RESUMO
O presente trabalho tem como finalidade analisar detalhadamente o artigo 1º da Lei n. 8.137, de 27 de Dezembro de 1990, quanto ao Direito Penal Tributário, disciplina que merece destaque, uma vez que na atual conjuntura da jurisprudência pátria, diversas são as posições adotadas, principalmente no que tange à constituição definitiva do crédito tributário e a justa causa para uma ação penal. Para tanto, mister é a adoção do método dedutivo, pelo qual parte-se da observação de uma situação geral para explicar as características de um objeto individual, técnica importante para compreender as hipóteses de regularização do débito no âmbito tributário e suas repercussões no Direito Penal Tributário, principalmente no que tange à concessão do parcelamento tributário, objeto dos últimos julgados dos Tribunais Superiores e assunto que gera impasse na doutrina. Com isso, pretende-se demonstrar que a finalidade principal da norma penal tributária é o adimplemento da obrigação tributária, vertente que caminha o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça e o princípio da fragmentariedade do Direito Penal.
Palavras-chave: Direito Penal Tributário. Lançamento Tributário. Crimes Contra a Ordem Tributária.
ABSTRACT
The purpose of this study is to analyze in detail the provisions of Law no. 8,137, dated December 27, 1990, regarding the Tax Criminal Law, a discipline that deserves to be highlighted, given that in the current situation of the jurisprudence of the country, several positions have been adopted, especially with regard to the definitive constitution of the tax credit and just cause for a criminal action. For this purpose, it is necessary to adopt the deductive method by which one starts from the observation of a general situation to explain the characteristics of an individual object, an important technique to understand the hypotheses of regularization of debt in the tax field and its repercussions in the Criminal Law Tax, especially regarding the concession of the tax installment, object of the last judges of the Superior Courts and subject that generates impasse in the doctrine. With this, it is intended to demonstrate that the main purpose of the tax criminal law is the compliance with the tax obligation, which is part of the Federal Supreme Court and the principle of fragmented criminal law.
Key words: Criminal Tax Law. Tax Release. Crimes against the tributal order.
SUMÁRIO
- INTRODUÇÃO…………………………………………………………………………..6
2. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA……………………………….. 7
2.1. A distinção entre infrações tributárias e crimes tributários….7
2.2. Bem jurídico a ser tutelado…………………………………………………8
2.3. Elemento subjetivo…………………………………………………………..10
2.4. Classificação dos crimes contra a ordem tributária: material e de mera conduta. ……………………………………………………………………10
2.5. Crimes do artigo 1º, da lei n. 8.137/90………………………………..11
2.5.1. Inciso I: Omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades
fazendárias……………………………………………………………………………………….14
2.5.2. Inciso II: Fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal……………………………………………………………………15
2.5.3. Inciso III: Falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável………….17
2.5.4. Inciso IV: Elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato……………………………………………………17
2.5.5.Inciso V: Negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação………………………………………………………………………………………….18
- LANÇAMENTO DEFINITIVO DO TRIBUTO………………………………..19
- REGULARIZAÇÃO NO ÂMBITO TRIBUTÁRIO E SUAS REPERCUSSÕES NO DIREITO PENAL TRIBUTÁRIO……………………27
- CONCLUSÃO………………………………………………………………………….30
REFERÊNCIAS…………………………………………………………………………..31
- INTRODUÇÃO
Na atual conjuntura do Direito, notável é o papel do Direito Tributário em seus aspectos penais, principalmente quanto aos assuntos que envolvem as práticas de sonegação de tributos, previstas no art. 1º, da Lei n. 8.137/1990. Cada vez mais, a jurisprudência e a doutrina se aprofundam em questionamentos quanto a necessidade da norma penal, a qual, conforme será demonstrado ao longo deste artigo, deverá ser a última possibilidade do julgador, ou quanto a “simples” satisfação do da Administração Pública Tributária em ter seus tributos adimplidos pelo contribuinte que, sim, praticou um ilícito penal, mas também, uma infração tributária.
A jurisprudência vem adotando a posição de que basta o adimplemento do tributo, seja por meio da extinção natural da obrigação tributária, isto é, o pagamento, ou por meio da adesão ao parcelamento tributário, uma das espécies de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, desde que sejam cumpridas todas as parcelas assumidas pelo infrator. Esta é a posição mais recente e adequada ao princípio da intervenção mínima, do Direito Penal, o qual será adotado ao longo deste trabalho, correlacionando institutos importantes dos estudos tributários com a sistemática da legislação em destaque.
Diante deste cenário exposto, importante é discorrer ao longo deste trabalho, acerca dos tipos penais expressos na legislação em vigor mencionada, os quais são detalhados durante o capítulo 2, correlacionando-os com o momento oportuno em que nasce a justa causa para a oferta de uma ação penal pública incondicionada, isto é, com o aperfeiçoamento do lançamento tributário na esfera do processo administrativo tributário pátrio, objeto de estudo do capítulo 3, e, por fim, a regularização do débito tributário e sua repercussão no cenário do direito penal tributário brasileiro, assunto que finaliza os estudos em questão, no capítulo 4, concluindo que a finalidade da norma penal tributária não é a privação da liberdade do infrator, mas sim, uma maneira coercitiva de fazer com que o inadimplente perante o Fisco cumpra com suas obrigações tributárias mediante o adimplemento integral, seja por meio do pagamento, extinguindo o crédito tributário, ou mediante a satisfação total de todas as parcelas do parcelamento ao qual aderiu, uma modalidade de suspensão do crédito tributário, para tanto, busca-se a fundamentação desta conclusão através do método indutivo.
- CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA
2.1. A distinção entre infrações tributárias e crimes tributários
Iniciando os estudos acerca dos crimes tributários, substancial é a referência à doutrina de Paulo de Barros Carvalho[1], a qual faz menção aos tipos previstos na Lei em apreço:
A Lei n. 8.137, de 27 de dezembro de 1990, por sua vez, alterou a definição dos crimes contra a ordem tributária, reescrevendo aqueles delitos antes designados de ‘sonegação tributária’ pela Lei n. 4.729/65. A mencionada legislação alargou o rol dos fatos típicos configuradores dos crimes contra a ordem tributária, redesenhando, outrossim, a figura da ‘apropriação indébita’, ao definir como crime o fato de deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo descontado ou cobrado de terceiro (art. 2º, II).
Percebe-se que a Lei n. 8.137/90, em seus três primeiros artigos e incisos respectivos, sistematiza variados verbos como condutas de seus tipos penais, propiciando a aplicabilidade das penas previstas para cada um, opção do legislador que fundamenta a observação feita por Paulo de Barros Carvalho. Não obstante a ampla previsão citada, algumas outras condutas estão previstas como crimes próprios no Código Penal, como no caso dos artigos 168-A e 334, os quais cuidam da apropriação indébita de contribuições previdenciárias e do descaminho, nesta ordem. Apesar de a explanação geral ser pertinente para todos os tipos em questão, a presente obra irá se limitar aos dois primeiros tipos penais da Lei comentada.
A todos os crimes tributários são aplicados os Princípios do Direito Penal, em especial o Princípio da Legalidade (art. 5º, XXXIX, CF/88), Princípio da Irretroatividade (art. 5º, XL, CF/88), Princípio da Pessoalidade (art. 5º, XLV, CF/88) e, principalmente, o Princípio da ampla defesa e do contraditório (art. 5º, LXVIII, CF/88). O último Princípio, não exclusivo do Direito Penal, é destaque no estudo em questão, visto que os crimes tributários, em regra, são materiais ou de resultado, pressupondo o inadimplemento do tributo já constituído e devido, ou seja, é indispensável que o crédito tributário já esteja constituído, a partir do lançamento definitivo, o qual se dá com o encerramento do processo administrativo fiscal. A partir daí, haverá justa causa, o juízo de certeza, corroborando para o início da persecução na esfera criminal, a ser mais aprofundado oportunamente.
