11) Não há bis in idem na aplicação da causa de aumento de pena pela transnacionalidade (art. 40, I, da Lei n. 11.343/06) com as condutas de importar e exportar previstas no caput do art. 33 da Lei de Drogas, porquanto o simples fato de o agente trazer consigo a droga já conduz à configuração da tipicidade formal do crime de tráfico.
Dentre as dezoito condutas típicas que compõem o tipo do tráfico de drogas, temos as de importar e exportar ilegalmente a substância. Ocorre que, no art. 40, o inciso I aumenta pena se “a natureza, a procedência da substância ou do produto apreendido e as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade do delito”.
Há quem sustente a impossibilidade de aplicar a majorante, pois a importação já serve como elementar do crime de tráfico. Mas tanto o STF quanto o STJ consideram inexistir bis in idem na tipificação da conduta do tráfico pela importação ou exportação de drogas com a incidência do aumento da pena em virtude da transnacionalidade:
“A causa de aumento em razão da transnacionalidade é aplicável ao agente que transporta a droga para o exterior ou com ela adentra as fronteiras de nosso país, não configurando bis in idem. Precedentes” (STF – HC 132.459/SP, DJe 13/02/2017).
“Não configura bis in idem a aplicação da majorante do artigo 40, I, da Lei n. 11.343/2006, em razão da transnacionalidade do crime de tráfico de entorpecentes, porquanto o art. 33 caput, do mesmo pergaminho legal, encerra tipo penal de ação múltipla, cuja configuração se dá com a mera conduta antecedente de “trazer consigo” a droga que o agente tenciona transportar para o exterior, sendo esta última circunstância um plus que justifica a exasperação da pena cominada ao delito” (STJ – RHC 59.063/SP, j. 07/06/2018)
12) Configura-se a transnacionalidade do tráfico de drogas com a comprovação de que a substância tinha como destino ou origem outro país, independentemente da efetiva transposição de fronteiras.
Já vimos que a transnacionalidade do delito de tráfico provoca o aumento da pena, segundo o disposto no art. 40, inc. I, da Lei 11.343/06. Mas a incidência da majorante relativa pressupõe a efetiva transposição de fronteiras? Não. O STJ firmou a orientação de que a transnacionalidade pode se caracterizar apenas pela prova de que a droga será remetida ao exterior ou virá do exterior para o Brasil, dispensando-se o efetivo cruzamento dos limites nacionais:
“1. Para a caracterização da transnacionalidade do tráfico de entorpecentes, é desnecessária a comprovação de transposição e fronteiras, bastando que as circunstâncias do crime indiquem que a droga era proveniente de local fora dos limites territoriais nacionais. Doutrina. Jurisprudência.
2. Na espécie, havendo a comprovação de que o recorrente integrava organização criminosa liderada por um colombiano e um peruano, e que se destinava à comercialização de drogas oriundas do Peru, não há que se falar na incompetência da Justiça Federal, sendo certo, outrossim, que para se atestar a inexistência de elementos de convicção hábeis a confirmar a transnacionalidade do delito seria necessário o revolvimento de matéria fático-probatória, providência vedada na via eleita. Precedentes.” (RHC 69.177/MA, j. 21/08/2018)
Sobre o tema, o STJ editou a súmula 607: “A majorante do tráfico transnacional de drogas (art. 40, I, da lei 11.343/06) se configura com a prova da destinação internacional das drogas, ainda que não consumada a transposição de fronteiras”.
13) Para a incidência da majorante prevista no art. 40, V, da Lei n. 11.343/06 é desnecessária a efetiva transposição de fronteiras entre estados, sendo suficiente a demonstração inequívoca da intenção de realizar o tráfico interestadual.
