1) O tráfico de drogas é crime de ação múltipla e a prática de um dos verbos contidos no art. 33, caput, é suficiente para a consumação da infração, sendo prescindível a realização de atos de venda do entorpecente.
O tipo penal do tráfico de drogas é composto por dezoito ações nucleares: importar (trazer de fora), exportar (enviar para fora), remeter (expedir, mandar), preparar (por em condições adequadas para uso), produzir (dar origem, gerar), fabricar (produzir a partir de matérias primas, manufaturar), adquirir (negociar ou entrar na posse), vender (negociar em troca de valor), expor à venda (exibir para a venda), oferecer (tornar disponível), ter em depósito (posse protegida), transportar (levar, conduzir), trazer consigo (levar consigo, junto ao corpo), guardar (tomar conta, zelar para terceiro), prescrever (receitar), ministrar (aplicar), entregar (ceder) a consumo ou fornecer (abastecer) drogas, ainda que gratuitamente (amostra grátis).
Nota-se facilmente que estas ações podem se combinar num mesmo contexto fático sem que isso provoque concurso de crimes. O tráfico é crime de ação múltipla (ou de conteúdo variado), em que vários núcleos típicos praticados no mesmo cenário permitem a punição por crime único, cujo encadeamento de condutas influencia apenas na aplicação da pena-base (circunstâncias do crime).
É muito comum a prática de diversas condutas típicas em transações envolvendo determinada quantidade de drogas. Normalmente, o mesmo grupo importa, prepara, fabrica, transporta, vende, etc. As condutas são independentes e, obviamente, a punição pela prática de uma delas não pressupõe que outras também tenham sido praticadas. Caso comprovado, por exemplo, que um lote de cocaína estava sendo transportado para em seguida ser vendido, consuma-se o crime, independentemente de qualquer conduta relativa ao fim último do tráfico, que é o comércio. Da mesma forma, comprovada a transação para aquisição de droga que posteriormente seria revendida, consuma-se o tráfico ainda que não haja a entrega da substância por intervenção policial. São neste sentido os precedentes desta tese:
“A jurisprudência deste Tribunal Superior e do Supremo Tribunal Federal já reconheceu que o delito de tráfico de drogas na modalidade adquirir consuma-se com a tratativa acerca da compra e venda do entorpecente, sendo desnecessária a efetiva entrega deste para restar percorrido todo iter criminis.” (REsp 1.561.485/MG, j. 14/11/2017)
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“1. Tendo o réu conhecimento prévio e pleno domínio da conduta da corré, que tentou ingressar com droga em estabelecimento prisional, deve ser condenado pelo delito de tráfico de drogas. 2. É desnecessária, para a configuração do delito de tráfico, a efetiva tradição ou entrega da substância entorpecente ao seu destinatário final.” (AgRg no AREsp 483.235/BA, j. 25/09/2018)
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“Do contexto dos fatos, não há falar em interferência ou indução dos policiais como agente infiltrado sem autorização judicial. Na verdade, quando os policiais tomaram conhecimento, através das mensagens do celular, que o paciente estava a caminho do flat para uma entrega, ele já estava na posse do entorpecente, tendo consumado o delito. Logo, é legítima a intervenção policial para fazer cessar a atividade criminosa quando constatada a prática do tráfico ilícito de entorpecentes.” (AgRg no HC 446.355/SP, j. 19/03/2019)
2) Não é cabível a concessão de indulto ao crime de tráfico de drogas, ainda que tenha sido aplicada a causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06.
Esta tese não tem mais eficácia, pois baseada na antiga orientação de que, não obstante a incidência da causa de diminuição de pena, o tráfico de drogas permanecia hediondo e, portanto, insuscetível de indulto. Mas, como já ressaltamos nos comentários à tese nº 4 da Edição I, desde a decisão proferida pelo STF no HC 118.533 o tráfico privilegiado não é mais considerado hediondo. Em razão disso, o STJ vem decidindo favoravelmente à concessão de indulto a condenados pela prática desta modalidade do delito:
“II – O STF, em decisão oriunda do Tribunal Pleno, no HC n. 118.533, afastou o caráter hediondo dos delitos de tráfico ilícito de entorpecentes em que houvesse a incidência da causa especial de diminuição de pena prevista no § 4º, do art. 33, da Lei n. 11.343/06.
III – A Terceira Seção desta Corte, por decisão unânime, acolheu a tese segundo a qual o tráfico ilícito de drogas, na sua forma privilegiada (art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06), não é crime equiparado a hediondo, revisando o entendimento consolidado por ocasião do julgamento do REsp n. 1.329.088/RS – Tema 600, com o consequente cancelamento do enunciado n. 512 da Súmula deste Superior Tribunal de Justiça.
