Quando houver mais de uma condenação contra a mesma pessoa, no mesmo processo ou em processos distintos, deve o juiz somar as penas impostas, observando a possibilidade de detração e a remição e determinando, então, o regime para cumprimento. É o que estabelece o art. 111 da Lei de Execução Penal:
“Art. 111. Quando houver condenação por mais de um crime, no mesmo processo ou em processos distintos, a determinação do regime de cumprimento será feita pelo resultado da soma ou unificação das penas, observada, quando for o caso, a detração ou remição.
Parágrafo único. Sobrevindo condenação no curso da execução, somar-se-á a pena ao restante da que está sendo cumprida, para determinação do regime”.
Suponhamos que “A” tenha sido condenado a nove anos de reclusão em regime inicial fechado. Após ter cumprido um ano e meio, progrediu para o semiaberto, mas foi condenado a mais seis anos de reclusão pela prática de outro crime do qual também estava sendo acusado. Neste caso, o juiz da execução deve unificar as penas descontando o ano e meio já cumprido, o que resulta em treze anos e meio de reclusão ainda a cumprir. Considerando que a soma das penas é incompatível com o regime semiaberto, deve ainda o juiz determinar a regressão para o regime fechado.
No nosso exemplo, o condenado havia progredido de regime e, após a concessão do benefício, transcorreu outro tanto em que já se fazia o cômputo para a nova progressão. Mas, com a unificação, altera-se a data-base (marco inicial) para os futuros benefícios?
De acordo com a orientação firmada pela Terceira Seção do STJ – e reiterada há alguns dias em liminares de habeas corpus –, o marco inicial deve permanecer inalterado, não obstante o rearranjo provocado pela unificação das penas.
Até há algum tempo, o STJ seguia a orientação ainda adotada pelo STF, segundo a qual, uma vez unificada a pena, não há sentido na manutenção do marco inicial para a concessão de futuros benefícios da execução, como a progressão de regime e o livramento condicional. Com isso, sobrevindo condenação definitiva e unificadas as penas, interrompe-se a contagem de prazo para a concessão de benefícios:
“(…) 2. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal se fixou no sentido de que “a superveniência de nova condenação definitiva no curso da execução criminal sempre altera a data-base para concessão de benefícios, ainda que o crime tenha sido cometido antes do início de cumprimento da pena. A data do trânsito em julgado da nova condenação é o termo inicial de contagem para concessão de benefícios, que passa a ser calculado a partir do somatório das penas que restam a ser cumpridas” (HC 101.023, Primeira Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 26/3/2010). 3. In casu, o recorrente, em sede de execução da pena privativa de liberdade, sofreu nova condenação, a qual resultou na soma das penas com interrupção do lapso temporal para contagem do prazo para aquisição de benefícios, dentre eles a progressão de regime. (…)” (RHC 135.826 AgR/MG, j. 26/05/2017)
Embora não haja previsão legal expressa a respeito da interrupção do prazo, o STF considera que a interpretação conjunta dos artigos 111, parágrafo único e 118, inc. II, da LEP leva à conclusão de que reiniciar a contagem é a solução mais adequada. Nas palavras do ministro Ricardo Lewandowski, “se a legislação prevê a possibilidade de regressão de regime, quando a unificação das penas resultar na necessidade de sua alteração, resta evidente que a data-base também deve ser alterada, uma vez que seria ilógico regredir o regime do sentenciado sem se alterar o termo inicial para concessão de benefícios, pois chegar-se-ia à situação absurda de, ao mesmo tempo em que se reconhece a necessidade de regressão em razão de condenação superveniente, esta não surtiria efeito pelo fato de o preso já ter direito à progressão” (HC 101.023/RS).
Ocorre que, no julgamento do recurso especial 1.557.461/SC, proferido em 22 de fevereiro de 2018, a Terceira Seção do STJ firmou orientação divergente, que contraria inclusive o que vinham decidindo ambas as turmas que compõem aquele colegiado.
O fundamento primário para a mudança de orientação foi a ausência de disposição legal que determine a interrupção do prazo.
Segundo observou o ministro Rogério Schietti Cruz, impor a interrupção do prazo para a concessão de benefícios ofende a legalidade e pode levar a situações de injustiça. Ofende-se a legalidade porque, como já destacado, a Lei de Execução Penal não contempla a interrupção, e inferir que a contagem de tempo para benefícios é consectário puro e simples da regressão não é razoável. Além disso, apontou o ministro, há situações em que o condenado pode ser prejudicado duas vezes, como no caso em que o crime cuja condenação gerou a unificação das penas tenha sido cometido durante a própria execução.
Com efeito, a prática de crime doloso durante a execução caracteriza falta grave, que, nos termos da súmula 534 do STJ, interrompe o prazo para a progressão de regime. E, segundo a orientação do próprio STJ, basta, para isso, a notícia da prática do crime, dispensando-se que se aguarde o trânsito em julgado. Logo, o condenado que praticasse crime doloso durante a execução poderia ter o prazo de progressão interrompido no momento da prática do crime e também depois, quando a pena decorrente desse novo crime fosse unificada com o restante da pena que já estava sendo cumprida. Haveria, portanto, indevido bis in idem.
Também se considerou o fato de que a unificação decorrente de crime cometido anteriormente à execução penal em curso tem ainda menos razão para interromper o prazo para a concessão de benefícios, pois se trata de fato que não tem nenhuma relação com o período em que o condenado se submetia à execução da pena, cujos benefícios são regidos sobretudo pelo princípio do merecimento. Se o agente não praticou o fato criminoso enquanto cumpria a pena, não há razão para que a nova condenação prejudique a avaliação de seu merecimento para obter benefícios.
Concluiu-se o julgamento com destaque para o fato de “que a unificação de nova condenação definitiva já possui o condão de recrudescer o quantum de pena restante a ser cumprido pelo reeducando; logo, a alteração da data-base para concessão de novos benefícios, a despeito da ausência de previsão legal, configura excesso de execução, com base apenas em argumentos extrajurídicos. O período de cumprimento de pena desde a última prisão ou desde a última infração disciplinar não pode ser desconsiderado, seja por delito ocorrido antes do início da execução da pena, seja por crime praticado depois e já apontado como falta grave”.
Em razão disso, o STJ concedeu há alguns dias liminares nos habeas corpus 456.819/SC, 456.818/SC e 456.820/SC.
Nos três casos, ao promover a unificação das penas os magistrados consideraram a data do último trânsito em julgado – e não a da última prisão – como marco inicial para o cálculo de futuros benefícios da execução. As decisões foram mantidas em agravos julgados pelo Tribunal de Justiça, mas a ministra Laurita Vaz, considerando a nova orientação adotada pelo STJ, deferiu as liminares reconhecendo a ausência de amparo legal para a interrupção do prazo, razão pela qual os benefícios das execuções relativas aos impetrantes deveriam ser calculados a partir da última prisão.
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