio que constitua reprodução, imitação ou tradução, suscetíveis de estabelecer confusão, de uma marca que a autoridade competente do país do registro ou do uso considere que nele é notoriamente conhecida como sendo já marca de uma pessoa amparada pela presente Convenção, e utilizada para produtos idênticos ou similares. O mesmo sucederá quando a parte essencial da marca constitui reprodução de marca notoriamente conhecida ou imitação suscetível de estabelecer confusão com esta.
(…)
3) Não será fixado prazo para requerer o cancelamento ou a proibição de uso de marcas registradas ou utilizadas de má fé.
A existência desses dois requisitos foi abordada com mais profundidade na obra Lei da Propriedade Industrial Interpretada: Comentários e Jurisprudência, escrito em coautoria com a Juíza Federal Caroline Tauk. Ali tratamentos dessa excepcional situação de imprescritibilidade:
No entanto, a jurisprudência admite uma hipótese de imprescritibilidade da ação de nulidade de registro. É aquela baseada no artigo 6 bis da CUP, que trata da proteção da marca notoriamente conhecida, vedando sua reprodução, imitação ou tradução, suscetíveis de estabelecer confusão. O parágrafo 3 de tal dispositivo estabelece que não será fixado prazo para se requerer o cancelamento ou a proibição de uso de marcas registradas ou utilizadas de má-fé. Desse modo, são dois os requisitos da Convenção de Paris para que uma ação de nulidade de registro seja imprescritível: (1) que a marca registrada seja reprodução, imitação ou tradução, suscetível de estabelecer confusão com marca anterior notoriamente conhecida e (2) que o registro dessa marca tenha sido obtido de má-fé. A intenção da norma é impedir que terceiros aproveitem-se da fama de uma marca notoriamente conhecida em um ramo de atividade para registrá-las como se sua fosse, agindo em nítida má-fé.
Não se deve esquecer outros detalhes importantes para aplicação do 6º bis (3) da CUP. Por exemplo, o titular da marca notoriamente conhecida deve ser uma pessoa física ou jurídica sediada em algum dos países signatários da Convenção de Paris. Além disso, aquele que invoca tal norma deve comprovar a notoriedade da marca no Brasil (e não apenas no seu país de origem), ainda que dentro de seu ramo de mercado.
O STJ revisitou o assunto em 2024, ao julgar o caso da marca SPEEDO, que identifica roupas e acessórios esportivos. De acordo com as informações divulgadas no acórdão, uma empresa brasileira obteve o registro dessa marca no Brasil, concedido em 1985, reproduzindo a marca SPEEDO criada pela australiana Speedo Knitting Mills Pty. Limited (REsp n. 2.061.199/RJ, rel. Min. Raul Araújo, 4ª Turma, julgado em 18/06/2024 e publicado no Informativo 817/STJ). O prazo para se requerer a nulidade do registro acabou cinco anos, em 1990, por isso era relevante saber se poderia ser aplicada a causa de imprescritibilidade da CUP, dado que a empresa estrangeira é sediada em país que também é signatário desse tratado internacional (a Austrália) e que a má-fé decorreria da ausência de autorização para registro da marca no Brasil.
O caso é repleto de peculiaridades, mas, para os propósitos desse artigo, cumpre destacar que a Corte reafirmou que para se reconhecer a imprescritibilidade da ação de nulidade de registro de marca é necessário demonstrar a notoriedade da marca no Brasil e haver má-fé do registrador, sendo relevante a análise do comportamento das partes para tal definição.
Saiba mais em: Lei da Propriedade Industrial Interpretada: Comentários e Jurisprudência (2024)