IV – Assim, constata-se o alegado constrangimento ilegal nas decisões das instâncias ordinárias, uma vez que indeferiram o benefício de indulto de penas com base exclusivamente no caráter reputado hediondo do tráfico privilegiado, em desconformidade, pois, com o entendimento do col. STF e desta Corte Superior. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para, afastando o caráter hediondo do tráfico privilegiado, determinar ao d. Juízo da Execução Penal que analise o preenchimento dos requisitos para o indulto de penas previsto no Decreto Presidencial n. 9.246/2017.” (HC 486.522/SP, j. 19/02/2019)
3) A condenação simultânea nos crimes de tráfico e associação para o tráfico afasta a incidência da causa especial de diminuição prevista no art. 33, §4º, da Lei n. 11.343/06 por estar evidenciada dedicação a atividades criminosas ou participação em organização criminosa.
O crime de associação para o tráfico consiste na reunião de duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, os crimes de tráfico de drogas (nas formas básica ou equiparada – art. 33, caput e § 1º) ou de tráfico de maquinário, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação, produção ou transformação de drogas (art. 34).
Como ensina a doutrina – corroborada pela jurisprudência –, não se trata de um simples concurso de agentes para a prática do tráfico, mas de uma associação com ânimo estável e permanente para cometer o crime de tráfico, ainda que não reiteradamente. É pressuposta, portanto, certa dedicação daqueles que compõem o grupo criminoso, pois a colaboração eventual desfigura o tipo.
A consumação do crime de associação para o tráfico ocorre independentemente do efetivo cometimento do crime visado, que, caso venha a ocorrer, é imputado em concurso.
O tráfico de drogas, por sua vez, contém uma causa de diminuição de pena para as situações em que o agente é primário, com bons antecedentes, não se dedica a atividades criminosas, nem integra organização criminosa.
No caso da imputação em concurso, não são poucos os que buscam ainda assim a incidência da diminuição de pena sob o argumento de que a associação para o tráfico não é por si uma prova de dedicação a atividades criminosas. Além disso, é comum o argumento de que embora tenha havido a prática da associação para o tráfico, o agente cumpre os demais requisitos estabelecidos no § 4º do art. 33 (primariedade, bons antecedentes e não caracterização de organização criminosa).
Estes argumentos não convencem porque, como já destacamos nos comentários à tese 17 da Edição I, os requisitos do tráfico privilegiado são cumulativos. Se, no caso da associação para o tráfico, concluirmos que há de fato dedicação a atividades criminosas, obsta-se o benefício. E não há mesmo possibilidade de desconsiderar essa dedicação para a formação da associação para o tráfico, que, como vimos, pressupõe estabilidade e permanência, cuja existência só se concebe se houver empenho e dedicação para a manutenção da societas criminis, que de resto é um crime permanente:
“3. Os fundamentos utilizados pelas instâncias ordinárias para não aplicar a minorante do § 4º do art. 33 da Lei de Drogas ao caso concreto, em razão da dedicação dos pacientes à atividade criminosa, evidenciada sobretudo pela quantidade de drogas apreendida – 61kg de maconha –, alidada às circunstâncias do delito, está em consonância com o entendimento desta Corte Superior de Justiça. Ademais, acolher a tese de que os pacientes não se dedicam à atividade criminosa, é necessário o reexame aprofundado das provas, inviável em habeas corpus.
4. “A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é no sentido de que a configuração do crime de associação para o tráfico (art. 35 da Lei 11.343/06) é suficiente para afastar a aplicação da causa especial de diminuição de pena contida no § 4º do art. 33, na medida em que evidencia a dedicação do agente à atividade criminosa (AgRg no AREsp n. 1035945/RJ, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, Sexta Turma, julgado em 15/3/2018, DJe 27/3/2018). Assim, mantido o decreto condenatório pela prática do crime tipificado no art. 35 da Lei n. 11.343/2006, não há possibilidade de aplicação da causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei de Drogas” AgRg no AREsp 1293358/PR, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, DJe 10/5/2019).” (HC 511.370/RJ, j. 04/06/2019)
4) O agente que transporta entorpecente no exercício da função de “mula” integra organização criminosa, o que afasta a aplicação da minorante estabelecida no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06.
A orientação retratada nesta tese tem sofrido certa mitigação.
