Sumário • Introdução; 1. Aspectos gerais sobre empresas e direitos humanos; 1.1 Arquitetura tradicional e a responsabilidade das empresas; 1.2 As empresas como agentes promotoras de direitos humanos; 2. A dispensa coletiva de trabalhadores; 2.1 Dispensa coletiva sob a ótica internacional; 2.1.1 União europeia 639; 2.1.2 Organização internacional do trabalho 640; 2.2 Dispensa coletiva no brasil até o advento da reforma trabalhista; 2.3 Inovações da reforma trabalhista; 2.3.1 Equiparação das dispensas individuais, plúrimas e coletivas para todos os fins 644; 2.3.2 Não necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo para sua efetivação 644; 3 Reforma trabalhista e dispensa coletiva de trabalhadores à luz dos direitos humanos e empresas; Conclusão; Referências.
INTRODUÇÃO
Alinhado com o enfoque de direitos humanos, especialmente a temática das Empresas e Direitos Humanos, o presente artigo científico examinará as inovações implementadas pela intitulada “Reforma trabalhista” (Lei nº 13.467/2017) na Dispensa Coletiva de trabalhadores.
Precipuamente mister salientar que até o advento da reforma trabalhista o ordenamento legal pátrio era silente quanto à regulamentação da dispensa em massa de trabalhadores. Em razão disso, vigorava o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho (DC. Nº 0309/2009) no senti- do da diferença entre dispensa coletiva e individual/plúrima, bem como a necessidade de negociação prévia com o sindicato dos trabalhadores para efetivação da dispensa em massa. Tal posicionamento possui assento constitucional e está tracejado na doutrina clássica, igualmente no direito estrangeiro e em normatizações internacionais, tais como da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e diretivas da União Europeia.
No entanto, a reforma trabalhista inaugura o ordenamento pátrio estabelecendo disposições ambíguas que aparentemente rompem com o precedente consolidado. Por meio do art. 477-A estabelece que as dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação.
Nesse ínterim, surgem duas posições antagônicas: de um lado há quem pugna pela aplicação irrestrita deste dispositivo, podendo o em- pregador demitir os trabalhadores em massa sem qualquer cautela prévia; de outra banda há vozes que pugnam pela aplicação moderada do referido artigo, considerando que remanesce a necessidade de negociação coletiva prévia para o despendimento massivo.
Diante dessa celeuma, propõe-se uma releitura das inovações legislativas sob a luz do Direito internacional dos Direitos humanos, tendo como referencial teórico o artigo “empresas e direitos humanos: desa- fios e perspectivas à luz do direito internacional dos direitos humanos” das autoras Flávia Piovesan e Victoriana Gonzaga, bem como partindo das premissas de que as empresas possuem papel de destaque na ordem contemporânea e que podem ter sua atuação voltada para prevenir violações e promover direitos humanos.
1. ASPECTOS GERAIS SOBRE EMPRESAS E DIREITOS HUMANOS
- Arquitetura tradicional e a responsabilidade das empresas
Como é cediço, a arquitetura tradicional do Direito Internacional dos Direitos Humanos está vocacionada à proteção envolvendo Estados e indivíduos singularmente considerados.
“Constata-se que a arquitetura protetiva internacional dos direitos humanos foi delineada para responder a um padrão de conflitualidade que envolve, de um alo, o Estado e, de outro, as vítimas singularmente considera. São esses os atores clássicos que integram a arena protetiva internacional sob um paradigma tradicional, marcado pela lógica de deveres conferidos aos Estados e direitos conferidos aos indivíduos. No âmbito dos deveres estatais, são as obrigações jurídicas: respeitar, proteger e implementar direitos internacionalmente assegurados” (PIOVESAN E GONZAGA, 2018, pg. 240).
No entanto, na ordem contemporânea as grandes empresas (grades agrupamentos empresariais, corporações transnacionais) têm conquistado papel de destaque na proteção e promoção de direitos humanos.
Conforme indicado pelas iminentes professoras Flávia Piovesan e Victoriana Gonzaga “na ordem contemporânea, das 100 maiores econômicas mundiais 31 são Estados e 69 são Multinacionais, cujo faturamento anual excede o PIB de Estados”, Cita-se, como por exemplo, o fatura- mento do Walmart. que em 2014 correspondia ao PIB da Austrália e o faturamento da Royal Dutch Shell que superava o PIB da Rússia.
