A suspensão condicional da pena privativa de liberdade é uma decisão que procura afastar da pena restritiva de liberdade o condenado não reincidente em crimes dolosos, não perigoso, e que foi condenado a uma pena de curta duração. A finalidade do suspensão condicional da pena privativa de liberdade é evitar o encarceramento que humilha, degrada, expõe o condenado à promiscuidade da prisão, apostando na recuperação social do apenado através do convívio junto à família, colegas de trabalho, amigos e comunidade em geral.
O condenado que faz jus à suspensão condicional da pena privativa de liberdade, no Brasil, é submetido a um período de prova para demonstrar a sociedade que tem condições de conviver harmoniosamente com os demais cidadãos sem ter que passar pelo constrangimento do cárcere. Este período de prova pode variar de dois a seis anos a depender: da quantidade da pena aplicada, da condição etária e do quadro clínico do condenado.
Bento Farias aduz que a inspiração para a suspensão condicional da pena partiu dos Estados Unidos, quando, em 1869 e 1879, em Massachussets e em Boston, foi estabelecido o sistema legal de impedir o pronunciamento do decreto condenatório, a princípio em relação aos delinquentes menores, e depois aos criminosos adultos. Ele ainda acrescenta que a feição própria da suspensão da condenação somente surgiu na França com a lei de 26 de março de 1891, denominada Béranger, através do projeto de lei de 26 de março de 1884.
Robert Lyra tem opinião coincidente com a de Bento Farias quanto a origem da suspensão condicional da pena, pois ele afirma que a liberdade condicional (probation) foi adotada, nos Estados Unidos, a princípio na cidade de Boston, Estado de Massachussets, depois em toda América, donde passou à Europa, inspirando também o instituto do perdão judicial. O Estado, impondo limites, deixaria de aplicar as penas de curta duração na expectativa de que a ameaça fosse suficiente para o beneficiado não voltasse a delinquir.
No Brasil, a suspensão condicional da pena surgiu pelas mãos de Esmeraldino Bandeira, seguindo em seu projeto de lei apresentado em 1906, o modelo Berenger. Ainda teve os projetos de Galdino Siqueira (1913) e do ministro João Luís Alves que se converteu no Decreto nº 16.588 de 6 de setembro de 1924, primeira lei brasileira a regular o sistema de suspensão condicional da pena, que seguiu o sistema belga-francês. A suspensão condicional da pena limitava-se apenas aos infratores primários que fossem condenados a penas de multa que fossem convertidas para a pena de prisão ou de prisão, independentemente da sua natureza, que não ultrapassasse um ano. A suspensão variava de dois a quatro anos para as penas de crime e de um a dois anos para a pena de contravenção. A lei também proibia a aplicação da suspensão condicional da pena quando o crime era contra a honra, a boa fama ou contra a segurança da honra e honestidade das famílias:
Art 1º. Em caso de primeira condemnação as penas de multa conversivel em prisão ou de prisão de qualquer natureza até um anno, tratando-se de accusado que não tenha revelado caracter perverso ou corrompido, o juiz ou Tribunal, formando em consideração as suas condições individuaes, os motivos que determinaram e circumstaciais que cercaram a infracção da lei penal, poderá suspender a execução da pena, em sentença fundamentada, por um prazo expressamente fixado de 2 a 4 annos, si se tratar de crime, e 1 a 2 annos si de contravenção.
(…)
Art 5º Não haverá suspensão da execução da pena nos crimes contra a honra e boa fama (Codigo Penal, arts. 315 a 325 e leis modificadoras) e contra a segurança da honra e honestidade das familias (Codigo Penal, arts. 266 a 278 e 283 e leis modificadoras).
O Código Penal vigente, na sua redação original, limitava a concessão do sursis aos condenados à pena de detenção, afastando do benefício do sursis os condenados à pena de reclusão, exceto os menores de vinte e um e os maiores de setenta anos:
Art. 57. A execução da pena de detenção não superior a dois anos, ou de reclusão, no caso do art. 30, § 3°, pode ser suspensa, por dois a seis anos (…)
Art. 30. No período inicial do cumprimento da pena de reclusão, se o permitem as suas condições pessoais, fica o recluso também sujeito a isolamento durante o dia, por tempo não superior a três meses.