Outra questão importante é quanto à distinção de infrações tributárias e crimes contra a ordem tributária. Diferentemente do Direito Penal, embasado na materialidade antijurídica e na culpabilidade do indivíduo que praticou a conduta, a infração será tributária:
(…)para os ilícitos tipificados na lei tributária ou fiscal, reguladora da instituição, arrecadação e fiscalização dos tributos, disciplinando a relação jurídica entre sujeito passivo – titular do dever jurídico de recolher o tributo e cumprir os deveres instrumentais – e o sujeito ativo – titular do direito subjetivo de exigir referidos deveres tributários.[2]
Para configurar, desta feita, uma infração tributária, necessário, apenas, que o indivíduo deixe de honrar com seu dever tributário de solver o débito ou suas obrigações acessórias. O delito penal tributário deve representar uma ofensa a um bem jurídico de ordem tributária, quando um determinado comportamento ofendê-lo, não podendo ser criminalizada a mera infração do dever de pagar o tributo, até por conta do caráter fragmentário do Direito Penal, isto é, a ciência jurídica penal deve ser utilizada como ultima ratio, pois enquanto outras ciências jurídicas forem subsistentes à tutela do bem pretendido, a criminal deverá se abster, limitando o poder punitivo estatal.
2.2. Bem jurídico a ser tutelado
Antes de adentrar a definição do bem jurídico a ser tutelado, imprescindível é compreender o conceito de tributos, consoante o previsto no Código Tributário Nacional (CTN) e sua destinação.
Segundo prevê o artigo 3º, do CTN, “tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.”.
Adotando a posição pentapartida, assumida pela doutrina e pela jurisprudência majoritárias, são espécies do gênero tributo, as taxas, as contribuições de melhoria, os impostos, os empréstimos compulsórios e as contribuições sociais, os quais podem ser divididos em tributos vinculados e não vinculados, de acordo com Geraldo Ataliba[3] , sendo que os primeiros são arrecadados visando à uma destinação específica, ocorrendo uma contraprestação imediata, podendo exemplificar: as taxas e as contribuições de melhoria. Paulo de Barros Carvalho[4] lembra que a base de cálculo dos tributos vinculados deverá contemplar a atuação do Estado. Quanto à espécie de tributos não vinculados, a arrecadação destes não possui uma destinação específica, mas sim, consagra-se a suprimir as necessidades coletivas. Os impostos contemplam tal espécie, entretanto, não se deve confundir com dispositivos constitucionais referentes ao Direito Financeiro, quanto ao repasse das receitas tributárias arrecadadas, previsto nos artigos 157 ao 159, da Constituição Federal de 1988, assim como os percentuais obrigatórios destinados à saúde, previstos no artigo 198, §2º, CF/88, dado que não vinculam a destinação desta espécie de tributos arrecadada na seara tributária.
Uma vez delimitada a concepção de tributo, conveniente para o andamento do estudo em questão, pode-se afirmar que a proteção imediata não é a função dos tributos arrecadados, já que sequer pressupõe relevância direta em face do tipo subjetivo e objetivo dos preceitos penais previstos na Lei n. 8.137/90. Por consequência, vislumbra-se que o bem jurídico a ser protegido é a ordem tributária, assim compreendida como o patrimônio da Fazenda Pública, composto pelos ingressos e pelos gastos, até porque, como será visto adiante, se o indivíduo vier a realizar o pagamento do débito ou pedir o seu parcelamento antes do recebimento da denúncia, ocorrerá a extinção ou a suspensão da pretensão punitiva do Estado na esfera criminal, respectivamente, em virtude da recomposição do patrimônio da Administração Pública que foi lesado devido à conduta praticada com dolo por parte do praticante da norma penal.
2.3. Elemento subjetivo
Criada por Hans Welzel[5] a Teoria Finalista ou Final prevê que a conduta é comportamento do ser humano, classificado como consciente e voluntário, dirigido a um fim específico previsto em norma penal, alocada no fato típico. Para esta Teoria, o dolo e a culpa são atributos da conduta.
No que toca aos crimes contra a ordem tributária, a figura do dolo é indispensável, já que as condutas tipificadas nos artigos da Lei n. 8.137/90 são puníveis, meramente, na modalidade dolosa por inexistir previsão da punibilidade na modalidade culposa devido à intenção do agente de fraudar a Fazenda Pública, através da prática de atos abalizados para tanto, não caracterizando o delito penal o simples fato de abster-se de honrar com seu débito fiscal, evento que corrobora para a aplicação de infrações tributárias anteriormente distinguidas.
2.4. Classificação dos crimes contra a ordem tributária: material e de mera conduta
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A doutrina é unânime[6] no sentido de o artigo 1º, da Lei n. 8.137/90, a ser abordado oportunamente, pressupõe crimes materiais, aqueles que o tipo penal assenta uma conduta interligada a um resultado naturalístico, imprescindível para a sua consumação, a qual, em princípio, ocorre quando vislumbrado o prejuízo ao erário por meio da redução ou da supressão do tributo pela ação do indivíduo impregnada pela fraude. Para tanto, congruente com o artigo 142, CTN, é preciso que o crédito tributário, derivado da existência de uma obrigação tributária, já esteja constituído por artifício do lançamento tributário em definitivo, apurando o quantum debeatur a ser devido, assim como ratificando a materialidade da conduta a fim de comprovar a justa causa para a ação penal própria.
Em outra perspectiva, o artigo 2º da mesma Lei alude aos crimes de mera conduta ou de simples atividade, limitando, o tipo penal, a descrever uma conduta, no qual o momento consumativo é antecipado por não compreender a ocorrência, necessariamente, um resultado naturalístico, bastando a ação ou a omissão para constituir o elemento material.
Um exemplo muito pertinente, objeto do estudo deste trabalho, é quanto o tipo do artigo 1º, II, da Lei n. 8.137/90, que, segundo Renato Marcão[7] , “considera-se crime consumado, quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal (CP, art. 14, I), para tanto, consoante o nobre promotor de justiça paulista
Consuma-se o crime com a efetiva supressão ou redução do recolhimento devido, como decorrência de qualquer das condutas indicadas no inciso II (inserção de elementos inexatos, ou omissão de operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal)
No próximo tópico, será apresentada o debate em torno da questão do lançamento tributário e a efetiva consumação a que se refere a redação em destaque acima, afim de elucidar as discussões que este tema tão controvertido em âmbito tributário acarreta à concepção dos crimes materiais que implicam em um resultado, correlacionando os tipos penais do artigo em realce e o Direito Tributário.
2.5. Crimes do artigo 1º, da Lei n. 8.137/90
Seguindo a sequência proposital da Lei n. 8.137/90, inicia-se o estudo dos crimes em espécie esmiuçando o artigo 1º[8], conhecidos como crimes de sonegação fiscal, assim como pela importância contemporânea em destaque na jurisprudência atual.
Ao ler atentamente o caput, o bom leitor de pronto identifica dois verbos influentes ao longo dos seus cinco incisos e seu parágrafo único: suprimir e reduzir. Antes de prosseguir interessante é assimilar o significado destes dois vocábulos, a partir das lições de Cézar Roberto Bitencourt[9]:
Suprimir significa eliminar, abolir, acabar, extinguir ou impedir que o tributo ou obrigação acessória apareça ou se configure no sistema tributário nacional; reduzir, por sua vez, significa diminuir, abater ou restringir. Ambos os comportamentos – suprimir ou restringir – têm como objeto material tributo ou contribuição social e quaisquer acessórios correspondentes. A supressão de tributo refere-se, assim, à sua evasão total, enquanto a redução significa diminuí-lo, isto é, não recolher o que deveria ter sido pago ao erário público.