O tráfico cometido entre estados da Federação também é majorado segundo o art. 40 da Lei 11.343/06 (inc. V). O mesmo debate a respeito da transposição de limites travado no tráfico transnacional tinha lugar no interestadual, e também aqui o STJ pacificou sua orientação no sentido de que basta a comprovação da intenção de praticar o tráfico entre dois ou mais estados, dispensando-se o deslocamento entre divisas:
“Na linha da jurisprudência desta eg. Corte Superior, irrelevante a efetiva transposição das fronteiras estaduais, bastando a comprovação de que a droga tinha, como destino, outra unidade da federação, o que restou evidenciado no caso.” (AgRg no REsp 1.780.918/RO, j. 12/03/2019)
O tribunal também editou uma súmula (587) sobre este tema: “Para a incidência da majorante prevista no artigo 40, inciso V, da lei 11.343/06 é desnecessária a efetiva transposição de fronteiras entre Estados da Federação, sendo suficiente a demonstração inequívoca da intenção de realizar o tráfico interestadual”.
14) As condutas anteriormente descritas no art. 12, § 2º, III, da Lei n. 6.368/76 foram mantidas pela nova Lei de Drogas, razão pela qual não há que se falar em abolitio criminis.
O § 2º do art. 12 da Lei 6.368/76 tipificava algumas condutas equiparadas ao tráfico de drogas. O inciso III determinava que incorria na mesma pena do tráfico quem contribuísse de qualquer forma para incentivar ou difundir o uso indevido ou o tráfico ilícito de droga.
A Lei 11.343/06 não repete literalmente aquele tipo penal, mas o STJ tem decidido que a conduta permanece típica em outros termos. Em um dos julgados, o agente reivindicava os efeitos da abolitio criminis porque havia sido condenado, com base no mencionado inc. III do artigo 12, por arregimentar pessoas para a função de transporte de drogas, e, segundo se decidiu, a conduta se amolda perfeitamente ao caput do art. 33, pois quem contribui de qualquer forma para incentivar o tráfico concorre para sua prática (art. 29 do CP):
“No que tange à pretendida absolvição do recorrente em relação ao crime de tráfico de drogas, faço o registro de que ele foi condenado, na verdade, pela figura descrita no inciso III do § 2º do art. 12 da Lei n. 6.368/1976 (e não pelo crime previsto no caput), o qual tipifica a conduta daquele que “contribui de qualquer forma para incentivar ou difundir o uso indevido ou o tráfico ilícito de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica”.
Assim, entendo que a conduta praticada pelo recorrente – aliciamento de pessoas para trabalharem como “mulas” no transporte de drogas para o exterior – se amolda perfeitamente ao descrito no preceito primário da norma penal incriminadora, motivo pelo qual não vejo como absolvê-lo em relação à prática do crime previsto no art. 12, § 2º, III, da Lei n. 6.368/1976.,
(…)
Há de se admitir que, aparentemente, houve uma lacuna na nova legislação de drogas (Lei n. 11.343/2006), o que permitiria, em tese, extinguir a punibilidade de todos aqueles que houvessem sido condenados especificamente pelo art. 12, § 2º, III, da Lei n. 6.368/1976.
Assim, para se reconhecer que a nova lei recepcionou a conduta imputada ao recorrente, é necessário superar a interpretação literal reivindicada no recurso especial – e reiterada neste agravo regimental – e socorrer-se da interpretação sistemática.
(…)
Por essas razões é que esta Corte Superior de Justiça possui o entendimento consolidado de que, com o advento da Lei n. 11.343/2006, não houve abolitio criminis da conduta prevista no art. 12, § 2º, III, da Lei n. 6.368/1976, porquanto, interpretando-se sistematicamente a nova Lei de Drogas, verifica-se que, embora não repetidas literalmente em um único dispositivo, as condutas anteriormente tipificadas no referido dispositivo subsistem desdobradas em outros artigos da nova legislação.” (AgRg no REsp 1.410.569/SP, j. 26/09/2017)
15) A inobservância do rito procedimental que prevê a apresentação de defesa prévia antes do recebimento da denúncia gera nulidade relativa desde que demonstrados eventuais prejuízos suportados pela defesa.