No caso da relação entre a causa de diminuição de pena do tráfico e o transporte de drogas, há quem sustente que o fato de o agente servir de transportador (“mula”) é indicativo bastante de participação em organização criminosa, fator impeditivo da minorante.
O STJ tem tanto decisões nas quais aplica a minorante quanto outras nas quais a afasta, sempre considerando o caso concreto. Em síntese, o tribunal não considera que o fato de o agente servir de transportador da droga caracterize uma presunção absoluta de que integra a organização criminosa à qual esteja servindo. São as circunstâncias da prática criminosa que indicam a extensão de sua colaboração. E, note-se, este papel pode servir inclusive para balizar a quantidade da diminuição da pena, caso a minorante seja aplicada:
“1. Nos termos da jurisprudência deste Sodalício, “a atuação na condição de mula, embora não seja suficiente para denotar que integre, de forma estável e permanente, organização criminosa, configura circunstância concreta e elemento idôneo para valorar negativamente a conduta do agente, na terceira fase da dosimetria, modulando-se a aplicação da causa especial de diminuição de pena pelo tráfico privilegiado, como ocorre na espécie” (AgRg no HC 410.698/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 10/10/2017, DJe 16/10/2017). 2. Na hipótese dos autos, o Tribunal de origem justificou a aplicação da minorante do tráfico na fração mínima de 1/6 (um sexto), ressaltando as circunstâncias do caso concreto, notadamente a gravidade da conduta do réu, que atuou como transportador (mula), colaborando com o tráfico internacional de drogas.” (AgRg no AREsp 1.476.873/SP, j. 28/05/2019)
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“A condição de agente colaborador de crime organizado no tráfico internacional de drogas (“mula”) constitui fundamento idôneo para se valorar negativamente na terceira fase da dosimetria, razão pela qual é válida a aplicação do percentual de redução em 1⁄6, pela incidência da minorante do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343⁄2006. Precedentes.” (AgRg no REsp 1.354.656/SP, DJe 18/08/2017)
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“2. Em consonância com o entendimento desta Quinta Turma, foi ressaltado que a simples atuação do indivíduo flagrado no transporte eventual de droga alheia (“mula”) não pode levar à conclusão de que integre organização criminosa para efeito de afastar a incidência da minorante do art. 33, § 4°, da Lei n. 11.343⁄06. 3. Todavia, a referida minorante foi afastada pois, no caso, as instâncias ordinárias concluíram, com base nos elementos de prova, que o réu “não se trata indivíduo que se apresente totalmente desvinculado de organizações criminosas ou sobre quem não pairem indicativos de que tenha como meio de vida a dedicação ao crime, notadamente em razão “das anotações de viagens anteriores havidas no passaporte do acusado, viagens estas de curta duração (Azerbaijão – 1 semana; Geórgia – 1 dia) e cujo propósito evidentemente não foi aquele mencionado pelo réu na versão que trouxe à baila em seu interrogatório (procura de um trabalho temporário) tudo a indicar que foram realizadas com o mesmo propósito que a viagem feita ao Brasil e que culminou com sua prisão, ou seja, a traficância de drogas.” 4. Com efeito, “esta Corte tem entendido que a atuação como transportador de droga, aliada à presença de elementos que demonstram, concretamente, a vinculação com organização criminosa, é fundamento idôneo para afastar a redução aqui pleiteada.” (AgRg no AREsp 736.510⁄SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 27⁄04⁄2017, DJe 10⁄05⁄2017)” (AgRg no HC 241.072/SP, DJe 18/08/2017)
Com isso, o tribunal segue o entendimento firmado pelo STF:
“2. Descabe afastar a incidência da causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06 com base em mera conjectura ou ilação de que o réu integre organização criminosa. Precedentes. 3. O exercício da função de “mula”, embora indispensável para o tráfico internacional, não traduz, por si só, adesão, em caráter estável e permanente, à estrutura de organização criminosa, até porque esse recrutamento pode ter por finalidade um único transporte de droga. Precedentes” (HC 134.597/SP, DJe 09/08/2016).
5) É possível que a causa de diminuição estabelecida no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06 seja fixada em patamar diverso do máximo de 2/3, em razão da qualidade e da quantidade de droga apreendida.
O § 4º do art. 33 traz a causa de diminuição no tráfico de drogas mas não estabelece os parâmetros que devem ser utilizados pelo julgador para estabelecer a redução entre um sexto e dois terços.