Então, o caput do artigo 1º delimita as duas ações factíveis pelo contribuinte que poderá a se tornar acusado em uma persecução penal, correlacionando-as ao termo tributo, conceituado em ponto específico do presente trabalho, mas também, as duas práticas são destinadas aos acessórios, inclusive, ou melhor, às obrigações tributárias acessórias ou deveres instrumentais exigidos pelo Fisco.
Quanto ao sujeito ativo é irrefutável que seja o sujeito passivo do tributo ou da penalidade pecuniária, isto é, o contribuinte apontado pelo artigo 121, do Código Tributário Nacional.
O inciso II, do parágrafo único deste mesmo artigo, menciona ser sujeito passivo, bem como o contribuinte, o responsável “quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.” A última parte deste inciso (“disposição expressa de lei”) deve ser interpretada em conjunto com o artigo 128 , do Código Tributário Nacional, ambos fundamentam a existência da substituição tributária , por exemplo, presente no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), conceituada como o regime pelo qual a responsabilidade pelo recolhimento deste imposto estadual em relação às operações ou prestações de serviços é atribuída a outro contribuinte, delimitado pela legislação estadual oportuna.
Paulo de Barros Carvalho[10], em sua obra realça a importância da substituição tributária na atualidade pátria como instrumento de fiscalização eficiente:
O instituto da substituição desfruta de grande atualidade no Brasil, difundindo-se intensamente como vigoroso instrumento de controle racional e de fiscalização eficiente no processo de arrecadação dos tributos. Entretanto, ao mesmo tempo em que responde aos anseios de conforto e segurança das entidades tributantes, provoca sérias dúvidas no que concerne aos limites jurídicos de sua abrangência e à extensão de sua aplicabilidade. Afinal de contas, o impacto da percussão fiscal mexe com valores fundamentais da pessoa humana – propriedade e liberdade -, de tal sorte que não se pode admitir transponha o legislador certos limites, representados por princípios lógico-jurídicos e também jurídico-positivos.
Outras hipóteses de responsabilidade tributária são a dos sucessores, a de terceiros e as por infrações, ordenadas nos artigos 128 ao 138, do Código Tributário Nacional.
Não obstante a previsão no Código Tributário Nacional remete-se à legislação específica de cada espécie tributária, inclusive quanto aos regimes aduaneiros, previstos no Decreto n. 6.759/2009 (Regulamento Aduaneiro), com a finalidade de assimilar os seus respectivos responsáveis pelo recolhimento de cada tributo em comento.
Diante de todo o exposto, indaga-se: pode ao responsável tributário, que na grande maioria das vezes não teve sequer vínculo com o fato gerador tributário, ser atribuída a responsabilidade penal? Cézar Roberto Bitencourt[11] discorda ao fundamentar que:
(…) quando se trata de atribuir responsabilidade penal ao sujeito que ostenta a condição especial requerida pelo tipo é necessário demonstrar que, de fato, foi o autor material da conduta incriminada, e que possui um vínculo subjetivo com ela, isto é, que agiu dolosamente.
Este entendimento ressoa ao ponto de que os crimes contra a ordem tributária são, apenas, admitidos na modalidade dolosa, para tanto os incisos do artigo 1º são bem redigidos induzindo o leitor a este sentir, remanescendo a ideia de que a sujeição passiva tributária é, nos casos quando dispensada a um determinado responsável, diferente da responsabilidade penal. Há, contudo, uma exceção a toda esta construção patenteada: o artigo 11, da Lei n. 8/137/90, através do qual o legislador estabelece a responsabilidade penal da pessoa física que contribua com um comportamento criminoso mesmo sendo a responsabilidade tributária a cargo da pessoa jurídica. Fundamenta-se, além do mais, no Código Tributário Nacional, esta concepção, no artigo 135, III, CTN, ao legitimar que diretores, gerentes ou representantes das pessoas jurídicas de direito privado, quando atuarem com excesso de poderes ou infração a lei, contrato social e estatutos, serão pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes destes atos. Logo, a pessoa física que ostente tais posições e que tenha praticado estas condutas, será considerada como sujeito passivo em uma persecução penal.
Salienta-se que nem todo devedor de tributo é criminoso. Aliás, na atual situação da economia brasileira, tem se tornado inevitável deixar de honrar os débitos tributários, cooperando para tal, a elevadíssima carga tributária que pessoas físicas e jurídicas devem arcar de forma indiscriminada, abrindo vistas, inclusive, para debates calorosos sobre o Princípio tributário do não-confisco. Consequentemente, o intuito de fraudar a Administração Pública Tributária é bem nítido nos incisos vislumbrados a seguir, não podendo dispersar-se desta compreensão para fins de caracterizar os delitos contra a ordem tributária.
Imprescindível é o estudo em separado de cada inciso do artigo 1º, para melhor didática e organização. Conquanto, adianta-se que a penalidade atribuída pelo legislador é a mesma para todas as condutas discorridas ao logo dos incisos (“pena – reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa), igualmente a possibilidade da caracterização da tentativa punível em todas as modalidades dos cinco incisos.
Para finalizar os comentários gerais, a classificação doutrinária é resumida em: a) crime próprio ou especial, isto é, necessitando que o sujeito possua uma condição pessoal específica de contribuinte tributário, salvo em relação ao terceiro estudado nas especificações do inciso IV; b) material, tornando indispensável a ocorrência da supressão ou a redução do tributo; c) plurissubsistente, denominação que depreende a possibilidade da conduta fragmentar-se em diferentes atos.
2.5.1. Inciso I: Omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias
Este inciso traz duas formas da prática do crime: omissiva e comissiva. Cleber Masson[12] descreve os crimes comissivos ou de ação os que “são praticados mediante uma conduta positiva, um fazer, tal como se dá no roubo (CP. Art. 157). Nesta categoria se enquadra a ampla maioria dos crimes.”, o caso em tela, “prestar declaração falsa às autoridades fazendárias” de fato relevante que tenha por si só o condão de induzir a Administração Pública Tributária ao erro, caso contrário, o ato comissivo levará à caracterização de outro tipo penal não previsto na Lei n. 8.137/90, mas sim, no Código Penal.
Quanto aos crimes omissivos, são divididos em omissivos próprios ou puros e omissivos impróprios ou comissivos por omissão. Neste inciso, a modalidade de crime omissivo é o impróprio, isto é, o tipo penal comporta em sua narrativa uma conduta positiva, mas a conduta omissiva do indivíduo, desacata seu dever jurídico de ação: prestar uma informação às autoridades fazendárias, obrigação tributária acessória, existente desde o fato gerador do tributo. No mesmo entender da modalidade comissiva, a omissão deverá recair sobre as informações imprescindíveis para constituição do crédito tributário, do contrário, se não for relativo à ordem tributária, não estará qualificado como crime previsto no inciso I, do artigo 1º.
Crucial é ressaltar que os atos que repercutem na construção do delito exposto devem ter sido realizados com dolo, por parte do agente, consoante já esclarecido na parte geral sobre os crimes contra a ordem tributária. O mesmo valerá para os demais incisos, dessarte, com o intuito de não tornar o trabalho repetitivo numa mesma informação, tal observação se faz imperiosa neste instante.
Ademais, vale a pena o destaque da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
Comete o crime previsto no artigo 1, I, da Lei 8.137/90 aquele que deixa de apresentar a declaração de ajuste anual ao Fisco, suprimindo o pagamento do tributo devido e apurado em procedimento administrativo fiscal válido. (STJ, AgRg no REsp 1252463/SP, 5ª T., rel. Min. Jorge Mussi, j. 15-10-205)
2.5.2. Inciso II: Fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal.
A exigência de documento ou livro pela lei fiscal está intrinsecamente relacionada ao dever de colaboração do contribuinte. Fabiana Del Padre Tomé[13] assinala que os deveres instrumentais são excelentes mecanismos de vincular os contribuintes às exigências do Fisco, através de registros e documentos apropriados.
