A Lei nº 12.654/12 introduziu na Lei de Execução Penal o art. 9º-A, segundo o qual os condenados por crime praticado, dolosamente, com violência de natureza grave contra pessoa, ou por qualquer dos crimes hediondos, serão submetidos, obrigatoriamente, a identificação do perfil genético, mediante extração de DNA, por técnica adequada e indolor.
A identificação aqui imposta (tratando-se da fase de execução da pena) não serve, necessariamente, para subsidiar investigação criminal em curso, muito menos para esclarecer dúvida eventualmente gerada pela identificação civil (ou mesmo datiloscópica), tendo como fim principal abastecer banco de dados sigiloso, a ser regulamentado pelo Poder Executivo. Trata-se portanto de providência que pode servir para investigação futura.
O § 1º do dispositivo estabelece que a identificação do perfil genético deve ser armazenada em banco de dados sigiloso, regulamentado pelo Poder Executivo, ao qual a autoridade policial, federal ou estadual, tem acesso somente mediante requerimento ao juiz competente, no caso de inquérito instaurado.
A entrada da lei vigor provocou imediato debate a respeito de sua constitucionalidade.
Para alguns, a inovação é inconstitucional porque configura verdadeiro direito penal do autor (remontando ao conceito de “criminoso nato” de Enrico Ferri), fere a segurança jurídica, desequilibra a balança da punição x garantias e é campo fértil para abusos.
Pensamos diferente, no entanto. A medida é salutar quando se pensa num Estado que deve ser eficiente no combate à crescente criminalidade (garantismo positivo), sem desconsiderar as garantias do cidadão (garantismo negativo). Criticamos, apenas, aqueles que se pronunciam interpretando a lei no sentido de ser obrigatório o fornecimento do material pelo condenado. Isso nos parece inconstitucional e não convencional. É assegurado a todos o direito de não produzir prova contra si (nemo tenetur se detegere). Logo, deve o Estado, através de métodos não invasivos (salvo se o preso concordar com tais procedimentos) colher material desprendido do corpo do reeducando para servir à identificação genética. O Estado não está impedido de usar vestígios para colher material útil na identificação do indivíduo. Não há nenhum obstáculo para sua apreensão e verificação (ou análise ou exame). São partes do corpo humano (vivo) que já não pertencem a ele. Logo, todas podem ser apreendidas e submetidas a exame normalmente, sem nenhum tipo de consentimento do agente ou da vítima (ex.: exame do DNA, da saliva que se achava nos cigarros fumados e jogados fora pelo condenado).
Independentemente de qualquer debate, o Comitê Gestor da Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos editou a Resolução de nº 3, de 26 de março de 2014, que trata do “procedimento unificado” para a coleta do material genético a informar o banco nacional de perfis genéticos. Referida resolução proíbe a coleta de sangue como técnica a ser empregada (art. 2º, § 2º) e, principalmente, determina que, havendo recusa, será consignada em documento próprio e informada à autoridade judiciária.
O movimento pela inconstitucionalidade do procedimento prosseguiu, todavia, culminando no ajuizamento de recurso extraordinário no STF, que reconheceu a repercussão geral.
Sustenta-se no recurso (RE 973.837/MG) que a implantação de bando de dados com material genético viola o princípio constitucional da não autoincriminação. O recurso foi admitido com repercussão geral diante da relevância da matéria, com claro fundamento constitucional. Além disso, como destaca o próprio tribunal, a colheita de material genético de criminosos violentos tem sido uma tendência mundial e, da mesma forma, é questionada em diversos países. O Tribunal Europeu de Direitos Humanos já enfrentou alguns casos envolvendo o mesmo assunto, onde decidiu que as informações genéticas encontram proteção jurídica na inviolabilidade da vida privada. Em um dos casos, julgado em 2008, o Reino Unido foi condenado pela Corte Europeia de Direitos Humanos (caso S. AND MARPER vs. THE UNITED KINGDOM – UK, 2008). A Corte decidiu que os Estados que possuem amostras de DNA de indivíduos presos, mas que foram posteriormente absolvidos ou tiveram suas ações retiradas, não devem manter as informações dos custodiados, devendo destruí-las.
O recurso extraordinário ainda tramita e, nos dias 25 e 26 de maio, haverá audiências públicas nas quais serão debatidos os aspectos técnicos da colheita de material genético nas investigações forenses.
Nas audiências serão ouvidos operadores do direito, peritos criminais brasileiros e estrangeiros vindos do Departamento de Polícia Criminal da Alemanha e do Federal Bureau of Investigation (FBI), além de uma americana que em 1989 foi vítima do crime de estupro. Naquele caso, graças à colheita de DNA, cujo resultado foi armazenado em um banco de dados, foi possível, mesmo depois de alguns anos, identificar e punir o criminoso.
Para se aprofundar, recomendamos:
Curso: Carreira Jurídica (mód. I e II)
Curso: Intensivo para o Ministério Público e Magistratura Estaduais + Legislação Penal Especial