RESUMO
O presente artigo visa tecer breves considerações sobre o crime de lavagem de dinheiro e a importância do instituto do compliance para a prevenção e repressão do delito em questão. Para tanto, procurou-se realizar uma breve introdução histórica do crime de lavagem de capitais ou valores monetariamente significativos, trazendo a forma como as primeiras legislações trataram sobre o tema, bem como evolução das práticas criminosas que acarretam o delito mencionado. Analisa-se, ainda, a forma como a legislação brasileira tratou do delito, desde a primeira previsão no direito interno do crime mencionado, bem como as sucessivas revisões legislativas posteriores, que culminaram na atual lei criminalizadora e na forma específica de previsão da conduta penalmente relevante. Em seguida, adentrou-se na análise do instituto de controle interno a ser adotado pelas entidades privadas, que comumente passou-se a denominar-se de compliance, tecendo breves considerações sobre a forma como o direito externo trata do assunto e as figuras correlatas criadas a partir de tais inovações jurídicas. Em tópico distinto, procurou-se discorrer sobre a análise específica da previsão legislativa interna quanto ao referido instituto e qual a forma criada para tentar incentivar a criação e implementação dos programas de controle interno no âmbito das corporações privadas. Posteriormente, interligando-se os dois institutos, investigou-se a forma com que os programas de compliance implementados pelas empresas privadas podem auxiliar no controle e combate ao crime de lavagem de dinheiro, devendo ser tratados como grandes aliados às autoridades públicas que visam combater o delito que coloca em risco a própria estabilidade do sistema financeiro mundial. E, em conclusão, buscou-se incentivar o debate sobre os temas inovadores, deixando aberta a possibilidade de posteriores considerações sobre os temas ora analisados.
Palavras-chave: Lavagem de Dinheiro, Compliance, Direito Comparado, Controle Interno.
1. INTRODUÇÃO
A grande circulação de capital no mundo globalizado, além de fomentar as economias mundiais e auxiliar na expansão das atividades empresariais, gerou também maior ocorrência do crime de lavagem de dinheiro, uma vez que a facilidade para realização de operações financeiras acarreta maior dificuldade na descoberta da origem dos capitais que circulam no sistema financeiro.
Um dos efeitos resultantes da facilidade em realizar operações financeiras foi o aumento da própria complexidade das transações necessárias para transferir o capital, sendo possível agora efetivar diversas e simultâneas transferências de dinheiro pelo mundo. Com isso, afasta-se cada vez mais a possibilidade dos entes fiscalizadores verificar a origem daquele capital circulante, sendo essa a maior dificuldade para os profissionais que buscam prevenir e reprimir o crime de lavagem de dinheiro.
O problema acarretado pela perpetuação da lavagem de capitais é mais grave do que se pode imaginar, uma vez que o aumento da circulação de capital ilícito no mundo coloca em risco a estabilidade do próprio sistema financeiro mundial, sendo previsto pelo COAF[1] que cerca de US$500 bilhões de dólares (aproximadamente 2% do PIB mundial) são decorrentes da prática de crimes antecedentes à lavagem de dinheiro (tráfico de droga, terrorismo, corrupção, entre outros).
Este artigo possui o intuito de explorar, de forma breve, a forma como as instituições privadas podem auxiliar no combate ao crime de lavagem de dinheiro, através do planejamento, implementação e fiscalização de um rígido programa de compliance interno, sendo um instrumento aliado à prevenção do crime de ocultação e dissimulação de capitais.
- LAVAGEM DE DINHEIRO
2.1) Considerações Sobre a Lavagem de Capitais
Apesar de a origem histórica do crime de lavagem de capitais remontar à Inglaterra do Século XVII – com a crescente prática do crime de pirataria nas embarcações[2] – a nomenclatura “lavagem de dinheiro” somente surgiu quando o famoso mafioso Al Capone adquiriu várias lavanderias nos anos 20 em Chicago para aplicar (e dissimular) a origem do seu vultoso capital ilícito adquirido pela prática de crimes de contrabando, extorsão, entre outros.
O crime de lavagem de dinheiro ganhou notoriedade a partir da Convenção da ONU contra Tráfico Ilícito de Entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas, comumente denominada de Convenção de Viena de 1988, internalizada no direito brasileiro pelo Decreto 154, de junho de 1991, que no seu artigo 3º previu a recomendação para que os países reprimam delitos dessa espécie.
Respeitando o compromisso internacional firmado pelo Brasil, foi editada a Lei Ordinária nº 9.613/98 prevendo pela primeira vez no direito interno a tipificação do delito de lavagem de dinheiro.