Neste âmbito, assumem relevância as exigências de escrituração e conservação de documentos. Aos contribuintes cabe proceder aos devidos registros, nos livros contábeis, dos fatos relativos à sua movimentação empresarial, sempre alicerçados em documentos idôneos e hábeis, que deverão, quando requisitados, ser entregues à fiscalização, servindo à administração fazendária como elemento de prova, conforme preceituado pelo art. 195 do Código Tributário Nacional.
Por via de consequência, havendo legislação que assim o determine, cabe ao contribuinte colaborar com a Administração, mantendo regular escrituração contábil, respaldada em documentos comprobatórios dos dados registrados, sob pena de, não o fazendo, sujeitar-se aos métodos legalmente previstos para a identificação dos valores correspondentes ao fato jurídico tributário por ele praticado, além de imposição sancionatória pelo descumprimento de tais deveres.
Tanto que, durante o processo administrativo de fiscalização, acaso a autoridade competente averiguar falsidade nas declarações do indivíduo, ocorrerá o arbitramento, uma medida extrema. Fabiana Del Padre Tomé[14] posiciona-se no sentido de:
(…) conceber a realização de arbitramento apenas nas hipóteses que a autoridade administrativa não tenha subsídios necessários à constituição do fato jurídico tributário, por ter o contribuinte deixado de cumprir deveres instrumentais, tais como a realização de registros contábeis.
Depreende-se a importância significativa da manutenção idônea dos registros e documentos, segundo bem explicado pela autora, demandando, até mesmo, sanções na esfera administrativa tributária. Na seara penal, então, o simples ato de inserir dados não condizentes com a veracidade dos fatos ou omitir os verdadeiros precedidos de dolo, já pode ser caracterizado como fraude por parte do contribuinte, a ser descoberto durante um processo administrativo de fiscalização, desde que conecte o resultado da redução ou supressão do tributo ou da obrigação acessória ao papel do indivíduo, semelhante ao arbitramento na esfera administrativa tributária. É este momento de constatação da ilicitude da conduta do contribuinte que faz diferenciar o tipo penal em comento do anterior.
No mais, não se confunde com o tipo penal do artigo 299, do Código Penal, “omitir, em documento público ou particular, declaração que dele deveria constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante.”, pois este dispositivo não remete especificamente à ordem tributária, devendo ser aplicado o artigo 1º, II, da Lei n. 8.137/90, devido ao Princípio da Especialidade, por meio do qual haverá a prevalência da norma especial sobre a geral, cujo objetivo é de vedar o bis in idem.
2.5.3. Inciso III: Falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável
Primeiramente, importante perceber que o termo “qualquer outro documento relativo à operação tributável”, expõe um rol exemplificativo de atestado referente à operação comercial praticada, tornando viável que, o agente, agindo com dolo, ao falsificar ou alterar documento plausível ou, acaso sua conduta repercuta na supressão ou na redução do tributo, seja acusado conforme o tipo aqui analisado. Caso contrário, se o ato do contribuinte não induzir a Administração Fazendária ao erro, será enquadrada como simples infração administrativa ou tipificada como outro crime previsto no Código Penal.
Interessante é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentir de que o crime de falso/ estelionato cometido única e exclusivamente com vistas a suprimir ou reduzir tributos é absorvido pelo crime de sonegação fiscal, sendo irrelevante para tanto que a apresentação do documento falso perante a autoridade fazendária seja posterior à entrega da declaração de imposto de renda, porque apenas materializa a informação falsa antes prestada, o que acarreta a aplicação do princípio da consumação (STJ, AgRg no REsp 1358520/DF, 6ª T, rel. Min. Sebartião Reis Júnior, j. 4-8-2015)
2.5.4. Inciso IV: Elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato
O legislador atribuiu a prática de distribuir e fornecer documento falso ou inexato ao terceiro que saiba ou deva ter ciência sobre o conteúdo do papel que está portando. Por causa destas suas atividades, quem as pratica também é considerado como autor do crime e não, como mero partícipe (art. 29, CP). Com isso, o autor deste tipo penal é tanto aquele que deve elaborar, emitir e utilizar o documento com valor tributário, neste caso, o contribuinte do tributo, quanto aquele terceiro que detenha sua posso e o distribui e o forneça, ambas ações cometidas com dolo.
Já que o tipo exibe várias condutas, as quais são possíveis de serem praticadas por um mesmo indivíduo, por ventura a mesma pessoa pratique dois ou mais verbos, será acusada pela prática do mesmo crime, não havendo punibilidade cumulativa.
Quanto aos feitos necessários realizados para concretizar as condutas descritas, deverão ser absorvidos pelo principal. Cezar Roberto Bitencout[15] firma posicionamento de que:
(…) deve-se considerar absorvido pela figura principal tudo aquilo que, enquanto ação – anterior ou posterior –, seja concebido como necessário, assim como tudo o que dentro do sentido de uma figura constitua o que normalmente acontece (quod plerumque accidit). No entanto, o ato posterior somente será impune quando com segurança possa ser considerado como tal, isto é, seja um autêntico ato posterior e não uma ação autônoma executada em outra direção, que não se caracteriza somente quando praticado contra outra pessoa, mas pela natureza do fato praticado em relação à capacidade de absorção do fato anterior.
Por fim, ressalta-se que são caracterizadas, tais condutas, bastando a existência de dolo genérico, o qual pode ser direto ou eventual, não havendo necessidade da demonstração do animus de se obter benefício indevido.
2.5.5.Inciso V: Negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.
Neste inciso do artigo 1º, em sua primeira parte, presencia-se a modalidade de comissão por omissão, explicada alhures, visto que o contribuinte é obrigado a fornecer a documentação relevante na esfera tributária quando obrigado pela legislação extrapenal específica. Já na segunda parte do inciso, a modalidade comissiva norteia a conduta do contribuinte, ao dispor sobre o fornecimento de documentos requisitados em desacordo com a legislação tributária brasileira. Em ambos os casos, o autor atua com dolo, isto é, intencionado a induzir o Fisco ao erro. Difere-se, portanto, da hipótese do contribuinte não entregar o exigido sem estar presente a má-fé ou entregar com erros oriundos de interpretação equivocada da legislação tributária.
Bitecourt[16] analisa o fato do consumidor dispensar a entrega de sua nota fiscal, compreendendo que esta simples atitude não pode classificá-lo como autor do tipo. Entretanto, assumirá o papel de vítima quando receber nota fiscal simulada por parte de quem tem o dever de prestá-la.
O cliente poderá, contudo, figurar como vítima quando a nota fiscal ou nota de venda fornecida em desacordo com o estabelecido em lei não corresponder à mercadoria vendida, em quantidade ou qualidade, ou ao serviço prestado, nos termos do art. 172 do CP. Cabe, portanto, a possibilidade de caracterizar um concurso formal de crimes quando através da mesma ação, a emissão e entrega da nota fiscal em desacordo com a legislação, o agente logra enganar a Administração, causando a redução ou supressão de tributo, e enganar o cliente. Caracterizada essa hipótese, aplica-se a regra do art. 70, primeira parte, do CP. Com esses esclarecimentos é possível deduzir que o consentimento do cliente somente terá a eficácia jurídica em relação ao crime do art. 172.
Em suma, a redação do parágrafo único do artigo 1º remete ao inciso V, alvo de muitas críticas por parte da doutrina criminal: “a falta de atendimento da exigência da autoridade, no prazo de 10 (dez) dias, que poderá ser convertido em horas em razão da maior ou menor complexidade da matéria ou da dificuldade quanto ao atendimento da exigência, caracteriza a infração prevista no inciso V.”
