No tocante à guarda de filhos, a regra é que o pai e a mãe, quando separados ou divorciados, tenham acesso ao filho, conforme acordo estipulado, homologado judicialmente ou não, ou decisão judicial, na impossibilidade de acordo.
O art. 229 da Constituição Federal assegura que “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.”
O art. 1.589 do Código Civil dispõe que “O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação.”
O art. 22 do ECA preconiza que “Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.”
O Código Civil, por sua vez, assegura competir aos pais, qualquer que seja a situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos: a) dirigir-lhes a criação e a educação; b) exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584; c) conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem; d) conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior; e) conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outro Município; f) nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar; g) representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; h) reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; i) exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.[1]
O art. 15 da Lei n. 6.515/77 assevera que “Os pais, em cuja guarda não estejam os filhos, poderão visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo fixar o juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação.”
Nota-se haver um plexo de direitos e deveres dos pais em relação aos seus filhos e destes em relação aos seus pais. Há uma via de mão dupla. Enquanto os pais têm o dever de cuidar dos filhos enquanto crianças e adolescentes, estes, quando adultos, têm o dever de cuidar dos pais. Além dessa relação que se dá no tempo, pais e filhos devem, mutuamente, se respeitarem por toda a vida.
Tem se tornando cada vez mais comum, no Brasil, casais que têm filhos, mas não continuam juntos, sendo necessário que haja um acordo entre os pais para que tenham contato com os filhos e não sendo possível que haja um acordo será necessária que haja decisão judicial.
Em qualquer situação, pai e mãe devem pensar no interesse dos filhos, no desenvolvimento sadio e na importância na presença da vida de seus filhos, sobretudo em momento tão importante na vida, em que a criança e adolescente tem o caráter lapidado.
Quais as consequências para aquele que descumpre o acordo ou a decisão judicial?
Tome como exemplo o pai ou a mãe que vai buscar o filho, no dia acordado, mas ao chegar na casa do ex-cônjuge o filho não é entregue ou sequer encontra-se em casa e o pai ou a mãe não consegue buscar o filho.
As consequências podem ser administrativas, cíveis, processuais e criminais.
Na esfera administrativa aplica-se a infração administrativa prevista no art. 249 da Lei 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente -, que consiste em descumprir, dolosa ou culposamente, os deveres inerentes ao poder familiar ou decorrente de tutela ou guarda, bem como o descumprimento de determinação de autoridade judiciária referente à tutela ou guarda.[2]
A determinação da autoridade judiciária a que se refere o art. 249 do ECA deve advir, necessariamente, do Juiz da Infância e da Juventude, em razão do disposto no art. 146 do ECA[3].
O direito de visitas não é somente um direito dos pais, mas um direito dos filhos de conviver com os seus pais, razão pela qual a visita aos filhos é para os pais um misto de direito e de obrigação. Trata-se de um direito-dever.
Assim, caso o pai ou a mãe dificulte ou impeça o exercício regular do direito-dever de visita e convivência do filho com os pais e vice-versa praticará a infração administrativa prevista no art. 249 do ECA, estando sujeito a multa, na medida em que descumpre, dolosa ou culposamente dever inerente ao poder familiar ou decorrente de guarda, pois, conforme demonstrado, os pais possuem o direito personalíssimo de visitarem e permanecerem com seus filhos.[4]
Caso a polícia seja acionada e constate a infração administrativa deverá comunicar o fato ao Ministério Público ou Conselho Tutelar, por estes possuírem legitimidade para darem início ao procedimento para imposição de penalidade administrativa por infração às normas de proteção à criança e ao adolescente. [5]
Além da possibilidade de se aplicar a multa administrativa ao pai ou mãe que descumprir o acordo ou decisão judicial, poderão ser aplicadas aos pais as medidas previstas no art. 129 do ECA, consistentes, dentre outras, em: a) encaminhamento a serviços e programas oficiais ou comunitários de proteção, apoio e promoção da família; b) encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico; c) encaminhamento a cursos ou programas de orientação; d) advertência.
Isso porque essas medidas visam proteger a criança e o adolescente e devem ser aplicadas sempre que os seus direitos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente estiverem ameaçados ou forem violados, por falta, omissão ou abuso dos pais (art. 98, II, do ECA).
De mais a mais, a responsabilidade parental é um princípio que rege a aplicação de medidas protetivas e consiste na intervenção efetuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o adolescente (art. 100, parágrafo único, IX, do ECA).
