O crime de roubo, como sabem todos, consiste em subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa. Há situações, no entanto, em que identificar a vítima do dano patrimonial pode não ser tão simples quanto parece.
Imaginemos a situação em que duas pessoas negociam um veículo, que deve ser pago em dinheiro. O comprador comparece no local combinado, entrega o dinheiro ao vendedor e, enquanto se dá a conferência, um assaltante surpreende a ambos e rouba o numerário. Indaga-se: houve o pagamento? Quem é a vítima do prejuízo patrimonial? A dúvida, evidentemente, não reflete na tipificação da conduta em si, mas pode ter reflexo no processo penal, e uma decisão tomada pelo STJ ajuda a solucionar o problema.
No julgamento do recurso especial 1.705.305/SP (j. 20/05/2018), a Terceira Turma do STJ se deparou com a seguinte situação: em razão de um contrato de compra e venda de imóvel, no qual havia sido estabelecido o pagamento de parcelas em dinheiro, o devedor compareceu na imobiliária responsável pelo negócio e efetuou a entrega da quantia de R$ 150.000,00. Enquanto o representante da imobiliária fazia a conferência, foram todos surpreendidos pelo roubo de todo o dinheiro.
Diante disso, instalou-se a dúvida sobre se o pagamento poderia ser tido por efetuado. Em primeira e segunda instâncias, considerou-se que a tradição ainda não havia sido concluída porque a violenta subtração inviabilizou a conclusão da transação, razão por que persistia o dever de efetuar o pagamento. Ainda segundo o Tribunal de Justiça de São Paulo, “não cuidando o Código Civil especificamente da obrigação pecuniária, é consenso na doutrina que esta modalidade de obrigação (pecuniária) atrai em parte o regime jurídico das obrigações de dar coisa incerta, porque a fungibilidade do objeto da prestação determina a atribuição dos riscos ao devedor, valendo a antiga regra – genus non perit [o gênero não perece]”.
Mas a ministra Nancy Andrighi, após discorrer a respeito da natureza da obrigação de pagar quantia certa, e concluir que não se trata de obrigação de dar coisa certa nem de dar coisa incerta, mas de obrigação autônoma ou especial – porque, embora o devedor se vincule a uma obrigação de dar, o dinheiro não é coisa, mas algo correspondente ao preço das coisas –, decidiu que a prestação há de ser considerada quitada. A ministra fez referência ao fato de que não se há de confundir a tradição com a quitação, sendo certo que, tratando-se de obrigação de pagar quantia certa, a tradição se dá com a simples entrega do dinheiro pelo devedor, que, até este momento, não pode alegar, contra o credor, a perda da quantia devida – mesmo diante de caso fortuito ou força maior –, ao passo que, uma vez efetuada a tradição, com a inversão da posse, o risco pela perda do numerário se transfere de imediato ao credor, independentemente de qualquer outra circunstância.
Mas por que isso tudo poderia ter algum reflexo no processo penal?
É que o art. 387, inciso IV, do CPP estabelece que, no momento em que profere a sentença condenatória, o juiz “fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido”. Com efeito, é obrigação do juiz – como se extrai do texto legal –, ao condenar o réu, fixar um valor mínimo, em prol da vítima, para reparação dos danos causados pela infração, considerados os prejuízos sofridos. Não se trata de um quantum a ser liquidado na esfera civil, mas de um valor certo e determinado que, por isso, enseja sua execução por quantia certa.
Ora, se o juiz deve estabelecer o valor mínimo de indenização em benefício do ofendido, que pode ajuizar imediata execução, é preciso saber com exatidão quem sofreu os efeitos patrimoniais decorrentes da ação delituosa, e, no caso de um roubo ocorrido no momento em que se efetua o pagamento em dinheiro, impõe-se que se estabeleça, antes, se o pagamento de fato ocorreu para, a partir disso, determinar se o prejudicado é o credor ou o devedor.
Não se pode negar que, na prática, é de muito pouca efetividade a regra que estabelece a imposição de indenização por prejuízos decorrentes do crime, que na grande maioria das vezes é cometido por quem não tem a menor condição financeira de reparar o dano que causou. O fato de que trata a decisão do STJ seria certamente um exemplo disso. Não deixa de ser interessante, todavia, abordar estas questões inusitadas que, por isso mesmo, podem ser inclusive objeto de questionamentos em provas e concursos.
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