(…)
3° A pena de reclusão não admite suspensão condicional, salvo quando o condenado é menor de vinte e um anos ou maior de setenta, e a condenação não é por tempo superior a dois anos.
A lei nº 6.416/77 que vem estender o instituto do sursis para os crimes com pena de reclusão, acabando desta forma com a discriminação da espécie da pena (detenção e reclusão) na aplicação do sursis, pois passou a fazer jus ao benefício todo criminoso que a pena não excedesse dois anos.
Art. 1º O Código Penal (Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940), passa a vigorar com as seguintes alterações:
(…)
Art. 57. A execução da pena privativa da liberdade, não superior a dois anos, pode ser suspensa, por dois a seis anos, desde que (…).
A reforma sofrida pela parte geral do Código Penal, em 1984, fez com que doutrinadores deixassem de chamar o sursis de benefício, visto que na prática passou a ser uma verdadeira pena, pois no primeiro ano do prazo o condenado fica sujeito à pena de prestação de serviço à comunidade, ou à limitação de fins de semana, além das restrições como a proibição de frequentar determinados lugares, de se ausentar da comarca onde reside, ou a necessidade de comparecimento pessoal ao juízo da execução, ou seja, o instituto do sursis deixou de ser uma suspensão condicional da pena para se transformar em uma pena restritiva de direitos.
A reforma de 1984 estabeleceu três classificações para a suspensão condicional da pena: o sursis comum ou simples, onde há uma imposição de uma sanção restritiva de direito no primeiro ano da suspensão da pena restritiva de liberdade; o sursis especial, que dispensa a obrigatoriedade da pena restritiva de direito no primeiro ano da suspensão, entretanto impõe que o condenado não frequente certos lugares, proibição de se ausentar da comarca onde reside sem autorização e o comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades; e o sursis etário que aumenta a concessão para uma pena de até quatro anos quando o condenado tiver idade igual ou superior a setenta anos, estendendo o tempo de prova que fica entre quatro a seis anos.
Por fim, a lei 9.714 de 25 de novembro de 1998 acresceu ao Código Penal o sursis humanitário onde a concessão da suspensão da pena de liberdade pode estender-se a pena de quatro anos desde que o condenado esteja com problemas de saúde que justifique esta excepcionalidade. Neste caso, o período de prova é de quatro a seis anos.
Ainda em relação ao emprego do sursis nas penas privativas de liberdade não superior a dois anos, ou nos casos excepcionais (etário e humanitário) não superior a quatro anos, só será admissível quando não seja possível a conversão da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos, conforme reza o Código Penal:
Art. 77 – A execução da pena privativa de liberdade, não superior a 2 (dois) anos, poderá ser suspensa, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos, desde que:
(…)
III – Não seja indicada ou cabível a substituição prevista no art. 44 deste Código.
O Código Penal Militar também adotou o sistema belga-francês para a suspensão condicional da pena, ou seja, após o militar ser sentenciado pela pena privativa de liberdade não superior a dois anos, ele poderá fazer jus ao instituto do sursis por um período de dois a seis anos:
Art. 84 – A execução da pena privativa da liberdade, não superior a 2 (dois) anos, pode ser suspensa, por 2 (dois) anos a 6 (seis) anos…
Diferente do Código Penal Comum, o Código Penal Militar não tem as classificações de sursis simples, sursis especial, sursis etário e sursis humanitário. Outros fatores, divergente do sursis no Código Penal Comum, que fazem com que o Instituto do sursis tenha uma enorme incidência nos crimes militares com pena de até dois anos é a inexistência das penas restritivas de direito no Código Penal Militar e a não abrangência da Lei 9.099/95 nos crimes militares, como pode-se observar na jurisprudência, seguinte, do Superior Tribunal Militar:
HABEAS CORPUS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR. CRIME PRATICADO POR CIVIL CONTRA MILITAR EM SERVIÇO. OCUPAÇÃO DO EXÉRCITO EM MISSÃO DE PACIFICAÇÃO. INCOMPATIBILIDADE DA LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS (LEI Nº 9.099/1995) COM OS PRECEITOS DA HIERARQUIA E DISCIPLINA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ISONOMIA. (…) Os dispositivos contidos na Lei dos Juizados Especiais (Lei nº 9.099/1995) são incompatíveis com os princípios da hierarquia e da disciplina, os quais se fazem presentes nos bens jurídicos tutelados pela norma penal castrense (…)Ordem denegada. Decisão unânime. (HC n° 4-30.2012.7.00.0000 UF: RJ, Rel. Min. Ten Brig do Ar WILLIAM DE OLIVEIRA BARROS, julgado em 15/2/2012).
