Não raras vezes, abordagens policiais culminam não só em resistência à prática do ato legal como em ofensas aos agentes executores. São, no geral, situações em que policiais interpelam indivíduos que apresentam alguma forma de comportamento inadequado como embriaguez na direção de veículo, direção perigosa, porte de drogas, vandalismo, e que, em razão da alteração de ânimos característica dessas situações, recusam-se a se submeter à ação policial e se voltam contra seus executores.
A resistência, tipificada no art. 329 do Código Penal, consiste em “Opor-se à execução de ato legal, mediante violência ou ameaça a funcionário competente para executá-lo ou a quem lhe esteja prestando auxílio”. O desacato, tipificado no art. 331, caracteriza-se por ofender funcionário público no exercício da função ou em razão dela. Na resistência, em síntese, há oposição positiva à execução de ato legal mediante violência (emprego de força física) ou ameaça (constrangimento moral, não necessariamente grave) contra a pessoa, ao passo que o desacato se limita ao achincalhe, ao menosprezo, à humilhação do servidor por meio de gestos, palavras ou escritos, sem, portanto, ato tendente a atingir a integridade física do indivíduo.
Há quem sustente que, uma vez cometida a ofensa verbal em conjunto com a conduta positiva de resistir à execução do ato legal, a primeira conduta deve ser absorvida pela segunda (ainda que a pena desta seja menor), porque, afinal, tudo se insere na finalidade de não se ver submetido ao ato legal executado pelo agente público. A respeito, ensina Nucci Código Penal comentado. 13. ed. São Paulo: RT, 2013, p. 1209:
“Pode o agente, durante a prisão, resistir ativamente contra os policiais e ainda valer-se de ofensas verbais contra os mesmos, deixando de cumprir suas ordens. Todo esse contexto faz parte, em último grau, da intenção nítida de não se deixar prender, de modo que deve absorver os demais delitos. Somente quando o agente já está preso, cessando a resistência, pode configurar-se crime de desacato, na hipótese de ofender o delegado que lavra o auto de prisão em flagrante, por exemplo”.
Em sentido oposto, Rogério GrecoCurso de Direito Penal: parte especial. 10ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2014. v. 4, p. 524 acredita ser possível o concurso em virtude de o desacato não ser um meio de execução da resistência. Para o autor, trata-se mesmo de “um concurso real de crimes, havendo mais de uma conduta, com produção de mais de um resultado. O agente atua, ainda, com motivações diferentes. Como bem ressaltou Lélio Braga Calhau, o que o agente pretende com a prática da resistência é impedir a execução de um ato legal; ao contrário, no desacato, sua finalidade é desprestigiar, menoscabar a função pública”.
Em recente decisão proferida no habeas corpus 380.029/RS (j. 22/05/2018), o STJ afastou a consunção entre os delitos, embora não tenha negado essa possibilidade a depender das circunstâncias do caso concreto.
No caso, o impetrante havia sido denunciado porque, na ocasião em que conduzia seu veículo de forma perigosa, recebera ordem de parada e fora interceptado por policiais militares. Em seguida, diante da abordagem sofrida, ofendeu os policias e ofereceu vantagem ilícita para que o deixassem seguir viagem, mas, dada a voz de prisão em flagrante, passou a resistir violentamente à ação policial. Proferida e confirmada a sentença condenatória, a Defensoria Pública do Rio Grande do Sul impetrou o remédio heroico com a pretensão de que o crime de desacato fosse absorvido.
O tribunal até reconheceu a possibilidade de que o desacato seja absorvido pela resistência quando, na esteira do que ensina Nucci, as ofensas verbais são proferidas no exato contexto do ato de resistência:
“Com efeito, admite-se a incidência do princípio da consunção se o agente, em um mesmo contexto fático, além de resistir ativamente à execução de ato legal, venha a proferir ofensas verbais contra policial na tentativa de evitar a sua prisão”.
Considerou-se, no entanto, que o caso julgado não era compatível com essa circunstância:
“No caso, porém, infere-se que o réu, após abordagem policial, desceu do seu veículo proferindo impropérios contra o funcionário público. Na sequência, após ter se recusado a apresentar o documento do automóvel, o ora paciente ofereceu propina para ser liberado. Diante disso, o policial deu-lhe voz de prisão, contra a qual o réu ofereceu resistência, tendo sido necessário o uso de algemas para o cumprimento do decreto prisional”.
Em razão disso, afastou-se a possibilidade de considerar o desacato ínsito à oposição ao ato de prisão e aplicou-se a regra do concurso de delitos.
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