Pode-se definir o interrogatório como sendo a resposta dada pelo acusado (ou investigado) às perguntas que lhe são formuladas para esclarecimento do fato delituoso e suas circunstâncias. Reveste-se de enorme importância – Vicente de Azevedo o considerou “a peça mais importante do processo penal” (RT 133/636) – já que representa a oportunidade em que o agente, de viva voz, no exercício de sua autodefesa, pode apresentar sua versão dos fatos à autoridade que o inquire. A relevância de tal ato foi salientada por Enrico Altavillaapud, Espínola Filho, Curso de processo criminal, 2ª. Ed., 1930, vol. III, p. 21 ao asseverar que “o interrogatório pode, pois, ser proclamado o ato processual mais importante, porquanto, tendo o processo, como precípua finalidade a apuração da culpabilidade ou da inocência do acusado, é claro que toda a atividade processual deste deva ser o centro de polarização de toda a investigação. Quantas vezes, o exame atento e sereno de um interrogatório pode fazer descobrir um indício importante, quando parecia ao observador superficial, ser, tão somente, um protesto seguro e desdenhoso da inocência”.
Apesar de ser disciplinado em detalhes apenas entre os artigos 185 a 196 do CPP, que tratam do ato processual presidido pelo juiz, o interrogatório é também realizado pela autoridade policial no decorrer do inquérito instaurado para apurar a infração penal. No procedimento inquisitorial, no entanto, são aplicáveis – no que forem cabíveis – as regras do interrogatório judicial (art. 6º, inciso V, do CPP)Art. 6º Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá: (...) V - ouvir o indiciado, com observância, no que for aplicável, do disposto no Capítulo III do Título Vll, deste Livro, devendo o respectivo termo ser assinado por duas testemunhas que Ihe tenham ouvido a leitura; .
Dentre as regras do interrogatório judicial aplicáveis no ato inquisitorial está a necessidade de que o agente interrogado seja cientificado acerca de seu direito ao silêncio.
O art. 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal dispõe que “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”. Trata-se de um dos corolários do princípio nemo tenetur se detegere, segundo o qual o agente não é obrigado a produzir prova contra si mesmo.
A falta da formalidade tem algum efeito processual, ou seja, é causa de nulidade?
Nulidade é o vício processual decorrente da inobservância de determinada exigência legal. Ou seja, a lei prevê a forma pela qual deve ser praticado um ato e, apesar disso, o ato é perpetrado de maneira diversa, contrariamente à lei.
A nulidade pode ser absoluta ou relativa. Na absoluta, a irregularidade recai em formalidade de caráter constitucional, ou seja, são afrontados princípios constitucionais do processo penal. Aqui a formalidade não interessa apenas às partes, mas à ordem pública. Em razão disso, independe da demonstração de prejuízo (que é presumido) e pode ser conhecida de ofício, sem necessidade de provocação das partes, não se sujeitando à preclusão. Já na relativa é desatendida uma exigência legal estabelecida em norma infraconstitucional. Tal formalidade é essencial, pois resguarda interesse de uma das partes. O interesse maior, portanto, é de uma das partes e, em razão disso, somente será declarada a nulidade se demonstrado o prejuízo e quando agitada em tempo oportuno.
De acordo com a orientação firmada pelo STJ, a falta de comunicação de que o agente tem o direito de permanecer calado é causa de nulidade relativa, que, portanto, só é declarada se demonstrado o prejuízo advindo da omissão da formalidade. Do contrário, nenhum óbice ao andamento do processo poderá ser reivindicado:
“I – Com efeito, nos termos do art. 563, do Código de Processo Penal, o reconhecimento de nulidade implica na verificação do prejuízo que a não observância da formalidade tenha causado a qualquer das partes. E tal não se observa no caso em comento. II – Não obstante não esteja consignado no interrogatório policial que o recorrente teria direito a permanecer em silêncio, ele nega a autoria dos fatos a ele imputados, não havendo autoincriminação. (Precedentes). III – Ademais, nos termos do que dispõe o art. 155, do Código de Processo Penal, “O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”. Em outras palavras, ainda que o recorrente confessasse o crime em sede inquisitorial, tal elemento jamais poderia supedanear, isoladamente, a sua condenação, o que denota ainda mais a ausência de prejuízo no caso concreto. Recurso ordinário desprovido” (RHC 72.929/MG, j. 02/02/2017).
“1. O STJ, acompanhando posicionamento consolidado no STF, firmou o entendimento de que eventual irregularidade na informação acerca do direito de permanecer em silêncio é causa de nulidade relativa, cujo reconhecimento depende da comprovação do prejuízo (RHC 67.730⁄PE, Rel. Ministro Jorge Mussi, DJe 04⁄05⁄2016). No caso em tela, o impetrante nem sequer apontou em que consistiria eventual prejuízo. Destaque-se que a condenação, por si só, não pode ser considerada como o prejuízo, pois, para tanto, caberia ao recorrente demonstrar que a informação acerca do direito de permanecer em silêncio, acaso tivesse sido franqueada ao recorrente e aos corréus, ensejaria conduta diversa, que poderia conduzir à sua absolvição, situação que não se verifica os autos” (RHC 61.754/MS, j. 25/10/2016).
E, note-se, mesmo no caso de eventual prejuízo ocorrido por uma confissão inadvertida veiculada no inquérito policial porque o agente não foi cientificado sobre o direito de permanecer em silêncio, deve-se ter em mente que vícios eventualmente ocorridos no trâmite da peça investigativa não causamEventuais vícios ocorridos no inquérito policial não se transmudam automaticamente para o processo, por se tratar de peça meramente informativa, destinada à sustentação de admissibilidade da inicial acusatória (STJ - RHC 65.977/BA, j. 10/03/2016). necessariamente a nulidade do processo. Esse raciocínio faz ainda mais sentido no caso da confissão extrajudicial, que, sabemos, não pode lastrear, isoladamente, a sentença condenatória, o que significa que o juiz deve fundamentar sua decisão em outros elementos que se agreguem à confissão.
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