A Constituição Federal é expressa e inequívoca ao dispor que não são admitidas as provas obtidas por meios ilícitos (art. 5º, inc. LVI, CF/88). O grande desafio, no campo da prova, consiste em encontrar um ponto de equilíbrio entre, de um lado, o dispositivo constitucional que inadmite a produção da prova ilícita e, de outro, a garantia a segurança do cidadão, sobretudo em face do aumento da criminalidade organizada, que exige, para seu combate, meios eficazes, aptos a fazer frente à sofisticação das organizações. Anota Thiago Pierobom de Ávila, que “o direito cuja violação ensejará a ilicitude da prova há de ser um direito fundamental. A garantia fundamental da inadmissibilidade das provas ilícitas está estrategicamente localizada sob o título dos direitos e garantias fundamentais. Sua finalidade é criar um sistema de atividade processual que respeite minimamente os direitos elencados na Constituição tidos como essenciais para a convivência em sociedade. O problema perante o caso concreto é delimitar a linha que separa o plano da constitucionalidade e o da legalidade, haja vista o caráter analítico de nossa Constituição”.
Nessa esteira, o STJ firmou a tese de que viola direitos e garantias fundamentais o exame pericial realizado em aparelhos de telefone celular diretamente após a apreensão pela polícia, sem a prévia autorização judicial (REsp 1.727.266/SC, j. 05/06/2018)
Disso decorre que a apreensão de um aparelho de telefone celular pode dar ensejo ao exame e à obtenção de dados e mensagens armazenadas se a autoridade policial providenciar a devida autorização judicial.
Ocorre que as diversas formas de comunicação que a tecnologia tem proporcionado podem levar a situações inusitadas, que escapam ao sistema legal de produção de provas. Uma dessas situações, envolvendo o próprio WhatsApp, foi recentemente apreciada pelo STJ, que concluiu pela ilicitude da prova colhida.
No caso, a polícia investigava o crime de tráfico de drogas e, durante diligências, efetuou a apreensão de um aparelho de telefone celular. A autoridade policial logo pediu autorização judicial para que os investigadores pudessem acompanhar a troca de mensagens no WhatsApp por meio do sistema “Web”, que permite a operação do aplicativo em um computador comum. A autorização foi concedida e o aparelho celular foi devolvido ao investigado, que, sem ter conhecimento do que ocorria, passou a ser monitorado e, em virtude das informações colhidas, teve a prisão preventiva decretada.
Julgando recurso em habeas corpusNúmero não divulgado em razão de segredo de justiça., o STJ considerou a prova ilícita por falta de previsão legal.
Segundo a ministra Laurita Vaz – relatora do recurso –, a medida decretada tem natureza híbrida, um misto entre interceptação telefônica e quebra de sigilo de dados. Mas, considerando as características próprias do sistema interceptado e as consequências advindas da hibridez, a inexistência de disciplina legal impede que se admita este meio de prova.
Segundo o tribunal, não seria possível equiparar integralmente a medida à intercepção telefônica porque o acesso ao aplicativo permite não somente a obtenção irrestrita de toda a comunicação anterior como também possibilita que o agente público interfira na comunicação entre os usuários – inclusive excluindo mensagens –, o que não é possível no monitoramento de conversas telefônicas, que são apenas ouvidas e gravadas. Esta possibilidade de interferência e de manipulação dificulta – quando não impossibilita – que o investigado exerça o contraditório sobre a prova colhida e demonstre, por exemplo, que não se trata de algo integral e que determinados trechos da comunicação foram retirados do contexto. Por isso, concluiu-se:
“Cumpre assinalar, portanto, que o caso dos autos difere da situação, com legalidade amplamente reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça, em que, a exemplo de conversas mantidas por e-mail, ocorre autorização judicial para a obtenção, sem espelhamento, de conversas já registradas no aplicativo WhatsApp, com o propósito de periciar seu conteúdo”.
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