Informativo: 620 do STJ – Processo Penal
Resumo: Compete à Justiça Federal julgar crime de compartilhamento ilegal de sinal de TV por assinatura.
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Tem sido comum o acesso fraudulento a canais de TV por assinatura. Em 2014 chegou-se a uma estimativa de que em aproximadamente quatro milhões de domicílios brasileiros ocorria o procedimento ilegal de burlar a criptografia da emissão de canais para obtê-los gratuitamente ou, no mínimo, a custo muito baixo.
Uma das formas de obter o acesso ilegal é a substituição dos decodificadores instalados pelas operadoras por aparelhos eletrônicos que, utilizando decodificação própria, “quebram” a criptografia original e permitem o acesso irrestrito aos canais que deveriam ser pagos. E, não obstante se destinem a um procedimento ilegal, esses aparelhos são encontrados muito facilmente tanto em sítios eletrônicos quanto em locais destinados à compra e venda de aparelhos eletrônicos e de informática. Esta contradição, aliás, foi percebida pelo legislador, pois tramita no Senado Federal o projeto de lei 186/2013, que tipifica especificamente a recepção ilegal de sinal e o comércio de aparelhos decodificadores não certificados.
Paralelamente, ocorrem violações de direitos autorais e à propriedade intelectual, inclusive daquela estabelecida na Lei 9.609/98, que dispõe sobre a proteção da propriedade intelectual de programa de computador e sua comercialização no Brasil.
Ocorre que essas violações apresentam ramificações internacionais, pois a quebra de criptografia é efetuada na Ásia e na Europa por indivíduos que, pela internet, transmitem os dados ao Brasil a outros indivíduos que, também pela internet, promovem a distribuição.
Diante disso, surge a dúvida sobre se a competência de julgamento é da Justiça Estadual ou da Justiça Federal.
O STF já decidiu que o simples fato de um crime ser transnacional não atrai a competência da Justiça Federal, assim, como, aliás, não a atrai o fato de o combate ao crime ser previsto em tratado ou convenção de que o Brasil faça parte. É preciso haver a conjugação desses fatores:
“Deveras, a transnacionalidade, per se, não gera a competência da Justiça Federal. Tampouco a previsão de crime em tratado ou convenção internacional do qual faça para a República Federativa do Brasil, isoladamente, constitui-se como requisito suficiente, à luz da norma constitucional, para deslocar o julgamento, automaticamente, para a Justiça Federal. Consectariamente, exige-se a incidência simultânea da transnacionalidade e da assunção de compromisso internacional de reprimir criminalmente a conduta delitiva, constante de tratados ou convenções internacionais, para que a conduta atraia a competência da Justiça Federal. RE 835558, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 09/02/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-174 DIVULG 07-08-2017 PUBLIC 08-08-2017”.
Baseando-se neste julgado, a Terceira Seção do STJ firmou o entendimento de que o julgamento de crime relativo ao compartilhamento ilegal de sinal de TV compete à Justiça Federal. Isto porque o combate a atos ilegais desta natureza encontra correspondência na legislação internacional, tanto pela Convenção de Berna – incorporada no Brasil pelo Decreto 75.699/75 – quanto por outros mecanismos de proteção aos direitos autorais. Além disso, está presente o requisito da transnacionalidade, dada a relação que se estabelece entre quem fornece inicialmente os dados criptografados e quem os distribui no Brasil.
O STJ considerou, ainda, o fato de que os aparelhos utilizados para a recepção do sinal ilegal não são homologados pela ANATEL, o que, por si, “caracteriza conduta capaz de representar efetivo comprometimento a serviço público relacionado à atividade tecnológica, o que evidencia o interesse jurídico da referida Agência, justificando, também por este motivo, a competência da Justiça Federal, nos termos do art. 109, I, da CF”.
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