- LANÇAMENTO DO TRIBUTO
Tema objeto de debates e controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais é o momento em que se dá a consumação da constituição do crédito tributário em definitivo. Na seara do Direito Penal Tributário é viável adentrar na polêmica em evidência, posto que a Súmula Vinculante n. 24, do Supremo Tribunal Federal (STF), faz alusão em seu corpo textual. Neste sentir:
Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo.
Tal ponto é corolário, igualmente, para o estudo de outros assuntos da mesma ordem, derivados do entendimento sobre o momento em que ocorre o lançamento definitivo do tributo, tais como o termo inicial da contagem do prazo prescricional nos delitos do artigo 1º, da Lei n. 8.137/90, bem como quanto à possibilidade da instauração de inquérito policial antes do encerramento do processo administrativo fiscal. Sobre ambos os casos, já se pronunciou o Supremo Tribunal Federal (STF), por essa ordem:
Segundo a Súmula Vinculante 24, o termo inicial para a contagem do prazo prescricional, nos delitos do art. 1º, I a IV, da Lei 8.137/1990, é a data do lançamento definitivo do crédito tributário. No presente caso, não há que se falar em prescrição retroativa, uma vez que não transcorreu o decurso de 04 (quatro) anos entre a constituição definitiva do crédito e o recebimento da denúncia, ou entre os demais marcos interruptivos. É antiga a jurisprudência desta Corte no sentido de que os crimes definidos no art. 1º da Lei 8.137/1990 são materiais e somente se consumam com o lançamento definitivo do crédito. Por consequência, não há que falar-se em prescrição, que somente se iniciará com a consumação do delito, nos termos do art. 111, I, do Código Penal. (…) (ARE 649120, Relator Ministro Joaquim Barbosa, Decisão Monocrática, j. 28/5/2012).
Ementa: (…) 1. A questão posta no presente writ diz respeito à possibilidade de instauração de inquérito policial para apuração de crime contra a ordem tributária, antes do encerramento do procedimento administrativo-fiscal. 2. O tema relacionado à necessidade do prévio encerramento do procedimento administrativo-fiscal para configuração dos crimes contra a ordem tributária, previstos no art. 1º, da Lei n.º 8.137/90, já foi objeto de aceso debate perante esta Corte, sendo o precedente mais conhecido o HC n.º 81.611 (Min. Sepúlveda Pertence, Pleno, j. 10.12.2003). 3. A orientação que prevaleceu foi exatamente a de considerar a necessidade do exaurimento do processo administrativo-fiscal para a caracterização do crime contra a ordem tributária (…). 4. Entretanto, o caso concreto apresenta uma particularidade que afasta a aplicação dos precedentes mencionados. 5. Diante da recusa da empresa em fornecer documentos indispensáveis à fiscalização da Fazenda estadual, tornou-se necessária a instauração de inquérito policial para formalizar e instrumentalizar o pedido de quebra do sigilo bancário, diligência imprescindível para a conclusão da fiscalização e, consequentemente, para a apuração de eventual débito tributário. 6. Deste modo, entendo possível a instauração de inquérito policial para apuração de crime contra a ordem tributária, antes do encerramento do processo administrativo-fiscal, quando for imprescindível para viabilizar a fiscalização. (…)” (HC 95443, Relatora Ministra Ellen Gracie, Segunda Turma, julgamento em 2.2.2010, DJe de 19.2.2010).
Percebe-se que a temática demanda atenção especial, dado que é de alta complexidade na ciência jurídica tributária, influenciando, a percepção exprimida, quanto a múltiplas asserções na seara criminal em comento.
Para tanto, importante responder à seguinte interrogação: quando se consuma a constituição definitiva do crédito tributário? E desta, pode-se formular outra pergunta consequente: do lançamento tributário e a notificação do sujeito passivo ou do trânsito em julgado do processo administrativo fiscal? Quanto às respostas, estas serão dadas mediante o estudo de cada instituto.
Primeiramente, por lançamento tributário consiste no “procedimento administrativo” privativo de autoridade administrativa, tendente a verificar a ocorrência do fato gerador e a matéria tributável, por conseguinte a definição do montante devido e a identificação do sujeito passivo, denominado de contribuinte do débito tributário.
Aliomar Baleeiro[17], em sua obra atualizada por Misabel Derzi, refere-se ao termo lançamento tributário em diversos idiomas, como o termo steurveranlagung, no idioma alemão, e dispõe ser um ato jurídico administrativo vinculado e obrigatório,
de individuação e concreção da norma tributária ao caso concreto (ato aplicativo), desencadeando efeitos confirmatórios-extintivos (no caso da homologação de pagamento) ou conferindo exigibilidade ao direito de crédito que lhe é preexistente para fixar-lhe os termos e possibilitar a formação do título executivo.
Constam três espécies de lançamento no Código Tributário Nacional: a) Lançamento de ofício (art. 149); b) Lançamento por declaração (art. 147) e; c) Lançamento por homologação ou autolançamento (art. 150), as quais se distinguem conforme o grau de colaboração do sujeito passivo.
No lançamento de ofício o Fisco agirá sozinho, já que possui as informações eficazes para constituir o crédito tributário, embora haja a possibilidade de agir de ofício supletivamente quando o contribuinte é incumbido para declarar o débito e não o faz, assim como quando deve pagar a quantia já conhecida e declarada, não fazendo (Súmula 436 do STJ: “A entrega de declaração pelo contribuinte reconhecendo débito fiscal constitui o crédito tributário, dispensada qualquer outra providência por parte do fisco”).
Quanto ao lançamento por declaração, o contribuinte irá fornecer informações ao Fisco para que este apure o crédito tributário e notifique-o para proceder ao pagamento da quantia em questão.
Por fim, a última modalidade de lançamento tributário é a realizada por homologação, na qual o trabalho de apurar e pagar o crédito tributário cabe unicamente ao contribuinte, restando ao Fisco, somente, através da homologação expressa ou tácita, homologar a referida apuração. Em termos de homologação do pagamento do crédito tributário por parte do contribuinte, em regra, o Fisco pode não vir a se pronunciar expressamente, fazendo-o de forma tácita, quando passado o prazo prescricional quinquenal contado do fato gerador para realização da cobrança da dívida ativa em processo de execução fiscal. Com o decurso do prazo, também não poderá o sujeito ativo lançar eventual diferença de valor que não entenda não ter sido compreendido no autolançamento estar da quantia satisfeita da que realmente era devida.
Em todas as modalidades, constata-se que a autoridade competente para efetuar o lançamento se faz presente, seja para constituir o tributo no ato de lança, seja para homologar tacitamente o valor declarado e pago pelo contribuinte. Importante é esta percepção para fins de compreender a condição objetiva existente na relevância penal da conduta praticada, vista adiante. Por ora, subsiste a explanação acerca do lançamento tributário, finalizado após efetuada a notificação do contribuinte processo administrativo fiscal (art. 7º e 11, do Decreto n. 70.235/72), posição franqueada por Paulo de Barros Carvalho[18].
Não obstante a referência quanto à notificação do lançamento, também é prevista a possibilidade da notificação da lavratura de um auto de infração, nas hipóteses de se ter verificada a ocorrência de infração, documento viável a constituir o crédito tributário, acrescendo-se ao valor devido, a multa adequada.
Após ser notificado, o contribuinte terá o prazo de trinta dias para apresentar impugnação por escrito, lapso temporal em que não corre a prescrição e o crédito tributário não será exigido, sendo a defesa, acaso apresentada, instruída das provas documentais e suas alegações, contados da data da notificação. Se não apresentar a defesa ou apresentando-a intempestivamente, será exigido o crédito tributário mediante inscrição em dívida ativa e cobrança em execução fiscal. Este momento é o primeiro a ser considerado para fins do surgimento da materialidade que sustenta os tipos previstos na Lei n. 8.137/90, em conformidade com a Súmula Vinculante n. 24.
