Informativo: 1000 do STF – Direito Processual Penal
Resumo: É inconstitucional a determinação de afastamento automático de servidor público indiciado em inquérito policial instaurado para apuração de crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores.
Comentários:
O indiciamento pode ser definido como a imputação, ainda no inquérito policial, de uma infração penal que tenha sido objeto da apuração. Havendo, pois, indícios de que determinada pessoa perpetrou o crime que é alvo da investigação, cumpre à autoridade policial proceder a seu formal indiciamento. Desde que não se verifique qualquer abuso na decisão da autoridade policial, o indiciamento é um desdobramento natural da instauração do inquérito policial, deflagrado para apuração de um fato típico. De outra parte, se frágil a prova colhida na fase investigativa, levando a pessoa a condição que não vai além de mera suspeita, sem maior lastro probatório, já não mais será cabível o indiciamento, e, se determinado, caracterizará constrangimento ilegal, passível de reparação por meio de habeas corpus.
A partir da implantação do indiciamento, do banco de dados do indiciado passa a constar anotação referente ao inquérito policial no qual foi apontado como suspeito da prática de uma infração penal. De tal forma que sempre que for se valer de um documento do qual conste seus antecedentes, aquela anotação estará presente, em situação capaz de gerar danos pessoais.
Como regra, as consequências do indiciamento – graves por si sós – se limitam às anotações lançadas nos dados sobre os antecedentes do indiciado. Porém, a Lei 9.613/98, que trata da lavagem de dinheiro, prevê importante consequência ao dispor que “em caso de indiciamento de servidor público, este será afastado, sem prejuízo de remuneração e demais direitos previstos em lei, até que o juiz competente autorize, em decisão fundamentada, o seu retorno” (art. 17-D). É dizer: o mero indiciamento, determinado pela autoridade policial, tem o condão de acarretar o afastamento do servidor público de suas funções até decisão judicial em sentido contrário.
Esse dispositivo foi atacado por meio de ação direta de inconstitucionalidade (ADI 4911/DF), ajuizada pela Associação Nacional dos Procuradores da República sob o fundamento de que há usurpação de função pública, na medida em que a formação da opinio delicti, em crime de ação penal pública, é ato privativo do Ministério Público. Sustenta-se, ainda, que a regra malfere os princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa, da presunção da inocência e da inafastabilidade da jurisdição.
No recente julgamento da ação, o STF concluiu que o art. 17-D da Lei 9.613/98 é inconstitucional:
“O afastamento do servidor, em caso de necessidade para a investigação ou instrução processual, somente se justifica quando demonstrado nos autos o risco da continuidade do desempenho de suas funções e a medida ser eficaz e proporcional à tutela da investigação e da própria Administração Pública, circunstâncias a serem apreciadas pelo Poder Judiciário.
Reputa-se violado o princípio da proporcionalidade quando não se observar a necessidade concreta da norma para tutelar o bem jurídico a que se destina, já que o afastamento do servidor pode ocorrer a partir de representação da autoridade policial ou do Ministério Público, na forma de medida cautelar diversa da prisão, conforme os arts. 282, § 2º, e 319, VI, ambos do Código de Processo Penal (CPP).
Ademais, a presunção de inocência exige que a imposição de medidas coercitivas ou constritivas aos direitos dos acusados, no decorrer de inquérito ou processo penal, seja amparada em requisitos concretos que sustentam a fundamentação da decisão judicial impositiva, não se admitindo efeitos cautelares automáticos ou desprovidos de fundamentação idônea.
Por fim, sendo o indiciamento ato dispensável para o ajuizamento de ação penal, a norma que determina o afastamento automático de servidores públicos, por força da opinio delicti da autoridade policial, quebra a isonomia entre acusados indiciados e não indiciados, ainda que denunciados nas mesmas circunstâncias.
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada contra o art. 17-D da Lei 9.613/1998, com redação conferida pela Lei 12.683/2012, que prevê o afastamento automático de servidor público em decorrência do indiciamento policial em inquérito instaurado para apurar crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores.
Com base no entendimento exposto, o Plenário, por maioria, julgou procedente o pedido formulado. Vencidos os ministros Edson Fachin (relator) e Cármen Lúcia e, em parte, o ministro Marco Aurélio” ADI 4911/DF, j. 20/11/2020).
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