Inexistindo tais parâmetros, uma das soluções adotadas é a utilização do art. 42 da Lei 11.343/06, que impõe ao juiz, na fixação da pena, que considere com preponderância sobre as circunstâncias do art. 59 do CP a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente:
“O legislador não delimitou parâmetros para a redução da pena pela causa de diminuição prevista na Lei de Drogas, de forma que o quantum de redução fica adstrito ao prudente arbítrio do magistrado, que deve observar o princípio do livre convencimento motivado. No caso, a fração implementada revela-se proporcional e fundamentada, tendo as instâncias de origem motivado a escolha do patamar de 1/3 em razão da quantidade de droga apreendida (aproximadamente 380g de maconha ).” (AgRg no HC 462.289/RS, j. 30/05/2019)
A influência do art. 42 na aplicação da pena foi tratada com maiores detalhes nos comentários à tese 16 da Edição I.
6) O juiz pode fixar regime inicial mais gravoso do que aquele relacionado unicamente com o quantum da pena ao considerar a natureza ou a quantidade da droga.
O art. 42 da Lei 11.343/06 também pode ser utilizado como parâmetro para estabelecer o regime inicial do cumprimento da pena, neste caso em conjunto com as disposições do art. 33 do CP. E, a depender da situação, a quantidade e a natureza da droga podem justificar o regime inicial mais severo do que a pena, por si, imporia:
“É idônea e suficiente para justificar o regime mais gravoso a fundamentação baseada no caso concreto, considerando a quantidade de droga apreendida, quase meio quilo e as denúncias de que o réu praticava o tráfico e atuava com um “disk” para atender as ligações dos usuários e entregar o entorpecente, nos estritos termos do art. 33, §§ 2º e 3º, c/c 59, ambos do Código Penal.” (AgRg no HC 499.232/SP, j. 06/06/2019)
Ainda outra questão envolvendo o art. 42 é o fato de que, para o STJ, não existe bis in idem na utilização da natureza e da quantidade da droga para aumentar a pena-sabe ou modular a incidência da minorante no tráfico e para estabelecer o regime inicial de cumprimento da pena. Dessa forma, é possível que o juiz, em razão da quantidade e da variedade de entorpecentes, afaste a causa de diminuição, estabeleça a pena em cinco anos, por exemplo, e imponha, não obstante a pena aplicada, o regime inicial fechado considerando as mesmas circunstâncias:
“Cumpre registrar, que é entendimento pacificado nesta Corte que inexiste bis in idem quando a quantidade e a natureza da droga são consideradas para afastar a minorante ou modula-la e, logo depois, no momento da fixação do regime inicial do cumprimento da reprimenda. (Precedentes.)” (AgRg no AREsp 670.161/MG, DJe 26/05/2017).
“Conforme entendimento jurisprudencial consolidado nesta Corte, não constitui bis in idem a utilização do fundamento com base na quantidade expressiva de droga apreendida para elevar a pena-base e, também, para estabelecer o regime prisional.” (AgInt no REsp 1.539.980/PR, j. 11/04/2019)
Isso decorre do fato de que o regime inicial é uma etapa à parte da aplicação da pena, isto é, não se insere no sistema trifásico, mas se segue a ele. Para determinar o regime inicial, o juiz deve atender aos seguintes fatores: a) espécie de pena; b) quantidade da pena definitiva; c) condições especiais do condenado; d) circunstâncias judiciais. É na análise das circunstâncias judiciais que a natureza e a quantidade da pena voltam a ter relevância.
7) A Lei n. 11.343/06 aboliu a majorante da associação eventual para o tráfico prevista no artigo 18, III, primeira parte, da Lei n. 6.368/76.
A Lei 6.368/76 estabelecia, no art. 18, inc. III, uma causa de aumento para as situações em que houvesse associação eventual (sem estabilidade) – é dizer, mero concurso de agentes – para a prática dos crimes tipificados na mesma lei, dentre eles o tráfico de drogas. A Lei 11.343/06 aboliu a majorante, mudança que deve retroagir em benefício do agente, alcançando fatos pretéritos, ainda que acobertados pelo manto da coisa julgada (art. 2.º, parágrafo único, do CP):
“Com o advento da Lei n. 11.343/2006, ocorreu abolitio criminis no tocante à majorante prevista no artigo 18, inciso III, da Lei n. 6.368/76, motivo pelo qual, em atenção ao princípio da retroatividade da norma penal mais benéfica, constitui constrangimento ilegal manter a sua incidência na condenação.” (HC 142.808/SP, j 14/04/2015)
8) A incidência de mais de uma causa de aumento prevista no art. 40 da Lei n. 11.343/06 não implica a automática majoração da pena acima do mínimo (2/3) na terceira fase, pois a sua exasperação exige fundamentação concreta.