O ilustre doutrinador José Paulo Baltazar Junior assim conceitua o delito em questão:
“A lavagem de dinheiro pode ser conceituada como atividade de desvinculação ou afastamento do dinheiro de sua origem ilícita para que possa ser aproveitado.” (BALTAZAR JUNIOR, 2017, p. 1.084)
Constituindo-se pela conduta do agente que busca reaplicar em atividades lícitas o dinheiro adquirido de forma ilegal, a lavagem do capital ocorre quando há intuito de dar aparência legítima ao valor monetário a ser reaplicado na economia, burlando não só a fiscalização das autoridades públicas, mas também à própria sociedade, que sequer desconfia de que aquele estabelecimento é financiado com dinheiro proveniente de crimes.
Considerando, portanto, que faz-se necessário utilizar dinheiro proveniente de condutas criminosas para a subsunção do crime de lavagem de dinheiro, é sempre necessária a prática de um delito anterior do qual decorram efeitos financeiros, já que somente através do recebimento do capital “contaminado” (de ilegalidade), haverá a possibilidade de configurar o objeto material do crime em questão.
Assim, recebendo o capital ilícito (repita-se, proveniente de conduta criminosa anterior), o agente (ou terceiro) o utiliza, de forma simultânea ou sucessiva, ocultando ou dissimulando a origem daqueles valores monetários, burlando assim, a fiscalização quanto à legalidade do capital injetado na economia.
Nesse aspecto, a legislação que tipifica a conduta delituosa do crime de lavagem de capitais é comumente dividida em gerações, sendo tal classificação utilizada para distinguir a forma como a lei prevê os crimes antecedente (necessários para gerar a renda a ser transformada, conforme já visto acima).
A primeira geração legislativa prevê como crime antecedente apenas o crime de tráfico de drogas, sendo esse o primeiro delito identificado como possível gerador dos crimes subsequentes de ocultação ou dissimulação dos valores provenientes da conduta criminosa anterior (conforme previsto na Convenção de Viena de 1998 já citada acima).
Diante da constatação de que o crime de lavagem de dinheiro começou a ser perpetrado em razão do lucro adquirido pela prática de outros delitos, a legislação evoluiu com a previsão de um rol mais extenso dos crimes antecedentes (alcançando o que se denomina de segunda geração), passando a estipular, além do crime de tráfico de drogas, os crimes de terrorismo, corrupção, extorsão e outros delitos em que facilmente se verificava o recebimento de vultosas quantias para serem reaplicadas na economia.
Mas, diante da criatividade dos agentes criminosos, que exigia intensa e periódica revisão na lei, a terceira geração legislativa, ao invés de prever um rol exaustivo de crimes antecedentes, estabelece a ampla possibilidade de qualquer conduta criminosa (da qual advenham lucros) poder ser classificada como crimes antecedente à lavagem, bastando, portanto, que o haja algum bem, valor ou dinheiro a ser objeto da lavagem.
Diante desses esclarecimentos, nota-se que o Brasil, quando editou originalmente a lei tipificadora do crime de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98) se posicionou entre a segunda e terceira geração legislativa, uma vez que estabeleceu expressamente um rol de crimes antecedentes, mas ao mesmo tempo, trouxe uma cláusula penal aberta para estipular a possibilidade de qualquer crime ser considerado antecedente à lavagem, sendo apenas exigível que sua prática ocorresse através de organização criminosa (art. 1º, VII).
Com a alteração legislativa promovida pela Lei 12.683/2012 o Brasil suprimiu o rol de crimes antecedentes e definitivamente se inseriu na terceira geração legislativa ao estabelecer que qualquer infração penal (crime ou contravenção) poderá ser considerada como conduta antecedente, bastando que o agente receba valores ilícitos para serem objeto da ocultação ou dissimulação.
Mas a alteração legislativa não é imune de controvérsias, tendo parte da doutrina se posicionado de forma crítica à abertura demasiada do tipo penal antecedente. Nesse sentido, pode-se citar:
“Ao extinguir os delitos prévios, a lei nacional passou a integrar a terceira geração legislativa, o que não impede, entretanto, que tal inovação seja alvo de críticas. Parte da doutrina nacional entende que deveria haver limitação do poder de agir do Estado, sugerindo alguns autores que seja fixado o limite pelo patamar mínimo de apenamento do delito prévio. Mais uma vez, ainda não há estudos suficientes para conclusões sobre a temática.” (CALLEGARI e WEBER, 2017, p.220)
Importante mencionar, ainda, que a ampliação do rol dos crimes antecedentes da lavagem de dinheiro não significa que a legislação não precise evoluir mais, sendo necessária a periódica e contínua revisão de seus termos para que o crime de lavagem permaneça sendo reprimido pelos entes estatais, já que é conduta criminosa extremamente prejudicial à economia mundial, conforme já visto.