No rito estabelecido pela Lei 11.343/06, o recebimento da denúncia é precedido da notificação para que o agente apresente sua defesa. É o que dispõe o art. 55:
“Art. 55. Oferecida a denúncia, o juiz ordenará a notificação do acusado para oferecer defesa prévia, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias.”
Na resposta, o denunciado deve suscitar todas as teses de interesse para sua defesa, inclusive matérias preliminares ao mérito, sob pena de, não o fazendo neste momento oportuno, operar-se a preclusão. As matérias podem ser as mais diversas, mas, em especial, deve-se atentar para o disposto no art. 397 do Código de Processo Penal, que dá ensejo à absolvição sumária, caso acolhida a respectiva alegação. Assim, nessa oportunidade devem ser agitadas causas de atipicidade, excludentes de ilicitude, culpabilidade ou punibilidade. A juntada de documentos que interessem à defesa, bem como do rol das testemunhas (no máximo de cinco) também ocorre neste momento. Caso a defesa pretenda obter esclarecimentos do perito, acareações, reconhecimentos a serem produzidos em audiência, é este também o momento oportuno para que se requeiram essas provas.
Ocorre que nem sempre o rito estabelecido na Lei 11.343/06 é seguido. São inúmeras as situações em que se aplicam as disposições dos artigos 394 e seguintes do CPP, o que provoca primeiro o recebimento da denúncia para que somente em seguida se efetue a citação a fim de que a resposta à acusação seja apresentada (arts. 396 e 396-A). Com isso, inverte-se a ordem estabelecida na lei especial, que possibilita que a resposta obste a própria deflagração da ação penal.
Em razão dessa inversão, não são poucos os casos de inconformismo em que réus processados por tráfico e outros crimes relacionados na Lei 11.343/06 buscam a decretação de nulidade por cerceamento de defesa. Tais pretensões, no entanto, não têm encontrado respaldo na jurisprudência.
Com efeito, o STJ firmou a tese de que não se atribui nulidade absoluta à inversão entre a notificação para a apresentação da defesa e o recebimento da denúncia:
“I – A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que a não observância do rito procedimental previsto na Lei de Drogas – ausência de notificação para apresentação de defesa preliminar, antes do recebimento da denúncia, nos termos do art. 55 da Lei n. 11.343/2006 – gera nulidade relativa. Não demonstrado, com base em elementos concretos, eventuais prejuízos suportados pela não observância do mencionado rito, não se reconhece a nulidade.
II – Inviável o reconhecimento de nulidade pelo indeferimento do pedido de reabertura do prazo para o oferecimento de resposta à acusação, se foram dadas duas oportunidades para apresentação da referida peça preliminar de defesa, com a renovação de prazos, mas o advogado do recorrente os deixou transcorrer in albis.
III – Além disso, o defensor constituído continuou a se manifestar nos autos e compareceu aos demais atos processuais, tendo acompanhado o recorrente nas audiências e, inclusive, formulado indagações às testemunhas e aos corréus, manifestando-se por escrito em oportunidades distintas.
IV – Se foi oportunizado ao recorrente o direito de manifestar-se, na forma do art. 396-A do Código de Processo Penal, por mais de uma vez, no curso da instrução processual, e se as petições apresentadas pela Defesa foram interpretadas pelo Juízo de 1º grau como estratégia defensiva de postergar as teses de mérito para o final da instrução, não há qualquer nulidade a ser reconhecida.” (RHC 94.446/MS, j. 15/05/2018)
16) É dispensável a expedição de mandado de busca e apreensão domiciliar quando se trata de flagrante de crime permanente, como é o caso do tráfico ilícito de entorpecentes na modalidade guardar ou ter em depósito.