Existem outros fatores que, além de evitar a contaminação com criminosos perigosos e habituais, podem ajudar o criminoso momentâneo a se reabilitar e não mais voltar a delinquir. Dentre estes fatores positivo, indubitavelmente, encontra-se o estudo e o trabalho. O melhor exemplo que justifica esta afirmação é a previsão da remição na Lei de Execução Penal (lei 7210/84), onde prevê a diminuição de um dia de pena privativa de liberdade para cada três dias trabalhados e/ou doze horas de estudo:
Art. 126. O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena.
1o A contagem de tempo referida no caput será feita à razão de:
I – 1 (um) dia de pena a cada 12 (doze) horas de frequência escolar – atividade de ensino fundamental, médio, inclusive profissionalizante, ou superior, ou ainda de requalificação profissional – divididas, no mínimo, em 3 (três) dias;
II – 1 (um) dia de pena a cada 3 (três) dias de trabalho.
Há o entendimento pacífico, tanto da doutrina, como da jurisprudência, que o trabalho e o estudo são ferramentas imprescindíveis na ressocialização e integração do condenado perante o seio social. Entretanto, na prática, o sursis cria um grande óbice, muitas vezes intransponíveis, para o apenado na hora da busca por acesso ao estudo ou trabalho.
No Brasil, devido ao fato do sufrágio universal ser obrigatório a todas as pessoas maiores de dezoito anos, existem empresas privadas, escolas e faculdades particulares que exigem a comprovação da votação por parte do candidato que aspira uma vaga de trabalho ou de estudo. Também não existe a possibilidade de que uma pessoa que esteja com seus direitos políticos suspensos conseguir prestar concurso público ou ingressar como estudante em escolas ou universidades públicas, pois todos os editais para ingresso na carreira pública ou documentos exigidos para a matrícula em estabelecimento público de ensino exige a comprovação da votação do último pleito eleitoral ou a certidão de regularização de título de eleitor emitida pelo Tribunal Regional Eleitoral.
A pessoa só fará jus a sursis após uma condenação criminal transitada em julgado, consequentemente, terá seus direitos políticos suspenso:
Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:
(…)
III – condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos.
Diante da situação exposta, existe uma verdadeira inversão de valores na política criminal brasileira fruto de uma inobservância ou cuidado mais apurado por parte dos legisladores, pois, enquanto incentivam o trabalho e o estudo na Lei de Execução Penal, retira do condenado que está em liberdade a possibilidade de estudar e trabalhar, e por que não afirmar que retira do condenado a possibilidade de viver com dignidade humana?
Para o melhor entendimento, trago à baila um caso em que um militar, das Forças Armadas, colidiu a viatura que dirigia vindo a ferir seu companheiro que estava no banco de carona. Ele foi condenado a uma pena de detenção por dois meses por lesão corporal culposa, sendo a ele concedido o sursis. O militar foi embora das Forças Armadas, por término do seu tempo de serviço, e não conseguiu trabalhar nem estudar porque seu título eleitoral estava suspenso. Consequentemente, tornou-se um alvo fácil de cooptação das organizações criminosas, pois, após ter todas as portas fechadas para ele, não lhe restou outra alternativa a não ser aceitar a proposta de usar seus conhecimentos operacionais bélicos em prol de quem pagasse pelo seu serviço, pois ele precisava sobreviver.
Infelizmente, esta é uma realidade que estamos vivendo no Brasil. Nossos militares, após servir à Pátria, podem vim a ser alvo fácil para organizações criminosas, pois o mesmo legislador que incentiva o estudo e o trabalho do preso, a fim de reintegrá-lo à sociedade, nega indiretamente ao ex-militar, na condição de sursis, a oportunidade de trabalhar e estudar. O sursis retira do ex-militar sua dignidade humana, deixa vulnerável às organizações criminosas e aumenta consideravelmente a probabilidade de ele se tornar um delinquente.
Por fim, urge a necessidade de rediscutir as consequências do sursis, para o bem do Brasil e de quem jurou defendê-lo com o sacrifício da própria vida!