7) Para a caracterização da causa de aumento de pena do art. 40, inciso III, da Lei n. 11.343/2006, é necessária a efetiva oferta ou a comercialização da droga no interior de veículo público, não bastando, para a sua incidência, o fato de o agente ter se utilizado dele como meio de locomoção e de transporte da substância ilícita.
O debate, neste caso, se estabelece na possibilidade de aumentar a pena em virtude da simples condução da droga – com finalidade mercantil – por meio do sistema de transporte público.
O STJ se orienta no sentido de que a majorante só pode ser aplicada se o transporte público for utilizado (ou se o agente pretender utilizá-lo) para o efetivo comércio da droga. Caso sua intenção seja simplesmente se deslocar com droga utilizando o sistema de transporte público, não há o aumento:
“O entendimento deste Superior Tribunal é de que, para a caracterização da majorante do art. 40, III, da Lei n. 11.343⁄2006, é necessária a efetiva oferta ou a comercialização da droga no interior do veículo público, não bastando, para a sua incidência, o só fato de o agente ter se utilizado dele como meio de locomoção e transporte da substância ilícita.” (HC 455.652/SP, j. 04/09/2018)
É também a orientação seguida pelo STF:
“TRÁFICO DE DROGAS – CAUSA DE AUMENTO – TRANSPORTE PÚBLICO. O que previsto no inciso III do artigo 40 da Lei nº 11.343/2006, relativamente ao transporte público, pressupõe o tráfico no respectivo âmbito, e não a simples locomoção do detentor da droga.” (HC 120.275/PR, j. 15/05/2018)
8) A incidência da majorante da segunda parte do inciso III do art. 18 da Lei n. 6. 368/1976 – “visar [o crime] a menores de 21 (vinte e um) anos” -, segue contemplada no art. 40, inciso VI, da nova Lei de Drogas – “sua prática envolver ou visar a atingir criança ou adolescente” -, não restando configurada a abolitio criminis.
Dentre as majorantes estabelecidas no art. 18 da revogada Lei 6.368/76, o inciso III impunha o aumento se algum dos crimes tipificados na lei decorressem de associação ou visassem a menores de vinte e um anos ou a pessoa com idade igual ou superior a sessenta anos ou a quem tivesse, por qualquer causa, diminuída ou suprimida a capacidade de discernimento ou de autodeterminação.
A majorante relativa à associação eventual foi abolida, como vimos nos comentários à tese nº 7 da Edição II. Também foi abolida a majorante relativa à pessoa com idade igual ou superior a sessenta anos.
Mas a Lei 11.343/06, no inciso VI do art. 40, contempla a majoração da pena se a prática do crime envolver ou visar a atingir criança ou adolescente ou a quem tenha, por qualquer motivo, diminuída ou suprimida a capacidade de entendimento e determinação.
Nota-se, no entanto, uma diferença: não se trata, como antes, de “menor de vinte e um anos”, mas de “criança ou adolescente”, ou seja, pessoa com até dezoito anos de idade. Logo, condenados no passado com base no aumento decorrente do envolvimento de pessoas entre os dezoito e os vinte um anos são beneficiados pela retroatividade benéfica, mas não é possível falar, pura e simplesmente, que a majorante deixou de existir porque, entre os menores de vinte e um anos, estão as crianças e os adolescentes, mencionados na lei atual:
“Esta Corte Superior acumula julgados reconhecendo a abolitio criminis quanto à causa de aumento prevista na primeira parte do inciso II do art. 18 da Lei n. 6.368⁄76, porquanto a novel legislação antidrogas não prevê majoração da pena em razão de o delito “decorrer de associação”. In casu, todavia, a majoração da pena decorreu da incidência da segunda parte do inciso III do art. 18 da antiga Lei de Drogas – “visar [o crime] a menores de 21 (vinte e um) anos”. Tal causa de aumento segue contemplada no art. 40, inciso VI, da Lei n. 11.343⁄06 – “sua prática envolver ou visar a atingir criança ou adolescente” –, de modo que não há falar, na espécie, em abolitio criminis. Precedentes.” (HC 378.072/SP, j. 11/09/2018)
9) O ato infracional análogo ao tráfico de drogas, por si só, não conduz obrigatoriamente à imposição de medida socioeducativa de internação do adolescente.
De acordo com o art. 122 da Lei nº 8.069/90, a medida de internação do adolescente autor de ato infracional é aplicada quando: a) trata-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa; b) há reiteração no cometimento de outras infrações graves; c) há descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta (incisos I a III).