Segundo a Constituição Federal (art. 5º, inc. XI), “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”. Em resumo, como exceções ao princípio geral da inviolabilidade, permite-se o ingresso na casa da pessoa: 1) a qualquer hora, em caso de flagrante delito, desastre ou para prestação de socorro; 2) fora de tais hipóteses, somente por meio de mandado judicial e durante o dia. Tourinho Filho indica outras exceções que, embora não previstas em lei, admitiriam o ingresso na casa alheira. Assim, “aquele que invade o domicílio em legítima defesa de terceiro, vítima de agressão praticada pelo dono da casa; ou quem o faz em estado de necessidade, fugindo de um perseguidor; há, ainda, a possibilidade de adentrar a casa no cumprimento de um dever legal (visita do mata-mosquito), ou no exercício regular de um direito, como na hipótese do art. 587 do Código Civil [atual art. 1.313, inc. I], que obriga o dono da casa a consentir a entrada do vizinho, ‘quando seja indispensável à reparação ou limpeza, construção e reconstrução de sua casa’” (Código de Processo Penal comentado, São Paulo: Saraiva, 2005, 9ª. Ed., p. 355).
Nesta seara, o crime de tráfico de drogas é peculiar, pois certas condutas que o caracterizam correspondem a crimes permanentes, cuja consumação se prolonga no tempo, admitindo o flagrante a qualquer momento. Dessa forma, o agente que, por exemplo, guarda ou tem em depósito determinada quantidade de droga em sua residência está continuamente em flagrante delito. Considerando a exceção trazida pelo próprio dispositivo constitucional a respeito da inviolabilidade do domicílio, conclui-se que o armazenamento de drogas em determinada residência admite a entrada de agentes policiais independentemente de autorização judicial.
Mas as circunstâncias nem sempre permitem a certeza de que em determinado imóvel há drogas armazenadas. Muitas vezes os policiais obtêm informações, por meio de diligências, de que tal indivíduo mantém drogas em determinado lugar; há também situações em que indivíduos são abordados na rua, próximos a pontos de vendas de drogas, e acabam confessando que as têm armazenadas em algum lugar. Nesses casos, a jurisprudência do STJ se orienta, no geral, no sentido de que o mandado de busca e apreensão é prescindível, justamente porque se trata de crime permanente, que atrai a situação de flagrância:
“2. Segundo jurisprudência firmada nesta Corte, o crime de tráfico de drogas, na modalidade de guardar ou ter em depósito, constitui crime permanente, configurando-se o flagrante enquanto o entorpecente estiver em poder do infrator, incidindo, portanto, a excepcionalidade do art. 5 º, inciso XI, da Constituição Federal.
3. O Pleno do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE n. 603.616, reafirmou o referido entendimento, com o alerta de que para a adoção da medida de busca e apreensão sem mandado judicial, faz-se necessária a caracterização dejusta causa, consubstanciada em razões as quais indiquem a situação de flagrante delito.
4. No caso em exame, a justa causa para a adoção da medida de busca e apreensão sem mandado judicial evidencia-se no fato de que os agentes estatais já tinham informação de que na residência do acusado estaria ocorrendo o tráfico de drogas, informações inclusive confirmadas por vizinhos próximos que falavam ser constante o tráfico de entorpecentes no local. Ainda, relataram que “no dia estavam realizando rondas e quando estavam próximos da residência apagaram a luz da viatura para evitarem serem vistos, momento em que visualizaram três homens na frente da casa do acusado, sendo que dois se evadiram e um correu para o interior. Que adentraram a casa e encontraram o homem que fugiu, revistando-o e depois acionaram a guarnição com os cães farejadores.” Na ocasião, lograram êxito em apreender a quantidade de drogas contida no auto de exibição e apreensão – 23,55g de maconha; 5,12g de cocaína; e 94,62g de crack –, além de apetrechos típicos da prática do tráfico, como balança de precisão, rolo de papel filme, e rádio comunicador.