Na seara cível, a depender das circunstâncias em que ocorreu o descumprimento, poderá ensejar danos morais e materiais, caso ocorra descumprimento reiterado ou haja uma peculiaridade relevante, como a hipótese em que o pai ou a mãe combina de viajar com o filho, programa a viagem com antecedência, cria toda uma expectativa para viajar com o filho e alegrá-lo, compra passagens, reserva hotel e o pai ou a mãe não entrega a criança, conforme havia combinado e a viagem, consequentemente, é cancelada, ocasião em que o pai ou a mãe que tiver dado causa ao cancelamento da viagem poderá responder por danos morais e por danos materiais, em razão dos gastos com passagens aéreas e hotel (arts. 186, 187 e 927, todos do Código Civil).
Além dos possíveis danos morais e materiais, deve-se destacar a possibilidade de ocorrência de alienação parental quando um dos genitores dificulta a presença e o contato do outro na vida da criança ou adolescente, sendo elencado, exemplificadamente, na Lei n. 12.318/2010 (art. 2º, II, III e IV), as seguintes condutas: a) dificultar o exercício da autoridade parental; b) dificultar contato de criança ou adolescente com genitor; c) dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar.
Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este (art. 2º da Lei n. 12.318/2010).
Como decorrência da alienação parental, o pai ou a mãe poderá sofrer uma das seguintes medidas pelo juiz competente, a depender da gravidade do caso: a) declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador; b) ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado; c) estipular multa ao alienador; d) determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial; e) determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão; f) determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente; g) declarar a suspensão da autoridade parental.[6]
A atribuição ou alteração da guarda dar-se-á por preferência ao genitor que viabiliza a efetiva convivência da criança ou adolescente com o outro genitor nas hipóteses em que seja inviável a guarda compartilhada (art. 7º da Lei n. 12.318/2010).
Portanto, na esfera cível é possível que ocorram danos morais, materiais, além da responsabilização por atos de alienação parental com a consequente alteração da guarda.
A polícia, caso acionada, deverá comunicar os atos de alineação parental ao Conselho Tutelar (art. 136 do ECA) e ao Ministério Público (art. 4º da Lei n. 12.318/2010), pois os direitos das crianças e adolescentes são indisponíveis e, ainda que o pai e a mãe não queiram adotar providências quando houver alienação parental, a justiça poderá adotar a melhor providência visando o superior interesse da pessoa em desenvolvimento.
Na esfera processual aquele que descumprir o acordo homologado judicialmente ou decisão judicial estará sujeito a multa, nos termos do arts. 536, §§ 1º e 5º e 537, ambos do CPC e art. 213 do ECA.[7]
A multa, denominada “astreinte”, não possui natureza indenizatória e tem por finalidade obrigar o devedor a cumprir a obrigação. Faz incutir no devedor a sensação de que não vale a pena descumprir o acordo ou decisão judicial, pois terá que pagar multa para a outra parte. Há, portanto, uma finalidade preventiva, para que aquele que estiver sujeito à obrigação saiba que não vale a pena descumprir o acordo ou a decisão judicial.
Para que haja imposição de multa em se tratando de acordo entre os pais, deve haver estipulação expressa no acordo homologado judicialmente ou na decisão judicial que fixa as condições para o exercício do direito de visita e permanência do filho com os pais.
O acordo homologado judicialmente possui natureza de título executivo judicial (art. 515, II, do CPC).
Nada impede que haja imposição de multa em acordo extrajudicial não homologado judicialmente, mas possuirá natureza contratual e caso não haja pagamento voluntário a parte precisará de entrar na justiça.
Caso o acordo seja assinado pelo devedor e por 02 (duas) testemunhas possuirá natureza de título executivo extrajudicial (art. 784, III, do CPC) e, consequentemente, a parte poderá ingressar em juízo já na fase executória. Ou seja, não precisará provar que a multa lhe é devida, pois isso já está no título executivo. Bastará cobrar a multa do devedor.
Caso o acordo não constitua título executivo poderá o credor ingressar com ação monitória (art. 700 do CPC) ou processo de conhecimento, sendo o trâmite mais demorado.
O Superior Tribunal de Justiça[8] decidiu que “o direito de visitação tem por finalidade manter o relacionamento da filha com o genitor não guardião, que também compõe o seu núcleo familiar, interrompido pela separação judicial ou por outro motivo, tratando-se de uma manifestação do direito fundamental de convivência familiar garantido pela Constituição Federal.”