Se considerarmos os requisitos para a imposição da medida de internação, o simples cometimento de ato análogo ao tráfico de drogas não pode acarretar a privação da liberdade do adolescente infrator. Não obstante, dada a gravidade da conduta – cujo crime correspondente é equiparado a hediondo –, são muitas as decisões nas quais a internação é imposta sem que estejam presentes as circunstâncias do art. 122 do ECA.
O STJ, no entanto, editou a súmula nº 492 no sentido de que a internação não pode ser imposta somente pelo fato de o ato infracional corresponder ao crime de tráfico de drogas. Para o tribunal – que ainda decide reiteradamente sobre essa matéria:
“1. A medida socioeducativa de internação somente pode ser aplicada quando caracterizada uma das hipóteses previstas no art. 122 do Estatuto da Criança e do Adolescente e caso não haja outra medida mais adequada e menos onerosa à liberdade do adolescente.
2. A gravidade concreta do ato infracional análogo ao crime de tráfico de drogas, por si só, não pode ensejar a imposição de internação ao paciente, com fulcro no art. 122, I, do ECA. Súmula n. 492 do STJ.
3. Verificado que a conduta praticada pelo infrator é desprovida de violência ou grave ameaça contra pessoa (inciso I), que não consta nos autos notícia de reiteração no cometimento de outras infrações graves (inciso II), tampouco de descumprimento reiterado e injustificável de medida anteriormente imposta (inciso III), não há como subsistir a imposição da medida socioeducativa de internação.
4. A se considerar que o Juízo singular salientou a extrema gravidade do ato infracional, “com vasta quantidade de droga apreendida” (fl. 28) – no quarto do adolescente foram apreendidos 344,8 g de maconha, além de petrechos típicos do tráfico –, a medida de semiliberdade se mostra a mais razoável e proporcional para possibilitar a reintegração do paciente à sociedade, dado o melhor interesse do menor e a doutrina da proteção integral.” (HC 494.862/SP, j. 07/05/2019)
10) Configura ofensa ao princípio da proteção integral a aplicação de medida de semiliberdade ao adolescente pela prática de ato infracional análogo ao crime previsto no art. 28 da Lei n. 11.343/2006.
O art. 28 da Lei 11.343/06 não comina penas privativas ou restritivas de liberdade a quem adquire, guarda, tem em depósito, transporta ou traz consigo droga para consumo pessoal. Há apenas advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
Por esta razão, não se admite que ao adolescente autor de ato infracional análogo ao art. 28 seja imposta medida restritiva da liberdade, consequência mais grave do que a sofrida pelo imputável que comete o mesmo ato.
Segundo o STJ, a imposição de medida socioeducativa de semiliberdade, que consiste no afastamento do adolescente do convívio familiar sem privação total do direito de ir e vir, ofende o princípio da proteção integral, adotado expressamente no art. 1º do Estatuto da Criança e do Adolescente e que se funda na interpretação sistemática dos dispositivos constitucionais que elevam ao nível máximo de validade e eficácia as normas referentes às crianças e aos adolescentes:
“Configura ofensa ao princípio da proteção integral, a aplicação de semiliberdade ao adolescente pela prática de ato infracional análogo ao crime previsto no art. 28 da Lei 11.343⁄06, na medida em que a aludida medida socioeducativa se mostra mais gravosa do que o preceito secundário do crime de posse de drogas para consumo próprio, aplicável aos maiores de 18 anos. Precedentes desta Corte e do STF.” (REsp 1.753.563/MG, j. 02/10/2018)
O STF também já chegou à mesma conclusão:
“É vedada a submissão de adolescente a tratamento mais gravoso do que aquele conferido ao adulto. 3. Em se tratando da criminalização do uso de entorpecentes, não se admite a imposição ao condenado de pena restritiva de liberdade, nem mesmo em caso de reiteração ou de descumprimento de medidas anteriormente aplicadas. Não sendo possível, por ato infracional análogo ao delito do art. 28 da Lei de drogas, a internação ou a restrição parcial da liberdade de adolescentes.” (HC 119.160/SP, j. 09/04/2014)
11) O crime de uso de entorpecente para consumo próprio, previsto no art. 28 da Lei n. 11.343/2006, é de menor potencial ofensivo, o que determina a competência do juizado especial estadual, já que ele não está previsto em tratado internacional e o art. 70 da Lei de Drogas não o inclui dentre os que devem ser julgados pela justiça federal.
