Sabemos que determinados crimes, dada a sua natureza, deixam vestígios materiais (facta permanentes), ao passo que outros, sem resultado naturalístico, não permitem que se constatem vestígios (facta transeuntes). Em relação aos primeiros, por força de expressa disposição do art. 158 do CPP, há necessidade da realização do exame de corpo de delito:
“Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.”
Há quem enxergue na exigência do exame de corpo de delito um verdadeiro retrocesso, reminiscência do velho sistema da prova legal (ou tarifado), em contraste com o princípio do livre convencimento, adotado com todas as letras por nosso Código. Feroz, nesse aspecto, a crítica de José Frederico Marques, ao salientar que “na verdade, fora do sistema da prova legal, só um Código como o nosso, em que não há a menor sistematização científica, pode manter a exigibilidade do auto de corpo de delito sob pena de considerar-se nulo o processo. Que isso acontecesse ao tempo da legislação do Império, ainda se compreende. Mas que ainda se consagre tal baboseira num estatuto legal promulgado em 1941, eis o que não se pode explicar de maneira razoável” (Elementos de direito processual penal, 1997, vol. II, p. 335).
Parece, contudo, que pretendeu o legislador cercar-se de certas garantias contra acusações injustas e, em virtude disso, preferiu relacionar a prova do fato (e, em última análise, a condenação do réu), à existência do exame de corpo de delito, vinculando o juiz a tal prova, como no antigo sistema tarifado. Seria, destarte, justificável tal cautela, pois, conforme indaga Tourinho Filho, “se, com os exames de corpo de delito, muitos erros judiciários têm sido cometidos, a que extremos não chagaríamos, se a lei os dispensasse?” (Código de Processo Penal comentado, São Paulo: Saraiva, 2005, 9ª. ed. 2005, p. 247).
A prioridade para a realização do exame deve se estabelecer de acordo com a natureza do crime e do natural perecimento dos vestígios. É lógico, portanto, que em crimes contra a pessoa, por exemplo, exames cadavéricos e para constatar lesões corporais sejam efetuados o quanto antes, pois a própria natureza do objeto do exame faz com que os vestígios desapareçam – ou mesmo se alterem – com muita facilidade.
Mas, com a finalidade de conferir maior celeridade à elucidação de determinados crimes, a Lei 13.721/18 estabelece prioridades em virtude da condição da vítima. De acordo com o novo parágrafo único do art. 158 do CPP, deve ser realizado com precedência o exame que envolva:
I – violência doméstica e familiar contra a mulher;
II – violência contra criança, adolescente, idoso ou pessoa com deficiência.
No primeiro caso, a expressão violência não é necessariamente pessoal, mas relacionada ao conceito de violência doméstica e familiar contra a mulher extraído do art. 5º da Lei 11.340/06. Em resumo: qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial. Trata-se, portanto, de um conceito amplo, que pode envolver inclusive crimes contra o patrimônio. Já a violência mencionada no inciso II, para os efeitos da prioridade para o exame, é a violência pessoal.
Os conceitos de criança, adolescente, idoso e pessoa com deficiência são também extraídos de leis especiais.
O art. 2º da Lei 8.069/90 dispõe que se considera criança a pessoa com até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. Idoso, segundo o disposto no art. 1º da Lei 10.741/03, é a pessoa com idade igual ou superior a sessenta anos. E a pessoa com deficiência é “aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas” (art. 2º da Lei 13.146/15).
Dessa forma, a partir de hoje, autoridades policiais que presidem inquéritos policiais em trâmite para apurar crimes cometidos contra os sujeitos acima mencionados devem estabelecer prioridade para a realização de exames de corpo de delito.
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