5. Considerando a natureza permanente do delito de tráfico e estando devidamente registrada a justa causa para ensejar o ingresso dos agentes de polícia no domicílio do réu, como acima destacado, conclui-se que não se identifica a manifesta ilegalidade sustentada pela defesa.” (HC 437.178/SC, j. 06/06/2019)
Essa orientação, contudo, não é irrestrita, e é aplicada de acordo com as circunstâncias do caso concreto, tanto que, em outra decisão, o STJ considerou ilegal a busca realizada com fundamento apenas em “denúncia anônima”:
“2. Na hipótese vertente, o ingresso forçado na casa onde estava o Réu não possui fundadas razões, pois está apoiado em informação de inteligência policial (notícia anônima) como único elemento prévio à violação do domicílio.
3. Por certo, “embora do policial que realiza a busca sem mandado judicial não se exige certeza quanto ao sucesso da medida”, a “proteção contra a busca arbitrária exige que a diligência seja avaliada com base no que se sabia antes de sua realização, não depois” (RE 603.616, Rel. Ministro GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 05/11/2015, DJe-093 09/05/2016).
4. Sem embargo, é amplo o leque de elementos que se prestam a preencher o requisito de fundadas razões, pois deve haver compatibilidade com a fase de obtenção de provas. De outra parte, elementos que não têm força probatória em juízo não servem para caracterizar as fundadas razões.” (HC 496.420/SP, j. 30/05/2019)
17) A posse de substância entorpecente para uso próprio configura crime doloso e, quando cometido no interior do estabelecimento prisional constitui falta grave, nos termos do art. 52 da Lei de Execução Penal – LEP (Lei n. 7.210/84).
Vimos nos comentários à tese nº 1 da Edição I que a Lei 11.343/06 somente despenalizou a infração penal relativa à posse de drogas para uso próprio, mantendo-se a natureza criminosa.
Não obstante, há os que sustentam o contrário, ou seja, que, ao afastar a possibilidade de restrição de liberdade, o legislador confere ao art. 28 da Lei 11.343/06 a natureza de infração não criminal.
O debate se estende a questões relativas à execução penal, pois, dentre as faltas graves elencadas pela Lei 7.210/84, está inserida a prática de crime doloso. O preso surpreendido com drogas para consumo pessoal pode ser punido por falta grave? A resposta depende da orientação adotada a respeito da natureza da infração do art. 28.
A tese nº 17 do STJ se baseia na orientação majoritária de que a Lei 11.343/06 não descriminalizou a posse de drogas para uso pessoal, razão pela qual o preso deve responder a procedimento administrativo interno pelo cometimento da falta disciplinar:
“O Superior Tribunal firmou entendimento de que a posse de drogas no interior de estabelecimentos prisionais, ainda que para uso próprio, configura falta disciplinar de natureza grave, nos moldes do art. 52 da Lei de Execução Penal. Precedentes.” (AgRg no HC 452.232/MG, j. 11/09/2018)
18) A comprovação da materialidade do delito de posse de drogas para uso próprio (artigo 28 da Lei n.11.343/06) exige a elaboração de laudo de constatação da substância entorpecente que evidencie a natureza e a quantidade da substância apreendida.
O art. 28, caput, da Lei 11.343/06 anuncia cinco verbos nucleares, punindo aquele que adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo droga. Alerta a doutrina que o tipo não pune o agente surpreendido usando droga (inalando cocaína, por exemplo), se não houver a possibilidade de encontrar psicotrópico em seu poder, pois, tratando-se de tipo penal que faz referência a substância proibida, por sua vez elencada em ato administrativo do Ministério da Saúde, é imprescindível a apreensão de determinada quantidade para que se efetue o exame toxicológico. Se não apreendida a substância, ou se por outro motivo não se providenciar o exame pericial, é impossível comprovar a materialidade delitiva, pois de simples depoimentos, ou mesmo de confissões, não se pode inferir qual a natureza da substância.
