Temos visto, especialmente após 11 de setembro de 2001, a implementação de diversas medidas preventivas e repressivas de atos terroristas em todo o mundo. Desde então, iniciaram-se protocolos para lidar com as situações de risco e aprovaram-se leis que inauguraram medidas excepcionais para prevenir ataques iminentes ou mesmo para investigar ataques já ocorridos.
No tocante à prevenção de atos terroristas, o emprego da tortura talvez tenha provocado o mais acalorado debate. Afinal, na iminência de um ataque, seria legítimo que o Estado empregasse técnicas de tortura para obter informações e impedir a morte de inocentes? Em caso positivo, qual seria a natureza jurídica dessa medida?
Inicialmente, cabe-nos sucintamente definir a Ticking Bomb Scenario Theory (Teoria do Cenário da Bomba-Relógio) como a situação extrema e emergencial na qual um agente estatal, com o propósito de obter informações específicas e essenciais, tortura suspeitos de conhecer ou integrar planos de ataques terroristas iminentes – que, portanto, expõem a perigo a vida de um grande número de pessoas –, a fim de que se possa prevenir a ocorrência de tais ataques.
Há quem sustente ser admissível o emprego de tortura para impedir um ato terrorista iminente sob o argumento de que, no âmbito dos direitos e garantias fundamentais, nada pode ser mais importante do que a vida. É fato que, no geral, o arcabouço normativo de tutela dos direitos humanos obsta que o Estado lance mão de métodos cruéis de investigação, mas, diante de situações nas quais dezenas, centenas ou milhares de vidas são expostas a perigo iminente, justifica-se a flexibilização dessa tutela para a preservação de um bem maior. A tortura é, portanto, um mal menor. Em outras palavras, quando um Estado de direito de vê diante de dois males, a solução é escolher – não sem a imposição de controles e limites – aquele capaz de produzir o menor dano e de proporcionar o maior benefício às pessoas.
Por outro lado, há quem argumente ser absolutamente inadmissível o emprego de tortura, ainda que se trate de prevenir um ataque terrorista iminente. Sustenta-se que o sistema de proteção aos direitos humanos não admite nenhuma exceção para a imposição de métodos cruéis de investigação, que, uma vez permitidos, tendem a se expandir perigosamente independentemente da disposição inicial para que se estabeleçam limites.
Nessa linha, dizem os críticos, a tortura que no início se justificaria para prevenir um ato hostil iminente (efetivamente prestes a acontecer) pode começar a ser utilizada para justificar a obtenção de informações sobre planos de ataques que, embora não iminentes, acontecerão certamente num futuro próximo. E, daí, pode passar a ser utilizada sobre planos que, mesmo sem indicação precisa, poderão ser postos em prática no futuro. Ademais, a tortura que inicialmente poderia ser empregada apenas contra um comprovado integrante de um grupo terrorista pode ser ampliada, por exemplo, para abarcar familiares próximos diante da probabilidade de que possam fornecer informações relevantes.
Não seria adequado, além disso, contrapor, na esfera dos direitos e das garantias fundamentais, a integridade física e psíquica à vida, tanto que, no direito de guerra, veda-se absolutamente o emprego da tortura, embora evidentemente se admita a morte entre os contendores. Aliás, o emprego da tortura, para além de simplesmente atingir a integridade física e psíquica do torturado, transforma-o num objeto, num simples instrumento para a obtenção de informações, razão pela qual a dignidade humana lhe impõe um obstáculo intransponível.
Mas a controvérsia em torno do tema não se resume à admissibilidade do emprego da tortura. Discute-se também qual a natureza jurídica da medida: estado de necessidade, legítima defesa de terceiro, autorização ex ante ou justificação ex post facto?
Não nos parece possível atribuir à medida a qualidade de estado de necessidade.
Consiste esta causa excludente da ilicitude na prática de ato para salvar de perigo atual direito próprio ou alheio. Perigo atual é o presente, que ocorre no momento em que o agente pratica o ato de salvaguarda. E, dadas as circunstâncias em que a tortura se aplicaria, isto é, para impedir um ato terrorista iminente, não nos parece adequado fazer referência ao estado de necessidade.
Não fosse bastante o fato de representar um perigo iminente – e não atual –, o ataque terrorista prestes a acontecer é normalmente provocado por uma agressão injusta de outra pessoa, o que nos conduziria em direção à legítima defesa. Há ainda o fato de que o estado de necessidade se baseia na inevitabilidade do mal a ser causado para a preservação de direito próprio ou alheio, o que, conjugado com a iminência – e não atualidade – do perigo impõe a seguinte questão: a tortura é realmente o único meio capaz de obter a informação e impedir o ataque terrorista?
Há os que sustentam se tratar de um caso de legítima defesa de terceiro, baseando-se em uma regra de caducidade. Alguém que comete um ato terrorista perde sua dignidade humana justamente porque pratica um ato humanamente indigno (consiste a caducidade, portanto, na perda da dignidade por ato do próprio agente), o que proporciona ao Estado reagir à injusta agressão desconsiderando a dignidade humana do terrorista. Ademais, se a legítima defesa permite que o agente mate quem o agride, não há por que impedi-lo de torturar para repelir a injusta agressão.
Já no que diz respeito à autorização ex ante, seus defensores sustentam que o emprego da tortura deve decorrer de uma autorização judicial, denominada “mandato de tortura”, que só pode atingir não inocentes, ou seja, pessoas diretamente relacionadas com planos de atos terroristas. A vantagem deste método seria a prevenção do excesso, proporcionando maior segurança tanto aos cidadãos quanto aos próprios agentes estatais.
Por fim, há os que advogam a justificação ex post facto, segundo a qual o agente estatal, diante de uma situação extrema e próxima da catástrofe, pode empregar métodos de tortura, mas sua conduta será analisada posteriormente por magistrados, podendo ou não ser ratificada. Embora possa conferir maior dinâmica aos atos destinados a impedir o ataque terrorista, este método sofre críticas porque submete a incerteza o agente estatal, que não sabe se sua conduta será considerada conforme ou contrária ao direito.
Para se aprofundar no tema, recomendamos o livro TERRORISMO: ASPECTOS CRIMINOLÓGICOS, POLÍTICO-CRIMINAIS E COMENTÁRIOS À LEI 13.260/2016