Acaso seja oferecida a impugnação contestando parte do auto de infração, a parte não impugnada poderá ser exigida de pronto. Aqui, resta-se a dúvida quanto ao fundamento para a justa causa da ação penal incondicionada, considerada mais prudente a posição que aguarda o trânsito do processo administrativo por completo.
Por último, apresentada a impugnação no prazo previsto, considera-se instaurada a fase litigiosa do processo administrativo, favorecendo a suspensão da exigibilidade do crédito tributário (art. 151, III, CTN).
No que tange ao Direito Penal Tributário, importa conhecer o sistema recursal no processo administrativo fiscal. São dois tipos de recursos, cujos prazos de interposição e de impugnação são de trinta dias e quinze dias, nesta ordem: os interpostos em face de decisão de primeira instância, dirigidos a uma das Seções do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) e os especiais, dirigidos à Câmara Superior do CARF. Decididos os recursos por decisão não mais sujeita a recurso, está concluído o processo administrativo fiscal na esfera federal e garantido o princípio da ampla defesa e do contraditório. Este é o momento aguardado para ser tipificado crime material contra a ordem tributária, mencionado na Súmula Vinculante 24, significa que é neste estágio, apenas, que haverá a constatação da ocorrência da redução ou da supressão do tributo.
Cezar Roberto Bitencourt[19] entende que o lançamento definitivo do tributo (a constituição definitiva do crédito tributário) é o condicionamento do ius puniendi estatal, isto é, uma condição objetiva da punibilidade existente para que “seja punível a ação injusta do sujeito responsável”, sendo exigidas somente para delitos específicos. Na mesma linha, segue Hugo de Brito Machado Segundo[20]
Durante muito tempo, discutiu-se a questão de saber se a conclusão do processo administrativo fiscal de determinação e exigência do crédito tributário seria necessária para a propositura da ação penal, vale dizer, a ação destinada à aplicação da sanção penal tributária. A resposta afirmativa parece a mais adequada para o problema, vale dizer, apenas depois de concluído o processo administrativo é possível cogitar-se da propositura de ação penal, pelo menos no que tange a crimes que tenham supressão do tributo correspondente como elemento nuclear do tipo.
Depreende-se do exposto que, o requisito sumulado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), é indispensável para dar certeza quanto ao crime tributário existente, até porque, a doutrina tributária estabelece ser função do processo administrativo tributário de exercer o controle das atividades administrativas, conferindo segurança ao Estado quanto à conduta do indivíduo na esfera criminal, tal como ao contribuinte que teve a oportunidade de se defender, em um processo propício para a discussão relativo à existência ou não do crédito tributário exigido. Além do mais, é no processo administrativo fiscal que a prova poderá ser apresentada através da impugnação (art. 16, §4º, do Decreto n. 70.235/72). Fabiana Del Padre Tomé[21] discorre que “o direito à prova, assegurado constitucionalmente pela previsão do devido processo legal e da ampla defesa, não se apresenta irrestrito ou infinito”. Ainda, a autora descreve sobre a possibilidade da realização de provas periciais durante o trâmite do contencioso administrativo:
Instaurado o contencioso administrativo tributário mediante impugnação do sujeito passivo, é assegurada a complementação instrutória, mediante a realização de provas periciais, testemunhais e outras diligências que se façam necessárias, conforme o caso concreto, desde que tempestivamente solicitadas e devidamente especificadas e justificadas pelo impugnante. Isto sem falar na possibilidade de a autoridade julgadora de primeira instância determinar, de ofício, em nome do princípio inquisitório, a realização de diligências que considere úteis.
Porventura, ao final do processo administrativo fiscal, chega-se à conclusão de que sequer seria possível a constituição do crédito tributário ou acaso se a autoridade competente anule determinados atos, mormente não seria configurado o delito do artigo 1º, da Lei n. 8.137/90. Inclusive, sendo constatado o real crédito, ao contribuinte devedor será dada a oportunidade de satisfazer ou parcelar o quantum debeatur, como forma de evitar a persecução penal. Apesar de exemplificar o tipo do artigo 1º, nada obsta que aos delitos do artigo 2º, considerados como de mera conduta, também seja exigido o término do processo administrativo fiscal, não havendo distinção entre ambos.
Assim ensina Paulo de Barros Carvalho[22], adotando a terminologia “procedimento” em vez de “processo”:
(…) o procedimento administrativo tributário se consubstancia numa sucessão de atos tendentes a exercitar o controle de validade do lançamento, da multa, da notificação de qualquer deles ou de ambos, a fim de que a atividade desenvolvida pela Administração Pública realize, de pleno, aquele peremptório conteúdo proclamado pelos publicistas: ‘administrar é aplicar a lei de ofício’. Os sucessivos controles de validade têm por escopo a precisa, exata e fiel aplicação da lei tributária. A inobservância desse preceito acarreta a presença de vícios. Por sua vez, o vício aponta para a anulação do ato administrativo que pode ser empreendida tanto pela Administração, ex officio, como pelo Poder Judiciário. Identificadas as irregularidades, é imperativa a anulação dos atos administrativos, bem como de todos os atos que deles decorrem ou neles se fundamentem.
Inclusive, neste sentir apresentado, já se pronunciou o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do HC 81.611-8/DF, Dj. 13/05/2005:
Crime material contra a ordem tributária (L n.8137/90, art. 1º): lançamento do tributo pendente de decisão definitiva do processo administrativo: falta de justa causa para a ação penal, suspenso, porém, o curso da prescrição enquanto obstada a sua propositura pela falta do lançamento definitivo.
- Embora não condicionada a denúncia à representação da autoridade fiscal (ADIn MC 1571), falta justa causa para a ação penal pela prática do crime tipificado no art. 1º da L. 8137/90 – que é material ou de resultado -, enquanto não haja decisão definitiva do processo administrativo de lançamento, quer se considere o lançamento definitivo uma condição objetiva de punibilidade ou um elemento normativo de tipo.
- Por outro lado, admitida por lei a extinção da punibilidade do crime pela satisfação do tributo devido, antes do recebimento da denúncia (L. 9249/95, art. 34), princípios e garantias constitucionais eminentes não permitem que, pela antecipada propositura da ação penal, se subtraia do cidadão os meios que a lei mesma lhe propicia para questionar, perante o Fisco, a exatidão do lançamento provisório, ao qual se devesse submeter para fugir ao estigma e às agruras de toda sorte do processo criminal.
- No entanto, enquanto dure, por iniciativa do contribuinte, o processo administrativo suspende o curso da prescrição da ação penal por crime contra a ordem tributária que dependa do lançamento definitivo.
Em outro julgado, proferido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), firmou-se o entendimento de que não haveria nulidade na realização de medidas investigatórias, tais como interceptação telefônica e busca e apreensão, para apurar delitos autônomos, isto é, formação de quadrinha e falsidade ideológica, os quais não são compreendidos como crimes contra a ordem tributária, embora conexos ao crime de sonegação fiscal, ainda que pendente a constituição do crédito tributário por meio do lançamento definitivo. Recomendável a leitura:
HABEAS CORPUS. CRIMES CONTRA ORDEM TRIBUTÁRIA, PENDÊNCIA DE LANÇAMENTO DEFINITIVO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO QUANDO DA AUTORIZAÇÃO DE MEDIDAS INVESTIGATÓRIAS. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. BUSCA APREENSÃO. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO E FISCAL. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. EXISTÊNCIA DE OUTROS DELITOS AUTÔNOMOS QUE AS AUTORIZARAM. FALSIDADE IDEOLÓGICA E FORMAÇÃO DE QUADRILHA. HABEAS CORPUS DENEGADO.
1.Não há ilegalidade na autorização de interceptação telefônica, busca e apreensão e quebra de sigilo bancário e fiscal, antes do lançamento do crédito tributário, quando as medidas investigatórias são autorizadas para apuração dos crimes de quadrilha e falsidade ideológica, também imputados ao Paciente, que supostamente se utilizava de intrincado esquema criminoso, com o claro e primordial intento de lesar o Fisco.