Asseverou que “a cláusula geral do melhor interesse da criança e do adolescente, decorrente do princípio da dignidade da pessoa humana, recomenda que o Poder Judiciário cumpra o dever de protegê-las, valendo-se dos mecanismos processuais existentes, de modo a garantir e facilitar a convivência da filha com o visitante nos dias e na forma previamente ajustadas, e coibir a guardiã de criar obstáculos para o cumprimento do acordo firmado com a chancela judicial.”
Afirmou que “o direito de visitação deve ser entendido como uma obrigação de fazer da guardiã de facilitar, assegurar e garantir, a convivência da filha com o não guardião, de modo que ele possa se encontrar com ela, manter e fortalecer os laços afetivos, e, assim, atender suas necessidades imateriais, dando cumprimento ao preceito constitucional.
E concluiu que “a aplicação das astreintes em hipótese de descumprimento do regime de visitas por parte do genitor, detentor da guarda da criança, se mostra um instrumento eficiente, e, também, menos drástico para o bom desenvolvimento da personalidade da criança, que merece proteção integral e sem limitações.”
Como a multa pode ser aplicada pelo juiz de ofício, a polícia, caso acionada, poderá comunicar o descumprimento ao juiz competente para que avalie a aplicação de multa.
Afora a multa, o descumpridor da decisão judicial incidirá nas penas de litigância de má-fé (art. 536, § 3º, do CPC).
Por fim, na seara criminal, discussões surgem se é possível haver a responsabilização penal daquele que descumpre o acordo.
Nas hipóteses em que leis de conteúdo extrapenal trouxerem previsões de sanções civis e/ou administrativas, sem previsão de responsabilização criminal para o descumprimento de ordem da autoridade, não haverá o crime de desobediência.
O fundamento para tal raciocínio, que é predominante na doutrina e jurisprudência, é a intervenção mínima do direito penal.
Em se tratando do descumprimento de acordo judicial de visitação de filhos, em que pese as divergências, é possível que o descumpridor seja responsabilizado criminalmente pelo art. 330 do Código Penal (desobediência).
Isso porque o Capítulo das “Ações de Família” do Código de Processo Civil (art. 693 e ss.) aplica-se aos processos de guarda e visitação de filhos e como as disposições que tratam da guarda e visitação estão dispostas no Código de Processo Civil, deve-se aplicar o disposto neste diploma legal para as consequências em caso de descumprimento das decisões judiciais, em que pese no Estatuto da Criança e do Adolescente não haver previsão do crime de desobediência para o caso de descumprimento de ordens judiciais, somente multa (art. 213, § 2º) e infração administrativa (art. 249).
Isso porque nas ações de guarda e visitação de filhos deve-se aplicar o Código Civil (art. 1.583 e ss.), o que implica em seguir o procedimento especial previsto no Código de Processo Civil. Noutro giro, caso o processo vise a colocação em família substituta, o que pode ocorrer mediante guarda, tutela ou adoção, deve seguir o rito previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 28).[9]
O Código de Processo Civil prevê a responsabilização pelo crime de desobediência à ordem judicial no art. 536, § 3º, ao dispor que: “O executado incidirá nas penas de litigância de má-fé quando injustificadamente descumprir a ordem judicial, sem prejuízo de sua responsabilização por crime de desobediência.”
Como exposto, impedir o exercício do direito-dever de visita pode configurar ato de alienação parental.
O art. 6º da Lei 12.318/10, que dispõe sobre alienação parental, assevera que as medidas adotadas em desfavor daquele que pratica alienação parental podem ser aplicadas sem prejuízo da responsabilidade civil ou criminal.
O art. 330 do Código Penal prescreve como crime de desobediência “Desobedecer a ordem legal de funcionário público”.
A jurisprudência oscila, sendo possível encontrar diversos julgados pela possibilidade do crime de desobediência e diversos outros pela impossibilidade.[10]
A corrente que defende a impossibilidade de se configurar o crime de desobediência fundamenta-se na subsidiariedade do direito penal e na necessidade de que para haver o crime de desobediência deve haver uma ordem diretamente endereçada para quem tenha o dever de cumpri-la.
O Enunciado n. 03 do 1º Congresso Jurídico dos Delegados de Polícia do Rio de Janeiro preceitua que: “O descumprimento de acordo judicial de visitação de filhos não configura crime de desobediência, tendo em vista o cabimento das medidas administrativas previstas no art. 249 do Estatuto da Criança e do Adolescente.”
