O art. 233 do Código Penal pune com detenção de três meses a um ano, ou multa, a conduta de praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público.
Ato obsceno, na lição de Bento de FariaCódigo Penal brasileiro. Rio de Janeiro: Livraria Jacintho Editora, v. 5, p. 144-145 “É todo o fato realizado com manifestações positivas de idoneidade ofensiva ao pudor. É o que pode ofender o pudor dos cidadãos, causar escândalo e ferir a honestidade dos que forem testemunhas.
Indicativo de uma ação física (ato), da sua compreensão se excluem os discursos obscenos, as canções imorais, as propostas torpes etc., aliás suscetíveis de serem punidas por outro título”.
A expressão ato obsceno tem significado relativo, modificando-se de acordo com os valores culturais inerentes à coletividade, que certamente não serão os mesmos em todo o país, além de se modificarem com o passar do tempo. Podemos citar como exemplo o beijo lascivo, que há anos era tido como ato ultrajante ao pudor público, mas, com a evolução dos costumes, deixou-se de assim considerá-lo. Como ressalta Rogério Greco Curso de Direito Penal: parte especial. 10ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2014, v. III, p. 646, este crime “se encontra no rol daquelas infrações penais que requerem uma carga de subjetividade muito grande na sua interpretação, não se podendo, pois, aplicar a ele fórmulas genéricas. Assim, por exemplo, o comportamento de urinar na rua poderá ou não se configurar em ato obsceno. Se o agente está urinando, de modo que ninguém veja seu órgão sexual, embora possa trazer certo desconforto para as pessoas que passam próximas a ele, não o entendemos como obsceno. Agora aquela outra pessoa que, na mesma situação, ao urinar, não se importa com a sua posição, permitindo que seu órgão sexual fique à mostra enquanto se alivia, deverá, segundo entendemos, responder pelo delito em estudo, pois, nesse último caso, o ato será, certamente, mais grave do que o primeiro, importando em maior escândalo. No entanto, temos que confessar, nada é absoluto em termos de conceituação da obscenidade do ato, devendo a sociedade emitir seu juízo de valor sobre seu conceito em determinada época e lugar.
O que não se pode, sob o falso argumento de defesa da coletividade, é radicalizar a ponto de reconhecer qualquer comportamento incômodo como obsceno”.
Essa característica abstrata da expressão ato obsceno faz com que alguns defendam a inconstitucionalidade do crime do art. 233 do CP sob o argumento de que a forma da tipificação contraria o princípio da taxatividade (ou da determinação), dirigido mais diretamente à pessoa do legislador, do qual se exige clareza na elaboração dos tipos penais, que não devem deixar margens a dúvidas, de modo a permitir à população em geral o pleno entendimento de seus termos. Segundo afirma Luiz Luisi Os princípios constitucionais penais. 2ª ed. Porto Alegre: SAFE, 2003, p. 24: “Sem esse corolário o princípio da legalidade não alcançaria seu objetivo, pois de nada vale a anterioridade da lei, se esta não estiver dotada da clareza e da certeza necessárias, e indispensáveis para evitar formas diferenciadas, e, pois, arbitrárias na sua aplicação, ou seja, para reduzir o coeficiente de variabilidade subjetiva na aplicação da lei”.
Com esse fundamento, a Turma Recursal dos Juizados Especiais Criminais do Rio Grande do Sul absolveu, em grau de apelação, um condenado por ter sido flagrado se masturbando em público.
De acordo com o órgão recursal, o art. 233 do CP não pode ser considerado compatível com a Constituição Federal porque, excessivamente aberto, ofende a taxatividade e transfere indevidamente ao Poder Judiciário a tarefa de conferir o grau de determinação da expressão ato obsceno, o que não se pode admitir, tendo em vista que a ordem constitucional atribui essa obrigação ao legislador, a quem, ademais, seria perfeitamente possível impor as devidas balizas para o alcance da norma.
O Ministério Público do Rio Grande do Sul interpôs recurso extraordinário no qual destacou a repercussão geral do tema, pois o debate travado na Turma Recursal é capaz de influir em grande quantidade de casos, especialmente porque o mesmo órgão – único com competência recursal para os crimes de menor potencial ofensivo naquele Estado – tem declarado a inconstitucionalidade de diversos dispositivos de lei federal, como, dentre outros, os artigos 305 do CTB Art. 305. Afastar-se o condutor do veículo do local do acidente, para fugir à responsabilidade penal ou civil que lhe possa ser atribuída: Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa., 330Art. 330 - Desobedecer a ordem legal de funcionário público: Pena - detenção, de quinze dias a seis meses, e multa. e 331 Art. 331 - Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa. do Código Penal e 50 do Decreto-lei 3.688/41 Art. 50. Estabelecer ou explorar jogo de azar em lugar público ou acessivel ao público, mediante o pagamento de entrada ou sem ele: Pena – prisão simples, de três meses a um ano, e multa, de dois a quinze contos de réis, estendendo-se os efeitos da condenação à perda dos moveis e objetos de decoração do local.. Para o Parquet gaúcho, “o debate (…) ultrapassa os limites do interesse subjetivo (…), vinculando-se à defesa da aplicabilidade da norma posta no ordenamento jurídico, porquanto a declaração de atipicidade da conduta sob análise (ato obsceno) provavelmente tornar-se-á em uma nova tendência no órgão julgador”.
Por meio do plenário virtual, o STF considerou inequívoca a natureza constitucional da matéria, pois a atipicidade da conduta foi estabelecida por ofensa direta a dispositivo da Constituição Federal (art. 5º, XXXIXXXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;), o que implica a conclusão de que, se acolhida a tese ventilada no extraordinário, a decisão recorrida terá contrariado o dispositivo constitucional.
Também foi reconhecida a repercussão geral, exatamente porque “o órgão jurisdicional prolator do acórdão recorrido consiste no único que, no Estado do Rio Grande do Sul, possui competência para processar e julgar recursos que versem sobre delitos de menor potencial ofensivo e, consequentemente, sobre o tipo penal em análise. Nesse contexto, as decisões da Turma Recursal dos Juizados Especiais Criminais, se não possuem efeito vinculante, exercem inequívoco efeito vinculativo, fazendo as vezes, naquele Estado, de vetor interpretativo da atuação das demais autoridades, não apenas jurisdicionais, que operam no âmbito dos delitos em questão”.
Fez-se ainda referência ao fato de que o fundamento de outras decisões da mesma Turma Recursal a respeito da inconstitucionalidade dos artigos 50 do Decreto-lei 3.688/41 e 305 do CTB acabou sendo utilizado não só em grau recursal, mas também na primeira instância e nos órgãos policiais do Estado do Rio Grande do Sul, que deixavam de planejar e executar ações repressivas, obstando completamente qualquer perspectiva positiva sobre a persecução penal. E, nestes casos, o STF também reconheceu a repercussão geral e igualmente analisará se os dispositivos penais contrariam a Constituição Federal.
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