Esta tese surgiu na esteira de conflitos de competência decorrentes da desclassificação do crime de tráfico transnacional de drogas para o crime de porte de drogas para consumo pessoal.
Em um dos precedentes, um indivíduo havia sido surpreendido com determinada quantidade de droga vindo da Bolívia para o Brasil. Iniciada a investigação por tráfico, o juízo federal concluiu pela ocorrência do porte para consumo, declinou de sua competência e remeteu o processo ao Juizado Especial Estadual, que, por sua vez, suscitou o conflito sob o argumento de que o fato se subsumia ao tipo do tráfico.
Nota-se que, na realidade, a controvérsia não se estabelece em torno da competência para julgamento do art. 28, mas da interpretação do fato apurado e da respectiva tipificação. É o que se extrai dos seguintes julgados:
“1. O crime de uso de entorpecente para consumo próprio, previsto no art. 28 da Lei 11.343/06, é de menor potencial ofensivo, o que determina a competência do Juizado Especial estadual, já que ele não está previsto em tratado internacional e o art. 70 da Lei n. 11.343/2006 não o inclui dentre os que devem ser julgados pela Justiça Federal.
2. Ao qualificar uma conduta como “porte de drogas para consumo pessoal”, o magistrado deve orientar-se pelos parâmetros objetivos e subjetivos definidos no § 2º do art. 28 da Lei 11.343/2006, que determina o exame da quantidade e natureza da droga, seu destino, o local e condições em que se desenvolveu a ação, assim como as circunstâncias sociais e pessoais, além da conduta e dos antecedentes do agente.
3. A mera potencialidade de refinamento de matéria prima da droga não induz, necessariamente, à conclusão de que a intenção daquele que a porta é refiná-la, com vistas à sua comercialização, máxime quando desacompanhada de indícios de que o portador possua apetrechos e/ou conhecimentos que lhe permitam fazê-lo, nem tampouco indícios de conexão com outro(s) traficante(s) ou mesmo de atividades suspeitas que sinalizem a obtenção de renda sem fonte lícita.
4. Situação em que o réu foi surpreendido, no dia 16/08/2014, durante fiscalização de rotina da Receita Federal em Posto de Estra, próximo à fronteira Brasil/Bolívia, trazendo consigo 185 (cento e oitenta e cinco) gramas de cocaína, na forma de pasta-base, adquirida na Bolívia.
5. A pequena quantidade de entorpecente apreendida em poder do réu, somada à sua confissão de dependência química e à existência de um único antecedente penal ocorrido há mais de 10 (dez) anos relacionado ao tráfico, sem nenhuma evidência recente de relacionamento com traficantes, ou mesmo de atividades suspeitas que indiquem a obtenção de renda sem fonte lícita, demonstram estar correto o Juízo suscitado (da Justiça Federal) quando afirmou não existirem, nos autos, elementos aptos a sustentar a tipificação do art. 33 c/c 40, I e III, da Lei 11.343/2006, merecendo a conduta descrita na denúncia ser desclassificada e reenquadrada no tipo penal do art. 28 da Lei 11.343/2006.
6. Conflito conhecido, para declarar competente para o julgamento da ação penal o Juízo de Direito do Juizado Especial Cível e Criminal de Corumbá/MS, o suscitante.” (CC 144.910/MS, j. 13/04/2016)
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“Há muito firmou-se jurisprudência nesta Corte Superior acerca do tema, consolidando o entendimento de que a conduta descrita no art. 28 da Lei n. 11.343/2006 deve ser apreciada pela Justiça Estadual.
(…)
No caso concreto, registro que “o juízo suscitante aponta elementos indicativos de que a droga apreendida, de procedência estrangeira, não seria comercializada. Destaca, nesse sentido, a pouca quantidade de maconha (cerca de 171g), a confissão de que seria utilizada para consumo próprio, o depoimento prestado pelo policial militar responsável pelo flagrante, em juízo, confirmando a confissão, e a aparente irrazoabilidade do deslocamento internacional para a aquisição de pequena quantidade de droga, se destinada à revenda” (e-STJ, fl. 268).” (CC 159.433/RR, j. 13/09/2018)
Talvez o julgado que mais se aproxime de um real conflito sobre a competência para julgamento do porte de droga para uso próprio seja o proferido pelo STJ no conflito 37.819, que versava sobre a interpretação da Lei 10.259/01, que instituiu os Juizados Especiais Federais.