- Inexiste a aventada nulidade processual, tampouco a alegada ausência de elementos indiciários para fundamentar a acusação. As medidas investigatórias atenderam aos pressupostos e fundamentos de cautelaridade e, quando do oferecimento da denúncia, os créditos tributários já tinham sido definitivamente lançados.
- Habeas Corpus denegado.” (HC 148.829-RS, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 21/8/2012).
Diversa questão, todavia conexa ao término do processo administrativo fiscal, é sobre a tentativa nos crimes de resultado (art. 1º, Lei n. 8.137/90), conceituada por Cleber Masson[23] “como bem define o art. 14, II, do Código Penal, tentativa é o início de execução de um crime que somente não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.”
Especificamente quanto aos crimes contra a ordem tributária, o agente, após o momento do fato gerador da obrigação tributária, deverá realizar atos inequívocos aspirando a burlar o Fisco para incidi-lo ao erro na constituição do crédito tributário através do lançamento definitivo. Percebe-se que o lapso temporal para ocorrência da tentativa é o compreendido entre o fato gerador e o início do processo administrativo, cujo objeto seja a constituição definitiva do crédito tributário, conjuntura na qual a Administração Pública Tributária poderá se insurgir diante da conduta criminosa do contribuinte. Nesta altura, igualmente apresentado alhures, será oportunizado ao indivíduo que proceda à sua regularização, dispensando as corretas informações à autoridade competente para proceder ao lançamento correto.
- REGULARIZAÇÃO NO ÂMBITO TRIBUTÁRIO E SUAS REPERCUSSÕES NO DIREITO PENAL TRIBUTÁRIO
O crédito tributário consiste, não apenas no valor principal, mas também, este acrescido dos juros, da correção monetária e da multa. De acordo com o já discorrido alhures, o anseio do Fisco é quanto à pretensão do pagamento do crédito tributário constituído em definitivo e devido, nada mais. Para tanto, com vistas a alcançar o tão almejado, interrompendo a lesão ao erário configurada pela atitude fraudatória do contribuinte, abre-se a conjuntura para que aquele proceda à quitação de seu débito, premiando-o com a extinção da punibilidade na esfera criminal, mas somente se seu comportamento for averiguado em momento anterior ao recebimento da denúncia ofertada pelo parquet.
Na Lei n. 8.137/90, tal previsão era contemplada pelo seu artigo 14[24], revogado pela Lei n. 8.383/91, o qual abarcava os artigos 1º ao 3º. Restou à uma legislação própria do imposto de renda revigorar esta possibilidade de exclusão da punibilidade na esfera criminal, dispondo que, em seu artigo 34 que: “extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia”. Mais um exemplo de norma penal em branco!
Igualmente, a Lei n. 9.964/2000, a qual instituiu o Programa de Recuperação Fiscal, mais conhecido como REFIS, estabeleceu em seu artigo 15, §3º, a extinção da punibilidade dos crimes distribuídos nos artigos 1º ao 3º da Lei n. 8.137/90,“quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento antes do recebimento da denúncia criminal.”
Outras legislações tributárias[25] , da mesma forma, remetem aos dispositivos em destaque da Lei sobre Crimes contra a Ordem Tributária, com a similar proposta apresentada supra.
Possibilidade diversa é a adesão ao parcelamento tributário, inicialmente contemplado pelo artigo 151, VI, do Código Tributário Nacional, como uma das hipóteses da suspensão da exigibilidade do crédito tributário. Paulo de Barros Carvalho[26], citando doutrinadores tributários renomados, associa-se à posição de que o parcelamento nada mais é do que uma espécie de moratória, por ser considerado como uma “dilação do intervalo de tempo estipulado para o implemento de uma prestação” . Embora haja equivalência, é indispensável que lei específica, em regra que seja ordinária, a qual permita a concessão do parcelamento e que o crédito tributário já esteja previamente constituído à data da adesão do programa, isto é, além de do fato gerador ter ocorrido, deverá apresentar certeza e a liquidez do crédito tributário.
Limitando-se à seara da disciplina de Direito Penal Tributário, o parcelamento, cujo intuito seja de obstar a persecução penal, é viável após o lançamento tributário em definitivo, entretanto difere-se quanto à expectativa da extinção da punibilidade, visto que, a partir da edição da Lei n.10.684/2003[27] não haveria mais restrição à adesão do parcelamento em momento posterior ao recebimento da denúncia ofertada pelo Ministério Público. Isto posto, contanto que esteja formalizado o parcelamento, independente do momento processual, a pretensão punitiva estatal obrigatoriamente deverá ser suspensa[28] e, pago o débito ao final do lapso concedido, a extinção da punibilidade do contribuinte será obrigatória.
No mesmo sentido, a jurisprudência atual e a doutrina caminham. Heloísa Estelitta[29] defende que por ser mais benéfico, o entendimento trazido pela Lei n. 10.684/2003, teria o condão de retroagir, atingindo a todos que se encontrem na situação descrita. O Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do HC 81929-0, DJ 27/02/2004, defendeu que o pagamento do tributo, a qualquer tempo, ainda que após o recebimento da denúncia, extingue a punibilidade do crime tributário, e mais, artigo 9º da Lei n. 10.684/03, deve ser aplicado de forma retroativa, consoante previsto nos artigos 5º, XL, CF/88 e artigo 61, do Código de Processo Penal.
Todavia, foi editada em 2011, a Lei 12.382/2011, prevendo que não haverá suspensão da pretensão punitiva do Estado se o parcelamento do tributo for requerido após o recebimento da denúncia, configurando um estado de confusão na doutrina pátria. Para dirimir eventuais conflitos, o Supremo Tribunal Federal (STF)[30] adotou a posição de que o pagamento do tributo, feito a qualquer tempo, extingue a punibilidade do crime tributário, bem como a concessão do parcelamento tributário, posto que o art. 9º da Lei n. 10.684/2003 não foi revogado e continua em vigor.
Mister relatar que esta suspensão somente perdurará enquanto o crédito do contribuinte for contemplado pelo programa aderido, conquanto, se tiver sua exclusão decretada, normalmente oriundo do inadimplemento de uma única parcela, a suspensão da pretensão punitiva do Estado não mais subsistirá.
Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça[31] proferiu entendimento de que o pagamento a qualquer tempo extingue a punibilidade do crime tributário, julgado que vai ao encontro com a posição defendida ao longo deste trabalho, isto é, garantida a finalidade principal da obrigação tributária, o pagamento e, por consequência, a extinção do crédito, não há o porquê da continuidade da tramitação de uma ação na esfera penal, uma vez que o “bem da vida” tutelado já terá recebido o tratamento esperado para conformação da harmonia em sociedade.
- CONCLUSÃO
Ao adotar o princípio da intervenção mínima do Direito Penal, defendido ao longo dos estudos apresentados, o presente trabalho buscou defender a importância do Direito Tributário e a posição da norma penal tributária de assumir uma finalidade coercitiva de garantir o adimplemento do crédito tributário, satisfazendo a obrigação tributária principal, seja, a princípio, por meio do pagamento integral do montante do débito tributário, por parte do contribuinte, seja por meio do pagamento de todas as parcelas referentes ao regime especial de parcelamento que aderiu.
Não há razão para defender diferentemente, uma vez que tanto a doutrina majoritária quanto a jurisprudência são tendenciosas neste sentir, como foi demonstrado ao longo deste trabalho. De fato, há a justa causa quando finalizado o procedimento administrativo tributário que fundamenta a oferta de uma ação penal pública incondicionada, há a materialização do crime, consoante dispõe a súmula vinculante 24, entretanto, a finalidade da obrigação tributária é sua extinção.