O art. 40 da Lei 11.343/06 contém sete incisos que majoram de um sexto a dois terços as penas dos crimes tipificados entre os artigos 33 e 37. Não raro, concorrem diversas circunstâncias que provocam o aumento, como o envolvimento de criança ou adolescente (inc. VI) no interior ou nas imediações de estabelecimento de ensino (inc. III); ou a prática de tráfico transnacional (inc. I) ou interestadual (inc. V) enquanto o agente se prevalece de função pública (inc. II).
Em casos como os mencionados, a aplicação da pena segue a mesma regra já estabelecida, por exemplo, para a múltipla incidência de majorantes no roubo: o aumento da pena em fração acima do mínimo não pode decorrer simplesmente da soma das circunstâncias. É necessário que o julgador fundamente a exasperação com base em dados de gravidade concreta:
“Segundo a jurisprudência desta Corte Superior, a aplicação das majorantes previstas no art. 40 da Lei de Drogas exige motivação concreta, quando estabelecida acima da fração mínima, não sendo suficiente a mera indicação do número de causas de aumento, em analogia ao disposto na Súmula 443 do STJ, que dispõe: ‘o aumento na terceira fase de aplicação da pena no crime de roubo circunstanciado exige fundamentação concreta, não sendo suficiente para a sua exasperação a mera indicação do número de majorantes’ (Precedentes).” (HC 489.833/RJ, DJe 1/4/2019).
9) O art. 40 da Lei n. 11.343/06 conferiu tratamento mais favorável às causas especiais de aumento de pena, devendo ser aplicado retroativamente aos delitos cometidos sob a égide da Lei n. 6.368/76.
Como vimos nos comentários à tese anterior, o art. 40 da Lei 11.343/06 estabelece causa de aumento de pena que varia entre 1/6 e 2/3. A Lei 6.368/76, no art. 18, era mais rigorosa, pois o aumento partia de 1/3. Logo, aos condenados sob a vigência da lei anterior que tiveram a pena majorada na fração mínima foram beneficiados pela novatio legis in mellius:
“II – In casu, o art. 18, da Lei n.º 6.368/76 previa o aumento de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) da pena pelas majorantes, sendo que o art. 40, da Lei n.º 11.343/2006, diminuiu esse quantum para o intervalo entre 1/6 (um sexto) e 2/3 (dois terços).
III – A lei mais benéfica deve retroagir aos fatos anteriores à sua vigência, de acordo com o art. 5.º, inciso XL, da Constituição Federal, e art. 2.º, parágrafo único, do Código Penal.” (PExt no HC 212.333/SP, j. 15/12/2015)
10) Não acarreta bis in idem a incidência simultânea das majorantes previstas no art. 40 aos crimes de tráfico de drogas e de associação para fins de tráfico, porquanto são delitos autônomos, cujas penas devem ser calculadas e fixadas separadamente.
Vimos anteriormente que o crime de associação para o tráfico é autônomo, ou seja, perfaz-se independentemente da prática dos delitos visados pelo grupo criminoso. Caso tais delitos venham a ser cometidos, imputam-se em concurso com a associação.
O art. 40 da Lei 11.343/06 estabelece causas de aumento de pena que se aplicam tanto ao tráfico quanto à associação para o tráfico. É perfeitamente possível, por exemplo, que entre os membros da associação haja um agente público que tome parte também no tráfico cometido pelo grupo; é possível que a associação vise à prática de tráfico interestadual ou em lugares como escolas, universidades, locais onde se realizem espetáculos ou diversões de qualquer natureza, atividades esportivas, etc. Nestes casos, indaga-se: a incidência simultânea das majorantes sobre o crime de associação e sobre o tráfico cometido é permitida ou há bis in idem neste procedimento?
O STJ chegou à conclusão de que nada impede a incidência simultânea das causas de aumento, exatamente pelo fato de que os crimes são autônomos e devem ter a pena aplicada individualmente:
“3. Não se observa violação ao princípio do non bis in idem a aplicação da causa de aumento do art. 40, inciso VI, da Lei 11.343/2006, cumulativamente, para os crimes de associação para o tráfico (art. 35 da Lei de drogas) e de tráfico de drogas (art. 33 da mesma legislação), haja vista tratarem-se de delitos autônomos.
4. É cabível a aplicação da majorante de o crime envolver ou visar a atingir criança ou adolescente (art. 40, VI, da Lei 11.343/2006) em delito de associação para o tráfico de drogas com menor de idade.” (HC 250.455/RJ, j. 17/12/2015)
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