Ocorre que uma decisão judicial, seja homologatória de acordo, seja quando não houver acordo, possui destinatário certo e determinado, não havendo razão para que se descaracterize o crime de desobediência, sob pena de enfraquecer a ordem judicial e fomentar o seu descumprimento, sobretudo por estar previsto expressamente no art. 536, § 3º, do Código de Processo Civil, a possibilidade do descumpridor da ordem responder pelo crime de desobediência.
Além do mais, possibilitar a aplicação exclusiva de multa àquele que descumpre a decisão judicial de visita e permanência com os filhos pode banalizar o cumprimento da decisão, pois o pai ou mãe que quiser descumprir poderá, simplesmente, calcular os gastos do descumprimento e sopesar, se em determinada circunstância vale a pena descumprir decisão judicial, o que prejudica o próprio desenvolvimento do filho.
É direito fundamental de crianças e adolescentes terem seus direitos preservados pelos seus pais, devendo o Estado assegurar, com absoluta prioridade, a convivência familiar, além de colocá-los a salvo de qualquer negligência, inclusive de qualquer um dos pais (art. 227 da Constituição Federal).
A responsabilização criminal visa, inclusive, cumprir o princípio da vedação à proteção deficiente dos direitos das crianças e adolescentes, tutelados constitucionalmente.
Caso a ordem judicial de visitas e permanência com os filhos seja concedida em contexto de violência doméstica e familiar, em razão de aplicação de medida protetiva de urgência (art. 22, IV, da Lei n. 11.340/06), o seu descumprimento acarretará no crime previsto no art. 24-A da Lei Maria da Penha (Crime de Descumprimento de Medidas Protetivas de Urgência).
Por fim, deve-se citar corrente doutrinária que defende a ocorrência do crime previsto no art. 359 do Código Penal.
Arnoldo Wald escreve que: “No direito brasileiro não existem sanções típicas aplicáveis àqueles que descumprem as condições impostas ao direito de visitas. De todo modo, intimado a cumprir ou a fazer cumprir o regime de visitas já judicialmente estabelecido e desatendida tal advertência, poderá incorrer a parte faltosa no crime de desobediência, tipificado no art. 359 do Código Penal”.[11]
O art. 359 do Código Penal trata do crime de desobediência a decisão judicial sobre perda ou suspensão de direito, nos seguintes termos:
Art. 359 – Exercer função, atividade, direito, autoridade ou múnus, de que foi suspenso ou privado por decisão judicial:
Pena – detenção, de três meses a dois anos, ou multa.
Este crime possui elementos especializantes, que o distinguem do crime de desobediência previsto no art. 330 do Código Penal.
O crime de desobediência é mais amplo, pois basta desobedecer a ordem legal de funcionário público, enquanto que o crime de desobediência a decisão judicial sobre perda ou suspensão de direito exige que haja o exercício de função, atividade, direito, autoridade ou múnus do qual o agente tenha sido suspenso ou privado por decisão judicial.
Os pais possuem direito de visitarem e permanecerem com os seus filhos. Ocorre que quando há decisão judicial que imponha as condições para visitar e permanecer com o filho não há suspensão ou privação do exercício do direito de visita, mas somente uma restrição.
Suspender consiste em proibir temporariamente. Privar consiste em vedar, proibir, definitivamente.
No caso de visitas há restrição e não suspensão ou privação.
De mais a mais, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que o crime previsto no art. 359 do Código Penal pressupõe decisão judicial de natureza penal, e não abarca as decisões extrapenais.[12]
Assim, entende-se que a decisão judicial a que se refere o art. 359 do Código Penal deve possuir natureza de decisão penal[13] e volta-se, principalmente, para os efeitos da condenação, previstos no art. 92, I a II, do Código Penal.
Logo, caso um dos pais sofra o efeito da condenação que resulte na incapacidade para o exercício do poder familiar (art. 92, II, do CP), o que é comum nas condenações pelo crime de estupro de vulnerável, quando a vítima é o próprio filho, e, mesmo assim, exerça o “direito de visita”, que não existe no caso, em razão da condenação, praticará o crime previsto no art. 359 do Código Penal.
Dessa forma, caso a polícia seja acionada, deverá registrar o crime de desobediência (art. 330 do Código Penal)
Nos estados em que a Polícia Militar lavra Termo Circunstanciado de Ocorrência, é suficiente a lavratura do termo com a designação da data de audiência. Nos estados em que a Polícia Militar não lavra o TCO, o descumpridor da decisão judicial que regula as visitas, deverá ser conduzido para a Delegacia de Polícia por ter praticado, em tese o crime de desobediência, ocasião em que será lavrado o TCO e o autor do crime encaminhado à justiça.
