Segundo o disposto no art. 268 do CPP, na ação penal pública poderá intervir o ofendido ou seu representante legal ou, à falta deles, as pessoas enumeradas no art. 31 (cônjuge, ascendente, descente ou irmão).
Duas teorias explicam a função do assistente de acusação no processo penal. Em uma visão mais clássica, o objetivo do assistente se restringe unicamente à obtenção de uma condenação criminal que propicie, mais adiante, sua execução no âmbito cível. Mas se vislumbra também no assistente a figura de um colaborador da justiça, a quem interessa não apenas uma condenação, mas uma condenação com pena justa e proporcional ao fato cometido.
Para garantir o pleno desempenho dessa colaboração, é possível inclusive que o assistente interponha recurso. As regras sobre o recurso do assistente dependem da análise de duas situações: se ele já estava habilitado nos autos com esta qualidade, ou se apenas se habilitou após a sentença ainda não transitada em julgado.
Caso o assistente não tenha se habilitado antes, deve ser observada a regra do art. 598 do CPP, que abre a possibilidade de recurso, na hipótese de o Ministério Público não recorrer, no prazo de quinze dia contados a partir do término do prazo para o órgão acusatório.
Pode ocorrer, porém, que o assistente já participe do processo, isto é, já esteja habilitado nessa condição, situação em que o prazo para recurso será de cinco dias, adotando-se a regra geral do art. 593 do CPP.
Mas qual é efetivamente o marco inicial do prazo?
Em um caso interessante julgado recentemente (RHC 165.236/PE, j. 09/07/2019), o STF considerou que o prazo recursal só poderia se iniciar no momento em que o procurador da vítima tivesse possibilidade de examinar os autos.
Naquele caso, a recorrente havia sido denunciada por furto qualificado, falsidade ideológica e uso de documento falso. Proferida sentença de absolvição sumária, os autos foram encaminhados para ciência do Ministério Público e só foram restituídos três meses depois, oportunidade em que o assistente de acusação pôde examinar a decisão e interpor apelação.
A denunciada passou então a sustentar a nulidade absoluta devido à intempestividade do recurso, mas as instâncias inferiores e o STJ mantiveram a restituição do prazo recursal do assistente. No julgamento de habeas corpus impetrado contra a decisão do Tribunal de Justiça de Pernambuco, o STJ consignou:
“1. Nos termos da jurisprudência deste Tribunal Superior, se o assistente de acusação está habilitado nos autos, deve ser aplicado o prazo de 5 dias para apelação. Ainda, deve ser o assistente intimado da sentença, daí correndo o prazo referenciado, ou a partir do término do período conferido ao Ministério Público para interposição de seu apelo. Precedentes.
2. Na hipótese, consta do acórdão vergastado que os autos ficaram com carga ao Ministério Público por 3 (três) meses, tendo sido devolvido somente no final de julho, com a aposição do ciente pelo ‘Parquet’ em 25 de julho de 2013 (quinta-feira). O recurso do assistente de acusação, por sua vez, foi interposto em 5 de agosto de 2013 (segunda-feira), exatos 5 (cinco) dias após o término do prazo ministerial.
3. Como bem consignado pelo Ministério Público Federal, ‘se os autos permaneceram mais de três meses com o MP e se nesse período escoou o prazo recursal ministerial e, em consequência, iniciou-se e se findou, idealmente, o prazo recursal do assistente da acusação, as vítimas do crime não podem, a essa circunstância sobre a qual não têm qualquer gerência, ser prejudicadas. Assim, correta a aferição da tempestividade da apelação supletiva do assistente da acusação, pela data de devolução dos autos pelo MP à Vara Criminal, momento em que as vítimas ficaram cientes da não apresentação de razões recursais ministeriais […]’.”
Em decisão monocrática em que negou provimento ao recurso em habeas corpus, o ministro Celso de Mello sustentou a tese de que, em casos como o julgado, deve-se adotar a solução que evite a inocuidade da participação da vítima no processo. Para tanto, o ministro invocou a aplicação analógica de normas processuais civis segundo as quais deve ser suspenso o curso de prazos por obstáculos criados em detrimento da parte:
“Em ocorrendo a retenção do processo e consumando-se, durante esse período, o encerramento do prazo recursal de que dispõe o Ministério Público, vale dizer, em situações extraordinárias, nas quais o “Parquet” – embora recebendo os autos para intimação pessoal de sentenças penais (CPP, art. 370, § 4º) – deixe de devolvê-los no seu prazo legal para efeitos recursais, somente vindo a fazê-lo muito tempo após, isso significa que o “dies a quo” do prazo do ofendido para fins de apelação supletiva não pode coincidir com a data em que se exauriu, pela preclusão temporal, a faculdade recursal do “dominus litis”, sob pena de esse obstáculo processual, injustamente criado em detrimento do terceiro interveniente, inviabilizar-lhe o exercício do direito de recorrer supletivamente.
Disso decorre que, em tais circunstâncias, o termo inicial do prazo recursal supletivo instaurar-se-á, tão somente, a partir da comunicação do ofendido (CPP, art. 201, § 2º) ou, quando já habilitado como assistente da acusação, após a intimação de seu Advogado (CPP, art. 370, § 1º), tudo em ordem a permitir o conhecimento da efetiva restituição dos autos, pelo “Parquet”, à Secretaria do órgão judiciário competente.
Essa providência tem por finalidade não tornar irrelevante, muito menos inócua, a participação da vítima no processo penal, para que não se frustre, com violação da própria Carta da República, o direito de acesso à justiça de quem sofreu, injustamente, os efeitos perversos da prática delituosa, tal como o destacou, em precisa análise da matéria, o eminente Juiz Federal WALTER NUNES DA SILVA JÚNIOR (“Curso de Direito Processual Penal: Teoria Constitucional do Processo Penal”, p. 605/610, item n. 9.3.3.5, 2008, Renovar).
(…)
Tenho para mim que, em situações como essa, há que incidir, por aplicação analógica (CPP, art. 3º), a norma consubstanciada no art. 221, “caput”, primeira parte, c/c o art. 223, “caput”, “in fine”, e respectivo § 1º, ambos do Código de Processo Civil:
(…)
Esclarecedor, quanto ao que se vem de assinalar, o ensinamento de ARRUDA ALVIM, ARAKEN DE ASSIS e EDUARDO ARRUDA ALVIM (Comentários ao Código de Processo Civil, p. 290, item n. 1, 2012, GZ Editora), que põem em destaque, como elemento essencial aos prazos processuais, o princípio da utilidade, cujo sentido exprime a ideia de que “os prazos devem corresponder à utilidade para a qual foram estabelecidos. (…) quer isso significar que o prazo deve permitir à parte que pratique o ato processual para o qual foi assinalado” (grifei).
Revela-se até mesmo intuitivo, sob tal perspectiva, que a circunstância, processualmente relevante, de ter-se frustrado à parte o acesso aos autos durante o transcurso do prazo recursal assume, nos termos do parâmetro normativo em referência (CPC, art. 223, “caput”, “in fine”, e respectivo § 1º, c/c o art. 3º do CPP), o caráter de justa causa inibitória do exercício tempestivo da pretensão recursal, de forma que, vulnerado o princípio da utilidade, deve restituir-se o prazo, “ex lege”, à parte ou, como sucedeu na espécie, ao assistente do Ministério Público prejudicado.”
Para se aprofundar, recomendamos:
Livro: Código de Processo Penal e Lei de Execução Penal Comentados por Artigos