2.2) Pessoas Sujeitas e Obrigações Impostas pela Lei 9.613/98
A Lei nº 9.613/98, em sua redação original, inseriu no art. 9º um rol de pessoas que se submetem às obrigações de fiscalizar e informar às autoridades de controle sobre atividades suspeitas que possam ser utilizadas como forma de lavagem de dinheiro.
São atividades que normalmente envolvem vultosas quantias de dinheiro, sendo portanto, passíveis de serem utilizadas como forma de ocultar e dissimular a origem do capital ilícito, podendo ser citadas de forma exemplificada, as instituições financeiras, seguradoras, bolsas de valores, comércio de joias, objetos de arte, etc.
Mas, ainda com a colaboração desses participantes no processo fiscalizatório, verificou-se uma grande deficiência no sistema de controle para prevenção do crime de lavagem de dinheiro, que permanece sendo praticado a passos largos ao redor do mundo.
Nesse sentido, foi necessário ampliar o rol de obrigações dos colaboradores previstos no art. 9º, sempre com intuito de acompanhar a evolução criminosa e tentar reduzir a perpetuação do crime objeto desse estudo. Assim, a Lei 12.683/2012 inseriu novas condutas obrigacionais impostas às pessoas mencionadas no art. 9º da Lei nº 9.613/98, sendo considerada uma grande inovação a determinação legal para adoção de políticas de controles internos das suas próprias atividades.
Dispõe o inciso III do art. 10 da Lei 9613/98 (modificada pela Lei 12.683/2012):
“Art. 10. As pessoas referidas no art. 9º:
…
III – deverão adotar políticas, procedimentos e controles internos, compatíveis com seu porte e volume de operações, que lhes permitam atender ao disposto neste artigo e no art. 11, na forma disciplinada pelos órgãos competentes;”
O intuito do legislador com a inserção de tal dispositivo foi o de impedir que a prática criminosa continue se enraizando no seio das corporações brasileiras, fato notoriamente revelado através da conhecida “Operação Lava-Jato” no Brasil, quando foi desmascarada a utilização de grande quantidade de capital “contaminado” por ilicitude (especialmente o crime de corrupção) dentro das próprias empresas privadas.
Salienta-se, ainda, que o referido art. 10, III, é considerado o grande marco no Brasil do sistema denominado Compliance, passando a ser previsto na lei como uma obrigação imposta (e não facultativa) para as empresas que utilizam grande quantidade de capital em suas atividades diárias.
- COMPLIANCE
- Considerações Iniciais
A doutrina comumente indica que o termo compliance tem origem no verbo em inglês “to comply”, que significa agir de acordo com uma regra.
Assim, pode-se dizer que o regime de compliance imposto às empresas significa:
“O ato ou procedimento para assegurar o cumprimento das normas reguladoras de determinado setor”.[3]
Criminalmente falando, o tema do compliance ainda é pouco explorado no Brasil, somente tendo adquirido maior importância a partir do momento que viu-se possível a responsabilização pessoal dos dirigentes das instituições financeiras por omissões de fiscalização dos crimes praticados através das empresas.
A partir do momento em que se vislumbrou a possibilidade de responsabilizar criminalmente os dirigentes de empresa pela falha na fiscalização da origem do capital que circula pela atividade exercia (ou pela simples conduta omissiva ao não alertar às autoridades estatais das operações suspeitas praticada por seus próprios clientes), as empresas passaram a cuidar do tema e implementar internamente sistemas mais rígidos e efetivos de controle.
Esse sistema de controle interno não significa que as próprias empresas (como ente independente) passam a ser responsáveis pela repressão do delito possivelmente detectado, mas na realidade, serve para contribuir para a prevenção do crime de lavagem de dinheiro, eis que, com a imediata comunicação da suspeita do delito, caberá ao Estado investigar o possível crime financeiro antes que a conduta criminosa se aperfeiçoe, tornando-se ainda mais difícil sua detecção.
Nesse aspecto, a grande e importante figura criada pelas empresas como a personificação do sistema de compliance foi a dos Compliance Officers, sendo funcionários cuja função seria justamente a de criar o programa de controle interno e principalmente fiscalizar sua correta aplicação no âmbito das atividades empresariais privadas.