Fato é que as divergências, até então existentes, não impedem que a polícia tome as providências criminais no local dos fatos, até que o assunto venha a ser pacificado pela jurisprudência.
Em suma, as diversas providências a serem adotadas pela polícia em caso de descumprimento de ordem judicial que verse sobre o direito de visita dos pais e permanência com os seus filhos, podem assim serem definidas:
a) esfera administrativa: comunicação do fato ao Ministério Público e/ou Conselho Tutelar, pois estes possuem legitimidade para darem início ao procedimento para imposição de penalidade administrativa por infração às normas de proteção à criança e ao adolescente (arts. 194 e 249, ambos do ECA), além de poderem adotar as providências necessárias para a aplicação das medidas pertinentes aos pais que violem os direitos das crianças e adolescentes (arts. 98, II, 129, 136, II, todos do ECA);
b) esfera cível: comunicação do fato ao Conselho Tutelar (art. 136 do ECA), e/ou Ministério Público e/ou juiz competente (art. 4º da Lei n. 12.318/2010), pois os direitos das crianças e adolescentes são indisponíveis e, ainda que o pai e a mãe não queiram adotar providências quando houver alienação parental, a justiça poderá adotar a melhor providência visando o superior interesse da pessoa em desenvolvimento;
c) esfera processual: comunicação do fato ao juiz competente, pois o juiz pode fixar multa de ofício, inclusive majorá-la[14], além de condenar a parte que não esteja cumprindo a decisão judicial nas penas de litigância de má-fé (art. 536, § 3º, do CPC);
d) esfera criminal: registrar o crime de desobediência (art. 330 do Código Penal), salvo se a ordem judicial de visitas e permanência com os filhos tiver sido concedida no contexto de violência doméstica e familiar, ocasião em que deverá ser registrado o crime previsto no art. 24-A da Lei 11.340/06.
Como há decisão judicial que resguarde o direito de um dos pais ficar, naquele momento, com a criança ou adolescente, eventual ordem do policial para que um dos pais entregue o filho ao outro será legal e caso haja descumprimento da ordem haverá o crime de desobediência (art. 330 do Código Penal).
Fato é que essas situações exigem muita cautela, por envolverem crianças e adolescentes, pessoas em desenvolvimento, sendo necessário que não ocorra nenhuma situação que possa gerar transtornos para os filhos.
NOTAS:
[1] Art. 1.634 do Código Civil.
[2]Art. 249. Descumprir, dolosa ou culposamente, os deveres inerentes ao poder familiar ou decorrente de tutela ou guarda, bem assim determinação da autoridade judiciária ou Conselho Tutelar: Pena – multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência.
[3] Art. 146. A autoridade a que se refere esta Lei é o Juiz da Infância e da Juventude, ou o juiz que exerce essa função, na forma da lei de organização judiciária local.
[4] DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS. FIXAÇÃO DE MULTA POR DESCUMPRIMENTO. POSSIBILIDADE. DEVER DO GENITOR. DIREITO DA CRIANÇA. EXERCÍCIO POR PARENTES. NATUREZA PERSONALÍSSIMA. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. O direito às visitas há muito deixou de ser um direito do genitor, sendo visto mais como um direito do filho de conviver com seu pai, sendo essa obrigação infungível, personalíssima, não podendo ser exercida por parentes (Maria Berenice Dias, Manual de Direito das Famílias, 8ª ed., p. 456). 2. É cabível e conta com amparo legal a fixação de multa por descumprimento do dever de visitas, nos dias e horários aprazados. 3. Apelo não provido. Sentença mantida. (TJ-DF – APC: 20140110171334 DF 0004593-67.2014.8.07.0016, Relator: ARNOLDO CAMANHO DE ASSIS, Data de Julgamento: 18/03/2015, 4ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 30/03/2015 . Pág.: 250)
[5] Art. 194. O procedimento para imposição de penalidade administrativa por infração às normas de proteção à criança e ao adolescente terá início por representação do Ministério Público, ou do Conselho Tutelar, ou auto de infração elaborado por servidor efetivo ou voluntário credenciado, e assinado por duas testemunhas, se possível.
[6] Art. 6º da Lei n. 12.318/2010.