Para recordar, em sua redação original, o art. 61 da Lei 9.099/95 dispunha que os crimes de menor potencial ofensivo eram aqueles cuja pena máxima não ultrapasse um ano. A Lei 10.259/01, por sua vez, dispunha no parágrafo único do art. 2º que se consideravam infrações de menor potencial ofensivo, para os efeitos da própria lei, os crimes a que fosse cominada pena máxima não superior a dois anos. À época, isto causou certa controvérsia a respeito da efetiva definição dos crimes de menor potencial ofensivo no âmbito estadual.
Por inusitado que possa parecer, o STJ foi provocado a decidir um conflito de competência suscitado a partir da interpretação de que, com a entrada em vigor da Lei 10.259/01, todos os crimes de menor potencial ofensivo passariam à competência dos recém-criados Juizados Especiais Federais. Mas o tribunal, evidentemente, não encampou a tese:
“Inicialmente, cabe a ressalva de que a simples criação dos Juizados Especiais Federais, pela Lei nº 10.259⁄01, não tem o condão de atrair todo o universo de delitos de menor potencial ofensivo com pena máxima prevista até 02 anos de detenção.
Em função do Princípio Constitucional da Isonomia, com a Lei nº 10.259⁄01 – que instituiu os juizados especiais cíveis e criminais no âmbito da Justiça Federal, o limite de pena máxima, previsto para a incidência do instituto da transação penal, foi alterado para 02 anos.
Contudo, tal constatação não altera a competência da Justiça Estadual para o julgamento do delito, pois o que restou modificada foi a interpretação que deve ser dada ao art. 61 da Lei nº 9.099⁄95.
Com efeito, é passível de julgamento pelos Juizados Especiais Federais tão-somente os ilícitos da competência da Justiça Federal.
Na hipótese, tratando-se de ilícito de uso de “cannabis sativa” e não havendo qualquer notícia sobre a configuração de eventual tráfico internacional de entorpecentes, ou de qualquer fato capaz de atingir bem, serviço ou interesse da União, hábil a atrair a competência da Justiça Federal, sobressai a competência da Justiça Estadual para o processo e julgamento do feito.
Em princípio, portanto, trata-se de equívoco do Magistrado Estadual na interpretação da Lei nº 10.259⁄01.”
12) A conduta prevista no art. 28 da Lei n. 11.343/2006 admite tanto a transação penal quanto a suspensão condicional do processo.
Como já destacamos anteriormente, o art. 28 da Lei 11.343/06 não comina penas privativas de liberdade, e o art. 48, § 1º da mesma lei é expresso ao dispor que o autor de qualquer das condutas do art. 28 será processado e julgado na forma dos arts. 60 e seguintes da Lei 9.099/95, exceto se houver concurso com alguma das infrações tipificadas entre os artigos 33 e 37. Assim, são cabíveis as medidas despenalizadoras da transação penal e da suspensão condicional do processo, ambas disciplinadas na Lei 9.099/95.
Mas isto é óbvio, pois decorre do texto expresso da lei. Se analisarmos alguns dos precedentes da tese nº 12 veremos que, na realidade, trata-se de situações em que alguém foi processado por tráfico, o juiz desclassificou a conduta na sentença de mérito e, em vez de remeter os autos ao Ministério Público para análise da possibilidade de concessão dos benefícios relativos à Lei 9.099/95, condenou diretamente o réu a uma das penas do art. 28:
“1. Pacificou-se na jurisprudência desta Corte Superior o entendimento de que é cabível a aplicação dos institutos despenalizadores previstos na Lei n. 9.099/95 quando o magistrado singular, ao proferir a sentença de mérito, desclassifica a conduta atribuída ao acusado na exordial acusatória para outro crime cuja pena abstratamente prevista permite a oferta de tais opções.
2. No caso, os pacientes foram denunciados pela suposta prática da conduta prevista no artigo 12 da Lei 6.368/76, crime cuja pena abstratamente prevista não permite a aplicação de nenhum dos institutos despenalizadores. Todavia, ao analisar as provas produzidas nos autos, o magistrado singular formou sua convicção no sentido de desclassificar as condutas que lhes foram atribuídas na exordial acusatória para o delito do art. 28, caput, da Lei 11.343/06 (o qual reprime o usuário de drogas), cujo preceito secundário não prevê pena privativa de liberdade, deixando de observar a aplicação dos mencionados dispositivos da Lei n. 9.099/95, proferindo o édito condenatório com a aplicação de pena de prestação de serviços à comunidade.” (HC 163.228/SP, DJe de 30/05/2011)
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