“se tradicionalmente o aparato protetivo dos direitos humanos ambicionava responder à relação entre Estado e indivíduos – endossando os deveres dos Estados de respeitar, proteger e implementar direitos – na atualidade emergem relações mais complexas que envolvem, de um lado, empresas e, de outro, coletividades e grupos vulneráveis” (PIOVESAN E GONZAGA, 2018, pg. 240).
Em que pese esse papel de destaque atualmente protagonizado pelas empresas, o ordenamento internacional ainda não possui um documento específico que regule a atuação e responsabilidade empresaria no âmbito dos direitos humanos. Diante dessa falta de regramento especializado, aplicam-se a Declaração Universal de Direitos Humanos, Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; Convenções específicas que proíbem discriminações; Princípios fundamentais da OI, Princípios da ONU referentes a empresas e direitos humanos, dentre outros documentos internacionais. Destaca-se que no âmbito do sistema interamericano há grandes esforços nessa seara e em breve será divulgado um informa- tivo especifico sobre esta temática.
Todavia, para fins de delimitação da pesquisa, busca-se no presente artigo analisar a atuação das empesas em matéria de direitos humanos, com a possibilidade de respeitar e promover direitos humanos, portanto, apura-se o enfoque sobre a responsabilidade empresarial nesse campo.
1.2 As empresas como agentes promotoras de direitos humanos
Dentro deste contexto de responsabilidade empresarial em matéria de direitos humanos, Flávia Piovesan e Victoriana Gonzaga sugerem: densificar o alcance e o sentido do pilar “respeitar” endereçado às empresas à luz do Direito Internacional dos Direitos Humanos; e promover uma interpretação sistemática e integral do Direito Internacional dos Direitos Humanos, de modo a incluir o dever das empresas de prevenir violações e promover direitos humanos.
Em continuidade, as referidas autores elencam 5 âmbitos em que a responsabilidade empresarial deverá ser balizada: relativamente aos trabalhadores, à cadeia produtiva, ao entorno, aos Estados e à responsabilidade extraterritorial. Dentro desses âmbitos destacam-se a responsabilidade empresarial relativamente aos trabalhadores e ao entorno, envolvendo a proteção às comunidades e vítimas afetadas pela atividade empresarial.
Nesse norte, as empresas devem resguardar os direitos dos trabalhadores, especialmente o respeito e a valorização da diversidade do trabalho, respeito às normas de segurança e saúde do trabalho, bem como a “garantia de condições de liberdade de associação e negociação coletiva, de modo a estimular práticas de negociação permanente sobre condições de trabalho e resolução de conflitos” (PIOVESAN E GONZAGA, 2018, pg. 240).
Além disso, é dever das empresas respeitar as comunidades e vítimas afetadas pela atividade empresarial, mapeando os riscos e impactos da atividade ao entorno, visando evitar deslocamentos desordenados, mudança da realidade social e ofensa ao direito à consulta livre, previa e informada.
A par destes deveres, os grandes empreendimentos devem ter sua atuação vocacionada à prevenção de violações de direitos humanos, bem como a promoção de tais direitos, tendo posição ativa tanto nas boas práticas para não violar direitos, aliada à postura proativa na participação para promoção e valorização dos direitos humanos.
Portanto, no atual cenário é possível suscitar a responsabilidade empresarial pela concretização dos direitos humanos, incutindo às em- presas o dever de promoção, prevenção e respeito na seara humanitária.
2. A DISPENSA COLETIVA DE TRABALHADORES
- Dispensa coletiva sob a ótica internacional
Fora do Brasil a dispensa coletiva é conceituada, regulamentada e consagrada em diversos ordenamentos, inclusive pelas orientações da Comunidade Europeia e diretrizes da Organização Internacional do Tra- balho (OIT).
Nelson Mannrich leciona que a gênese da dispensa coletiva remonta ao fim da Segunda guerra Mundial e expandiu-se gigantescamente, alcançado todos os países da Comunidade Europeia, até mesmo outros países como a Argentina (MANNRICH, 2000, p. 520).