[7] Código de Processo Civil
Art. 536. No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente, determinar as medidas necessárias à satisfação do exequente.
§ 1º Para atender ao disposto no caput , o juiz poderá determinar, entre outras medidas, a imposição de multa, a busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras e o impedimento de atividade nociva, podendo, caso necessário, requisitar o auxílio de força policial.
§ 5º O disposto neste artigo aplica-se, no que couber, ao cumprimento de sentença que reconheça deveres de fazer e de não fazer de natureza não obrigacional.
Art. 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito.
Estatuto da Criança e do Adolescente
Art. 213. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.
§ 1º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citando o réu.
§ 2º O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito.
§ 3º A multa só será exigível do réu após o trânsito em julgado da sentença favorável ao autor, mas será devida desde o dia em que se houver configurado o descumprimento.
[8] STJ – REsp 1481531/SP, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/02/2017, DJe 07/03/2017.
[9]Nesse sentido: No tocante às ações de guarda é preciso fazer uma distinção. Isto porque estas podem versar acerca da guarda de filhos, sendo regidas pelo Código Civil e, portanto, aderindo ao procedimento especial previsto no CPC/15. Diversamente, caso as ações versem sobre guarda de terceiros, com previsão legal no ECA, seguirão o próprio procedimento especial já previsto por este diploma normativo.
SCALABRINI, Natália. A especialidade do procedimento das ações de família no NCPC. Disponível em: <https://nataliascalabrini.jusbrasil.com.br/artigos/326289025/a-especialidade-do-procedimento-das-acoes-de-familia-no-ncpc>. Acesso em: 26 jul. 2019.
[10] Julgados favoráveis ao crime de desobediência: TJ-DF 20160610084446 DF 0008444-76.2016.8.07.0006, Relator: ARNALDO CORRÊA SILVA, Data de Julgamento: 08/08/2018, 2ª TURMA RECURSAL, Data de Publicação: Publicado no DJE : 10/08/2018. Pág.: 639/642; Agravo de Instrumento Nº 70027811165, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 21/05/2009; TJ-SP – HC: 6506 SP, Relator: Elias Junior de Aguiar Bezerra, Data de Julgamento: 16/10/2008, 1ª Turma Criminal, Data de Publicação: 18/11/2008 ; Agravo de Instrumento Nº 70018882902, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em 11/04/2007; TJ-DF – APR: 20030110993516 DF, Relator: JESUÍNO RISSATO, Data de Julgamento: 01/03/2005, Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do D.F., Data de Publicação: DJU 25/04/2005 Pág. : 125 Julgados desfavoráveis ao crime de desobediência: TJ-DF – APJ: 20150610071623, Relator: AISTON HENRIQUE DE SOUSA, Data de Julgamento: 15/12/2015, 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, Data de Publicação: Publicado no DJE : 17/12/2015. Pág.: 306; TJ-SP – APL: 00045004220128260050 SP 0004500-42.2012.8.26.0050, Relator: Francisco Orlando, Data de Julgamento: 21/09/2015, 2ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 23/09/2015; RHC 10648/SP, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª T., DJ 19/03/2001 grifos da reprodução
[11] Citado por: CARDOSO, Diana Rodrigues. ASPECTOS JURÍDICOS DO DESCUMPRIMENTO IMOTIVADO DO DEVER DE VISITAÇÃO PELO PAI SEPARADO E NÃO GUARDIÃO: A CONVIVÊNCIA COMO DIREITO DO FILHO. 2016. 83 f. Monografia – Curso de Direito, Centro Universitário Univates, Lajeado, 2016.
[12] Crime de desobediência a decisão judicial sobre perda ou suspensão de direito. Atipicidade. Caracterização. Suposta desobediência a decisão de natureza civil. Proibição de atuar em nome de sociedade. Delito preordenado a reprimir efeitos extrapenais. Inteligência do art. 359 do Código Penal. Precedente. O crime definido no art. 359 do Código Penal pressupõe decisão judiciária de natureza penal, e, não, civil (STF, HC 88572/RS, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ 8/9/2006, p. 62).
[13] O crime definido no art. 359 do Código Penal pressupõe decisão judiciária de natureza penal (TRF, 4ª Reg.; ACr. 2005.72.07.007128-0, Rel. Des. Fed. Luiz Fernando Wowk Penteado, DEJF 30/4/2009, p. 686).
[14] AgInt no AREsp 162.145/SP, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 28-03-2017, DJe 19-04-2017.