Com a criação dessa nova função interna nas empresas, a doutrina estrangeira começou a debater qual seria a responsabilidade penal desses funcionários (Compliance Officers) quando o sistema de controle não conseguir detectar que uma operação foi originada com capital ilícito, acarretando a circulação do dinheiro e a consequente consumação do crime de lavagem de capitais.
De acordo com os Tribunais alemães, os Compliance Officers teriam plena responsabilidade penal pela falha (proposital ou não – ou seja, com dolo ou culpa) na fiscalização de uma operação suspeita, conforme se detona da notícia abaixo colacionada:
“Recentemente, na Alemanha, por exemplo, o BGH (Bundesgerichthof) condenou um Compliance Officer por entender que este, ao assumir a responsabilidade pela prevenção de crimes no interior da empresa, assume também uma posição de garante e, portanto, deve ser punido criminalmente por ter assumido a responsabilidade de impedir o resultado e por ter obrigação de cuidado, proteção e vigilância[4]”.
No Brasil, a inserção da posição de garante dos Compliance Officers se mostra mais dificultosa, já que o art. 13, §2º do Código Penal não nos leva a uma presunção da posição de garantidor no caso, tendo o legislador previsto expressamente as situações nas quais permite-se o reconhecimento da posição de responsável penal. E diante da leitura atenta do diploma legal mencionado, não nos parece ser possível realizar uma leitura extensiva para incluir os tais funcionários como responsáveis penalmente pela função exercida na empresa, sob pena de adotarmos a teoria de responsabilidade penal objetiva, absolutamente rechaçada – e com muita razão – no Direito Penal brasileiro.
Outra questão que deve ser analisada, é o questionamento surgido quando mencionada a figura dos Compliance Officers em comparação com a função exercida pelos dirigentes das empresas (diretores, sócios, membros de conselhos).
Nos casos em que haja funcionários cuja funções sejam apenas e tão somente a de fiscalizar e implementar o programa de controle interno (Compliance Officers), somente eles responderiam pelas falhas no sistema adotado ou haveria nesse caso uma co-responsabilidade penal dos dirigentes da sociedade?
Parece que nenhuma das hipóteses se mostra possível, já que considerar apenas os Compliance Officers responsáveis por quaisquer falhas decorrentes do programa de controle interno acarretaria na criação de uma espécie de “bode expiatório” dentro daquela empresa, responsabilizando-os até mesmo por fatos que sequer teriam conhecimento ou controle. Da mesma forma, também não se revela possível, salvo melhor juízo, a responsabilização dos dirigentes pelo simples fato de se posicionarem em cadeiras de controle da empresa, já que, nesse caso também ensejaria a aplicação da teoria da responsabilidade penal objetiva (punindo o dirigente pelo simples estado de fato e não necessariamente por alguma conduta penalmente relevante que tenha praticado).
Na realidade, conclui-se que não se deve permitir o distanciamento das teorias clássicas de Direito Penal, ainda quando as condutas criminosas se mostrem inovadoras pelos agentes que a perpetuam. Portanto, no meu entender, data máxima vênia aos que possuem raciocínio diverso, somente haverá responsabilidade penal (tanto dos Compliance Officers, como dos dirigentes da pessoa jurídica facilitadora do crime) apenas e tão somente nas hipóteses em que as condutas por eles praticadas subsumirem-se nos respectivos tipos penais, devendo ser sempre avaliado, caso a caso, se aquela ação ou omissão teria derivado de conduta culposa ou dolosa.
- Previsão Legal do Compliance no Brasil
No Brasil, apesar de ainda tímida a aplicação dos institutos supra mencionados, editou-se o Decreto nº 8.420/2015 que inovando sobre o tema criou o “Programa de Integridade”, tendo assim previsto:
“Art. 41. Para fins do disposto neste Decreto, programa de integridade consiste, no âmbito de uma pessoa jurídica, no conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira.”
Assim, a prática desta governança corporativa ganhou especial destaque dentro das estruturas empresariais, especialmente naquelas que possuem como atividade grande circulação de capitais e valores.
E como forma de estimular a criação de referidos programas de controle, previu-se na referida legislação infralegal a possibilidade de considerar como circunstâncias atenuantes em eventuais sanções administrativas aplicadas às empresas (pela prática de crimes contra a Administração Pública) os programas de compliance existentes, sendo assim previsto no art. 5º, §4º do mencionado Decreto:
“Art. 5º, §4º Caso a pessoa jurídica apresente em sua defesa informações e documentos referentes à existência e ao funcionamento de programa de integridade, a comissão processante deverá examiná-lo segundo os parâmetros indicados no Capítulo IV, para a dosimetria das sanções a serem aplicadas.”