Garantida a finalidade principal da obrigação tributária, não há o porquê da continuidade da tramitação de uma ação na esfera penal. O contrário feriria o próprio princípio que fundamenta a ciência criminal.
REFERÊNCIAS
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 5ª ed., São Paulo: Malheiros, 1997.
BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro.13ª ed., São Paulo: Editora Forense, 2015.
BITENCOURT, Cézar Roberto; MONTEIRO, Luciana de Oliveira. Crimes contra a ordem tributária. São Paulo: Saraiva, 2013.
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: linguagem e método. 6ª ed., São Paulo: Noeses, 2015.
ESTELLITA, Heloisa. Pagamento e parcelamento nos crimes tributários: a nova disciplina da lei n. 10.684/03. Boletim IBCCRIM. São Paulo, v.11, n.130, p. 2-3, set. 2003.
MARCÃO, Renato. Crimes Contra A Ordem Tributária, Econômica e Relações de Consumo, 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2018.
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral esquematizado. 8ª ed., rev. atual. e ampl., São Paulo: Método, 2014
SEGUNDO, Hugo de Brito Machado. Manual de Direito Tributário. 10ª ed., São Paulo: Editora: Atlas, 2017.
TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no Direito Tributário. 3ª ed. rev., São Paulo: Noeses.2011.
TOMÉ, Fabiana Del Padre. Contribuições para a Seguridade Social à luz da Constituição Federal. 2ª ed. rev. e atual. Editora Juruá: Curitiba, 2013
[1] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: linguagem e método. 6ª ed., São Paulo: Noeses, 2015. p. 875.
[2] PADILHA, Maria Ângela Lopes Paulino. As sanções no Direito Tributário. São Paulo: Editora Noeses, 2015. p. 63
[3] ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 5ª ed., São Paulo: Malheiros, 1997. p. 121.
[4] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: linguagem e método. 6ª ed., São Paulo: Noeses, 2015. p. 422.
[5] MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral esquematizado. 8ª ed., rev. atual. e ampl., São Paulo: Método. p. 204.
[6] MARCÃO, Renato. Crimes contra a ordem tributária, econômica e relações de consumo: comentários e interpretação jurisprudencial da Lei n. 8.137, de 27-12-1990. São Paulo: Editora Saraiva, 2017. p.70.
[7] MARCÃO, Renato. Crimes contra a ordem tributária, econômica e relações de consumo: Comentários e interpretação jurisprudencial da Lei n. 8.137, de 27-12-1990. São Paulo: Editora Saraiva, 2017.
[8] Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas (…)
[9] BITENCOURT, Cézar Roberto; MONTEIRO, Luciana de Oliveira. Crimes contra a ordem tributária. São Paulo: Saraiva, 2013. p.67
[10] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: linguagem e método. 6ª ed., São Paulo: Noeses, 2015. p.678.
[11] BITENCOURT, Cézar Roberto; MONTEIRO, Luciana de Oliveira. Crimes contra a ordem tributária. São Paulo: Saraiva, 2013. p.72
[12] MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral esquematizado. 8ª ed., rev. atual. e ampl., São Paulo: Método. p. 204.
[13] TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no Direito Tributário. 3ª ed. rev., São Paulo: Noeses. p.344.
[14] TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no Direito Tributário. 3ª ed. rev., São Paulo: Noeses, 2011. p. 345
[15] BITENCOURT, Cézar Roberto; MONTEIRO, Luciana de Oliveira. Crimes contra a ordem tributária. São Paulo: Saraiva, 2013,p. 84
[16] BITENCOURT, Cézar Roberto; MONTEIRO, Luciana de Oliveira. Crimes contra a ordem tributária. São Paulo: Saraiva, 2013, p.87.
[17] BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro.13ª ed., São Paulo: Editora Forense, 2015, p. 1188.
[18] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: linguagem e método. 6ª ed., São Paulo: Noeses, 2015. p. 532-541
[19]BITENCOURT, Cézar Roberto; MONTEIRO, Luciana de Oliveira. Crimes contra a ordem tributária. São Paulo: Editora Saraiva, 2013. p. 39.
[20] SEGUNDO, Hugo de Brito Machado. Manual de Direito Tributário. 9ª ed. reformulada, atual., ampl., São Paulo: Editora Atlas, 2017. p 372..
[21] TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no Direito Tributário. 3ª ed. rev., São Paulo: Noeses.2011/2012 p. 223
[22] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: linguagem e método. 6ª ed., São Paulo: Noeses, 2015. p. 924.
[23] MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral esquematizado. 8ª ed., rev. atual. e ampl., São Paulo: Método. p. 341.
[24] No caso, trata-se da Lei n. 9.249, de 26 de dezembro de 1995, a qual “altera a legislação do imposto de renda das pessoas jurídicas, bem como da contribuição social sobre o lucro líquido, e dá outras providências”.
[25] As legislações mencionadas são: Lei n. 11.941/2009 e a Lei n. 10.684/2003, que disciplinam sobre programas de parcelamentos de tributos.
[26] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: linguagem e método. 6ª ed., São Paulo: Noeses, 2015. p. 547.
[27] Art 9º: É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168A e 337A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento.
[28] Durante a suspensão da pretensão punitiva do Estado, não correrá a prescrição criminal (art. 83,§3º, da Lei n. 12.382/2011)
[29] ESTELLITA, Heloisa. Pagamento e parcelamento nos crimes tributários: a nova disciplina da lei n. 10.684/03. Boletim IBCCRIM. São Paulo, v.11, n.130, p. 2-3, set. 2003.
[30] “Habeas corpus. Crime contra a ordem tributária. Aplicação do princípio da insignificância. Tese não analisada pelo Superior Tribunal de Justiça. Impossibilidade de conhecimento pela Suprema Corte. Inadmissível supressão de instância. Precedentes. Não conhecimento do writ. Requerimento incidental de extinção da punibilidade do paciente pelo pagamento integral do débito tributário constituído. Possibilidade. Precedente. Ordem concedida de ofício. 1. Não tendo sido analisada pelo Superior Tribunal de Justiça defesa fundada no princípio da insignificância, é inviável a análise originária desse pedido pela Suprema Corte, sob pena de supressão de instância, em afronta às normas constitucionais de competência. 2. Não se conhece do habeas corpus. 3. O pagamento integral de débito – devidamente comprovado nos autos – empreendido pelo paciente em momento anterior ao trânsito em julgado da condenação que lhe foi imposta é causa de extinção de sua punibilidade, conforme opção político-criminal do legislador pátrio. Precedente. 4. Entendimento pessoal externado por ocasião do julgamento, em 9/5/13, da AP nº 516/DF-ED pelo Tribunal Pleno, no sentido de que a Lei nº 12.382/11, que regrou a extinção da punibilidade dos crimes tributários nas situações de parcelamento do débito tributário, não afetou o disposto no § 2º do art. 9º da Lei 10.684/03, o qual prevê a extinção da punibilidade em razão do pagamento do débito, a qualquer tempo. 5. Ordem concedida de ofício para declarar extinta a punibilidade do paciente.” (HC 116.828/SP, DJ 13/08/2013).
[31] “Portanto, se no histórico das leis que regulamentam o tema o legislador ordinário, no exercício da sua função constitucional e de acordo com a política criminal adotada, optou por retirar o marco temporal previsto para o adimplemento da obrigação tributária redundar na extinção da punibilidade do agente sonegador, é vedado ao Poder Judiciário estabelecer tal limite, ou seja, dizer o que a Lei não diz, em verdadeira interpretação extensiva não cabível na hipótese, porquanto incompatível com a ratio da legislação em apreço. E, assim, não há como se interpretar o artigo 9º, § 2º, da Lei 10.684/2003 de outro modo, senão considerando que o adimplemento do débito tributário, a qualquer tempo, até mesmo após o advento do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, é causa de extinção da punibilidade do acusado” (HC 362.478/SP, DJe 20/09/2017).