Informativo: 604 do STJ – Direito Penal e Processual Penal
Resumo: A utilização de terceiros para aquisição de moeda estrangeira para outrem, ainda que tenham anuído com as operações, se subsume à conduta tipificada no art. 21 da Lei nº 7.492/1986. E não há violação do art. 28 do CPP na reconsideração, pelo Ministério Público, de sua própria promoção de arquivamento do inquérito policial.
Comentários:
O art. 21 da Lei nº 7.492/86 pune as condutas de atribuir-se ou atribuir a terceiro falsa identidade para realização de operação de câmbio. Trata-se de figura especial em relação àquela tipificada no art. 307 do Código PenalArt. 307 - Atribuir-se ou atribuir a terceiro falsa identidade para obter vantagem, em proveito próprio ou alheio, ou para causar dano a outrem: Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa, se o fato não constitui elemento de crime mais grave., que pune a falsa identidade que o agente comete visando à obtenção de qualquer vantagem.
As operações de câmbio consistem, no geral, na troca da moeda de um país pela moeda de outro. O mercado de câmbio é regulamentado e fiscalizado pelo Banco Central do Brasil, cuja função é manter a higidez e a credibilidade de operações que, segundo o próprio órgão, compreendem, além da compra e venda de moeda estrangeira, “as operações em moeda nacional entre residentes, domiciliados ou com sede no País e residentes, domiciliados ou com sede no exterior e as operações com ouro-instrumento cambial, realizadas por intermédio das instituições autorizadas a operar no mercado de câmbio pelo Banco Central, diretamente ou por meio de seus correspondentes. Incluem-se no mercado de câmbio brasileiro as operações relativas aos recebimentos, pagamentos e transferências do e para o exterior mediante a utilização de cartões de uso internacional, bem como as operações referentes às transferências financeiras postais internacionais, inclusive vales postais e reembolsos postais internacionais”.
A objetividade jurídica do art. 21 é, portanto, a manutenção da regularidade e da credibilidade do mercado financeiro, tendo em vista que a realização de operações ilegais pode provocar desconfiança sobre a seriedade de quem opera no mercado, o que por sua vez pode trazer imensos prejuízos econômicos, especialmente se considerada a volatilidade do mercado de câmbio.
No geral, ensina a doutrina que o crime se caracteriza pelo ato comissivo de imputar a si mesmo ou a terceiro, numa operação de câmbio, a identidade de outra pessoa ou mesmo uma identidade inexistente. Como aponta Guilherme de Souza NucciLeis Penais e Processuais Penais Comentadas, 2009, p. 1112, “o agente pode apresentar-se como pessoa diversa ou pode apresentar terceiro como outra pessoa”.
No julgamento do REsp 1.595.546/PR o STJ foi além e decidiu que o crime se caracteriza inclusive quando o agente determina que terceira pessoa realize a operação de câmbio em seu lugar, ainda que esta pessoa não se apresente com identidade falsa.
No recurso, pretendia-se a declaração de atipicidade das condutas porque os terceiros apenas emprestaram seus nomes para que os verdadeiros atores das operações de câmbio as realizassem. Esses terceiros anuíram e efetuaram pessoalmente as operações sem nenhum tipo de identificação falsificada.
No entanto, o STJ reconheceu a tipicidade argumentando que a utilização dos denominados “laranjas” caracteriza o crime porque as operações são realizadas nessas circunstâncias para ocultar o verdadeiro titular das moedas cambiadas e, com isso, impedir sua identificação e a efetiva fiscalização das movimentações no mercado de câmbio. De fato, se o titular de expressiva quantia de moeda nacional recruta, por exemplo, uma dezena de pessoas para efetuar a troca, cada uma de uma parte do dinheiro para não atrair atenção sobre o alto valor, obsta-se a possibilidade de fiscalizar quem está efetivamente promovendo a troca e de investigar, se for o caso, a legalidade do dinheiro que está sendo objeto da operação. O que importa para a caracterização do tipo, segundo o tribunal, é a “fraude que tenha o potencial de dificultar ou impossibilitar a fiscalização sobre a operação de câmbio, com o escopo de impedir ou constatar a prática de condutas delitivas diversas ou mesmo eventuais limites legais para a aquisição de moeda estrangeira”.
Em tempo, o STJ afastou nulidade arguida no sentido de que teria havido violação do art. 28 do CPPArt. 28. Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender., segundo o qual, se discordar das razões da promoção de arquivamento do inquérito policial, deve o juiz remeter os autos ao Procurador-Geral (ou à Câmara de Coordenação e Revisão, no caso do MPF) para que se ofereça a denúncia, designe-se outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou ainda para que se insista no arquivamento.
No caso, o Ministério Público Federal havia promovido o arquivamento do inquérito ao mesmo tempo em que requeria diligências consistentes na remessa de cópias do feito ao COAF, à Receita Federal e ao Banco Central para investigações. Diante disso, o juiz determinou o retorno dos autos pedindo esclarecimentos ao órgão ministerial, que desistiu expressamente do arquivamento e requereu o prosseguimento da apuração.
Para os autores do recurso, o juiz deveria ter aplicado o art. 28 do CPP em vez de determinar o retorno do feito ao MPF para a realização das diligências. O STJ, entretanto, seguindo a linha do próprio acórdão recorrido, decidiu não ter havido ilegalidade porque o juiz simplesmente detectou uma contradição na manifestação do membro do Ministério Público, que simultaneamente promoveu o arquivamento e pediu diligências. Notificado a esse respeito, o órgão ministerial reconsiderou o arquivamento. Por isso concluiu-se que “Não se constata violação à norma contida no art. 28 do CPP quando integrantes do Ministério Público reconsideram seu próprio pedido prévio de arquivamento, cumulado em contradição com pleito de novas provas, inexistindo ilegalidade no prosseguimento do feito criminal”.
REsp 1.595.546/PR
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