Vários precedentes desta tese versavam sobre a punição da posse de drogas no interior de estabelecimentos prisionais, o que, além das consequências estabelecidas na Lei 11.343/06, provoca a responsabilização por falta grave:
“A jurisprudência do STJ firmou “a orientação no sentido da imprescindibilidade do laudo toxicológico para comprovar a materialidade da infração disciplinar e a natureza da substância encontrada com o apenado no interior de estabelecimento prisional” (HC n. 373.648⁄MG, Rel. Min. JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 16⁄2⁄2017, DJe 24⁄2⁄2017)” (AgRg no HC 448.115/SP, j. 23/04/2019)
19) O laudo pericial definitivo atestando a ilicitude da droga afasta eventuais irregularidades do laudo preliminar realizado na fase de investigação.
Dispõem os §§ 1º e 2º do art. 50 da Lei 11.343/06:
“§ 1º Para efeito da lavratura do auto de prisão em flagrante e estabelecimento da materialidade do delito, é suficiente o laudo de constatação da natureza e quantidade da droga, firmado por perito oficial ou, na falta deste, por pessoa idônea.
§ 2º O perito que subscrever o laudo a que se refere o § 1.º deste artigo não ficará impedido de participar da elaboração do laudo definitivo.”
Como se extrai dos dispositivos acima transcritos, são dois os laudos que devem ser elaborados. O primeiro, chamado laudo de constatação, deve indicar se o material apreendido, efetivamente, é uma droga incluída em lista da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária, do Ministério da Saúde), apontando, ainda, sua quantidade. Trata-se, portanto, de um exame provisório, apto, ainda que sem maior aprofundamento, a comprovar a materialidade do delito e, como tal, autorizar a prisão do agente ou a instauração do respectivo inquérito policial, caso não verificado o estado de flagrância. É firmado por um perito oficial ou, em sua falta, por pessoa idônea.
Além deste, há o laudo definitivo, presumivelmente mais complexo, que, como o nome indica, trará a certeza quanto à materialidade do delito, definindo, de vez, se o material pesquisado efetivamente é uma droga. Esse laudo, a teor do art. 159 do Código de Processo Penal, deve ser elaborado por perito oficial ou, na sua falta, “por 2 (duas) pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área específica, dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame”, nos termos do § 1º, do mesmo dispositivo. Nada impede, outrossim, que o mesmo perito elabore o laudo de constatação e, mais adiante, o laudo definitivo. É isso, aliás, que ocorre na prática.
Caso haja alguma falha na elaboração do laudo de constatação, o laudo definitivo que ateste regularmente a natureza da substância pode supri-la, sem que se cogite alguma espécie de nulidade:
“De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o laudo preliminar de constatação é peça meramente informativa, ficando superadas eventuais irregularidades ocorridas na fase de investigação com a juntada do laudo definitivo. (HC 277.347⁄AM, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma, DJe 19⁄03⁄2014).” (AgRg no AREsp 500.179/SP, j, 23/06/2015)
20) O laudo de constatação preliminar da substância entorpecente constitui condição de procedibilidade para apuração do crime de tráfico de drogas.
Como a posse de drogas para consumo próprio, o tráfico de drogas só pode ser demonstrado se a substância for apreendida e submetida a exame, pois somente assim é possível comprovar a natureza daquilo a que se atribui o comércio ilegal.
Tendo em vista que o § 1º do art. 50 da Lei 11.343/06 dispõe que o laudo de constatação preliminar é suficiente para a lavratura do auto de prisão em flagrante e para estabelecer a materialidade do delito, conclui-se que, sem ele, não é possível que se formalize a prisão e, menos ainda, que se ofereça denúncia:
“De acordo com a Lei 11.343⁄2006, não se admite a prisão em flagrante e o recebimento da denúncia pelo crime de tráfico de drogas sem que seja demonstrada, ao menos em juízo inicial, a materialidade da conduta por meio de laudo de constatação preliminar da substância entorpecente, que configura condição de procedibilidade para a apuração do ilícito em comento.” (HC 388.361/SP, j. 18/04/2017)
Para se aprofundar, recomendamos:
Livro: Código de Processo Penal e Lei de Execução Penal Comentados por Artigos