O indiciamento é o ato por meio do qual se imputa a alguém, no inquérito policial, a prática da infração penal investigada. Havendo, pois, indícios de que determinada pessoa perpetrou o crime que é alvo da investigação, cumpre à autoridade policial proceder a seu formal indiciamento. Desde que não se verifique qualquer abuso na decisão da autoridade policial que determinou o indiciamento, ele se constituirá em desdobramento natural derivado da instauração do inquérito policial, deflagrado para apuração de um fato típico. De outra parte, se frágil a prova colhida na fase investigativa, levando a pessoa à condição que não vai além de mera suspeita, sem maior lastro probatório, já não mais será cabível o indiciamento, e, se determinado, caracterizará constrangimento ilegal, passível de reparação por meio de habeas corpus. Nada impedirá, contudo, que mais adiante, munido de dados mais concretos, se proceda, aí sim, ao indiciamento formal do agente.
A jurisprudência, inclusive do Supremo Tribunal Federal, vem se inclinando no sentido de que, uma vez recebida a denúncia e deflagrado o processo-crime, não mais é cabível o indiciamento do réu. É dizer: se o agente não foi formalmente indiciado na fase policial, uma vez recebida a denúncia não mais se cogita desse ato, ainda que por iniciativa do Ministério Público e mesmo por meio de ordem judicial. O fundamento consiste no fato de que, uma vez iniciado o processo-crime, não há nenhum sentido prático na realização de um ato que serve para indicar a existência de indícios de que o réu cometeu o crime. O indiciamento é um ato típico do inquérito policial, cabível somente em seu âmbito, por decisão da autoridade policial. Vencida essa fase, com o processo judicial, não há mais lugar para sua realização. É verdade que o indiciamento, porque não realizado, não surgirá nos registros criminais do agente, mas constará, agora, a ação penal em curso contra o réu, razão pela qual não há nenhum prejuízo.
A partir da edição da Lei n° 12.830/13, reforçou-se a tese de que dentre as funções privativas do delegado de polícia está o indiciamento, a ser realizado através de ato fundamentado, “mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias” (art. 2º, § 6º). Seguindo alguns precedentes do Supremo Tribunal Federal, em recente decisão o ministro Edson Fachin concedeu habeas corpus de ofício para que fosse cassada decisão judicial na parte em que determinava à autoridade policial que procedesse ao indiciamento do paciente.
De acordo com o ministro, é incompatível com o sistema acusatório a determinação judicial para que a autoridade policial pratique o ato de indiciamento, que não é exigência legal e não pode sofrer controle irrestrito pelo magistrado. Trata-se de juízo de conveniência e oportunidade do delegado de polícia, a não ser em caso de patente ilegalidade ou abuso de poder, que a questão levada a julgamento não revelava:
“No caso presente, ao que tudo indica, não houve excepcionalidade que justificasse a extraordinária atuação do Juízo singular, pois em verdade, o Delegado de Polícia, após conduzir investigação complexa, devidamente instruída por interceptações telefônicas e pedidos de quebra de sigilo, decidiu indiciar outros três acusados, mas não indiciou o ora paciente. Tal opção afigura-se legítima, dentro da margem de discricionariedade regrada de que dispõe a autoridade policial, na fase embrionária em que se encontrava o feito.
Nesse contexto, a determinação judicial de requisitar à autoridade policial o indiciamento é indevida, não só por interferir, sem necessidade em atribuição que, a rigor, é competência privativa do Delegado de Polícia, como por ser incompatível com o sistema acusatório.
Nem se diga, como pontou o TJSP, que tal providência seria indispensável para fins de registro, pois figurando o paciente, atualmente, como réu em ação penal, nenhum prejuízo haverá ao histórico de seu prontuário. Efetivamente, na eventualidade de alguma autoridade necessitar consultar seus anteriores registros terá acesso à informação de que figura/figurou como réu em ação penal ordinária, ainda em andamento, ou cujo resultado resultou em absolvição/condenação. O acesso à informação, nestes moldes, atende suficientemente à necessidade de instrução de feitos vindouros e ainda melhor se conforma ao princípio da presunção de inocência, por trazer informações mais detalhadas sobre a imputação dirigida ao paciente.”
Para se aprofundar, recomendamos:
Livro: Código de Processo Penal e Lei de Execução Penal Comentados por Artigos