O princípio da insignificância tem aplicação recorrente em diversas situações nas quais estejam reunidos a mínima ofensividade da conduta do agente, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica causada.
Reconhece-se a atipicidade material em delitos de natureza tributária, nos crimes ambientais em que a conduta provoca baixo impacto negativo no meio ambiente e nos crimes patrimoniais cometidos sem violência ou grave ameaça a pessoa e em circunstâncias nas quais a conduta não se revela particularmente grave.
Nota-se, portanto, que a insignificância depende de determinadas condições que, para além da inexistência de agressão física ou psíquica, revelem a inofensividade da conduta num sentido amplo. Não é pelo fato de alguém ter cometido um crime sem agredir ou ameaçar outra pessoa que sua conduta pode ser considerada irrelevante para o Direito Penal. Afinal, há crimes que não envolvem nenhum perigo direto à integridade física de alguém, mas que se revestem de especial gravidade.
No âmbito dos crimes contra a Administração Pública, a orientação majoritária dos tribunais superiores vem no sentido de que o princípio da insignificância é inadmissível, justamente porque, nesses casos, não está em pauta apenas o prejuízo patrimonial que a conduta pode causar, mas também a moralidade administrativa. Não obstante algumas decisões isoladas admitindo a insignificância, a maior parte delas é francamente contrária. Para dirimir definitivamente qualquer dúvida, o STJ editou a súmula 599, segundo a qual “O princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a Administração Pública”.
O tribunal, no entanto, há alguns dias deu provimento a recurso em habeas corpus (RHC 85.272/RS, DJe 23/08/18) para afastar a limitação imposta pela súmula 599 e reconhecer a insignificância num caso em que o agente, que não era funcionário público, havia danificado um cone de trânsito avaliado em vinte reais, razão pela qual lhe haviam imputado a conduta de dano qualificado por ter sido cometido contra o patrimônio público.
Mas, como sabemos, o dano contra o patrimônio público não é, formalmente, um crime contra a Administração Pública, mas um crime inserido na categoria dos patrimoniais. Por isso, caso se obstasse a insignificância, a fundamentação não seria propriamente a súmula 599, certo? Não exatamente.
É inegável que o principal argumento para que a insignificância não tenha lugar nos crimes contra a Administração Pública – especialmente no que tange aos funcionais –, é o fato de que o bem jurídico tutelado abarca, para além da esfera patrimonial, a moral administrativa, que deve nortear a atuação dos agentes públicos em toda sua extensão. É por isso que o funcionário público que comete peculato sobre um objeto de valor que em outras circunstâncias seria considerado insignificante não conta com a benevolência dos órgãos de justiça criminal. É neste sentido a maior parte dos precedentes da súmula 599, a exemplo do seguinte:
“1. ‘É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de não ser possível a aplicação do princípio da insignificância ao crime de peculato e aos demais delitos contra Administração Pública, pois o bem jurídico tutelado pelo tipo penal incriminador é a moralidade administrativa, insuscetível de valoração econômica’ (HC 310.458/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, DJe 26/10/2016).” (AgRg no AREsp 1.019.890/SP, DJe 24/05/2017)
Mas, curiosamente, dentre os julgados citados como precedentes da súmula há alguns nos quais o tribunal negou a insignificância em crimes que apenas vitimavam o patrimônio público, mas não eram, em sentido estrito, contra a Administração Pública. Veja-se, por exemplo, o seguinte, em que, além de outras circunstâncias que normalmente confirmam a tipicidade material, considerou-se o fato de que a vítima integrava a administração indireta:
“Não é insignificante a tentativa de furto praticado mediante escalada. Ademais, o paciente é reincidente na prática de delito contra o patrimônio e o valor da res não pode ser considerado ínfimo (holofote avaliado em cem reais). Não se pode desconsiderar, ainda, que o crime foi cometido contra sociedade de economia mista estadual (SABESP), ou seja, contra a administração pública indireta, o que configura reprovabilidade suficiente a justificar a intervenção estatal por meio do processo penal.” (HC 274.487/SP, DJe 15/04/2016)
Não surpreende, portanto, que o STJ tenha reconhecido a insignificância no dano contra o patrimônio público sob o fundamento de que, em virtude das particularidades do caso concreto, não incidia a súmula 599. Da mesma forma, não será surpresa se, em futuros julgados, a súmula for aplicada para afastar a bagatela em crimes de natureza semelhante.
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