Verifica-se, portanto, que o Estado vem buscando ampliar a aplicação do instituto do compliance pelas empresas privadas, tentando estimular a colaboração das empresas privadas no controle interno realizado pelas próprias instituições. E, apesar de ainda haver possibilidade para grande aumento da aplicação do instituto, o incentivo já previsto na lei brasileira deve ser visto com bons olhos, servindo de ponto de entrada para a implementação dos controles internos nas empresas privadas.
- UTILIZAÇÃO DO COMPLIANCE PARA PREVENÇÃO DO CRIME DE LAVAGEM DE CAPITAIS
Como já visto anteriormente, a função repressiva do crime de lavagem de dinheiro é insuficiente para a identificação de todas as suas ocorrências, uma vez que a complexidade das operações financeiras acarreta, muitas vezes, perda da origem daqueles valores financeiros, distanciando-se cada vez mais da sua origem ilícita – sendo esse justamente o intuito da prática do crime de lavagem.
Nesse aspecto, aumenta de importância a hipótese de prevenção do delito mencionado, já que torna-se muito mais fácil controlar as atividades criminosas financeiras antes da dispersão do capital ilícito na economia.
Revela-se interessante mencionar que o combate ao crime de lavagem de capitais ganhou um importante aliado com a edição da Lei 9.613/98, tendo sido criado neste diploma normativo um órgão específico para fiscalização e repressão da prática criminosa. Referido órgão, que permanece exercendo essa função essencial até os dias de hoje, é denominado Conselho de Controle de Atividades Financeiras (“COAF”), integrante do Ministério da Economia (desde 2019).
Espera-se que a ampliação dos programas de compliance implementados pelas empresas privadas leve ao aumento da fiscalização dos crimes financeiros objeto deste artigo, e com isso, acarrete maior identificação dos crimes, principalmente nas etapas anteriores à intensa dispersão do capital ilícito na economia, pois como visto acima, apresenta-se de grande dificuldade a localização do capital contaminado a partir do momento em que estiverem interligados e devidamente aplicados na econômica com aparência de licitude.
Assim, as empresas privadas devem ser vistas pelo Estado como grande aliadas à função preventiva das atividades criminosas de lavagem de dinheiro, tendo um enorme potencial de auxiliar as autoridades policiais para acompanhar todo o trajeto financeiro realizado pelos criminosos, o que levará, em última análise, à identificação dos criminosos e à repressão do próprio crime de lavagem de capitais, seguindo-se, assim, o famoso jargão “Follow the Money”, criado a partir do escândalo de corrupção no Governo Americano que denominou-se “Watergate”.
- CONCLUSÃO
Diante das breves considerações acima, verifica-se que o sistema de compliance pelas empresas privadas deve ser muito incentivado pelo Estado, já que apenas com a ajuda das instituições por onde circulam grandes quantidades de dinheiro será possível localizar quais das operações financeiras possuem caráter suspeito para que, então, possam ser investigadas e eventualmente criminalizadas pelo Estado.
Por todo o exposto, revela-se de fácil percepção que o tema ainda é novo e produz grandes e profundos questionamentos, devendo-se buscar, sempre que possível, uma maior uniformidade legislativa entre os países comumente utilizados para a prática das operações financeiras, para que consigam trabalhar em conjunto como forma de prevenir e reprimir de forma mais eficaz a gravíssima conduta criminosa da lavagem de capitais.
Espera-se que o presente artigo tenha atingido o objetivo de estimular o debate com as brevíssimas considerações sobre a importância dos programas de compliance pelas empresas privadas (e a forma como auxiliam na persecução penal estatal), sabendo-se que resta grande espaço remanescente para os debates de questões relacionadas à implementação dos programas de controle interno e das formas de fiscalização posteriores.
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[1] Disponível em:
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[2] AMORIM, E. N. C. DE; CARDOZO, M. A.; VICENTE, E. F. <b>Os impactos da implementação de controles internos, auditoria e compliance no combate e prevenção à lavagem de dinheiro no Brasil</b> – doi: 10.4025/enfoque.v31i3.15616. Enfoque: Reflexão Contábil, v. 31, n. 3, p. 23-35, 18 dez. 2012.
[3] BLOK, Marcella. A NOVA LEI ANTICORRUPÇÃO E O COMPLIANCE. Disponível em:
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[4] Saavedra, Giovani Agostini. Compliance na Nova Lei de Lavagem de Dinheiro. Revista Síntese, Direito Penal e Processual Penal – Ano XIII, nº 75, Ago-Set 2012 – fls. 22-30.