O jurista português João Amado Leal explica que o acautelamento com a dispensa em massa de trabalhadores aflorou como mecanismo de resposta “a situação de crise empresarial, em ordem a assegurar a viabilidade da empresa, ou como um mecanismo destinado a prevenir a crise empresarial, em ordem a assegurar que a empresa permanece saudável e vivaz” (AMADO, 2017. p. 101-102).
2.1.1 União europeia
Desde os idos de 1970 a comunidade europeia se preocupava com o despedimento coletivo, tipificando-o em suas diretivas, as quais possuem o condão de orientar os ordenamentos internos dos países membros a seguirem tais disposições.
Katia Albuquerque Ferreira Teixeira sintetiza que:
“A Comunidade Europeia também se preocupou com a dispensa coletiva, nos anos de 1970, e em 1975 adotou a Diretiva 75/129 CEE, que foi revista pela Diretiva 92/56 CEE. Atualmente está em vigor a Diretiva 98/59 CE. A escolha pelas Diretivas da União Europeia foi demonstrar a preocupação mundial a respeito do tema, já que a União abarca 27 países membros e tem tantos outros a caminho de sua adesão. As diretivas são as condições mínimas que os Estados-membros devem observar para transpor o seu conteúdo para o direito interno”. (TEIXEIRA, 2017, p.79).
Ressalta-se que o escopo da presente pesquisa não é analisar detalhadamente as referidas diretivas, haja vista que são de conhecimento geral e já amplamente estudada pela comunidade acadêmica. Pretende-se, aqui, reafirmar, em linhas gerais, o caminho tomado por outros ordenamentos jurídicos no cenário internacional.
A renomada jurista portuguesa Maria do Rosário Palma Ramalho explica que:
“No elenco das modalidades de resolução do contrato de trabalho por iniciativa do empregador e com fundamento objetcvtivo, o despediemnto colectivo é a figura tradicional, tanto no panorama comparado, como no nosso sistema jurídico, tendo especial vocação para fazer face a uma situação de crise da empresa, cuja ultrapassagem passe pela sua reestruturação, bem como para prosseguir objetctivos empresariais de reorientação estratégica ou de mercado” (Ramalho, 2016, p. 873).
Nelson Mannrich com maestrina analisou Dispensa Coletiva em diversos países e observou que os países desenvolvidos regulamentaram esse despedimento, adotando três critérios de caracterização (causal, numérico e temporal).
O elemento causal significa que a dispensa se origina de motivo objetivo, sobretudo de um motivo econômico. Mannrich exemplifica o elemento causal com “questões de caráter financeiro, tecnológico, estrutural, organizacional e de produção. Causa econômica, relacionada com ingresso e custos, está ligada ao equilíbrio da empresa” (MANNRICH, 2000, p. 521).
Quanto ao elemento numérico, salienta que no geral as legislações dão ênfase ao requisito numeral, “assim, dispensa coletiva, pode ocorrer quando atingido determinado número de trabalhadores” (MANNRICH, 2000, p. 522).
Por fim, o elemento temporal, considerado de caráter acessório, trata do período durante o qual as dispensas, “as dispensas, se efetuadas, somar-se-ão para efeito de contagem e caracterização das dispensas co- letivas. O prazo estipulado por cada legislação varia: em geral, toma-se como parâmetro a unidade mensal” (MANNRICH, 2000, p. 523).
Além desses três elementos caracterizadores do despendimento coletivo, os ordenamentos internacionais estabelecem a participação previa dos representantes dos trabalhadores e em alguns até mesmo a intervenção administrativa.
Em síntese, para a comunidade europeia a dispensa coletiva deve ser dialogada com a necessidade de consulta prévia aos ‘representes dos trabalhadores’ a fim de ao menos atenuar os efeitos da Dispensa massiva, que no direito brasileiro corresponde à ‘negociação coletiva’.
2.1.2 Organização internacional do trabalho
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) possui convenção específica sobre as modalidades de dispensa (Convenção nº 158), no entanto, este pacto internacional não será examinado no presente artigo cientifico, visto que fora denunciado pelo Brasil em 1996 (OIT – 20/11/1996. Decreto nº 2.100, de 20/12/1996 – DOU 23/12/1996) remanescendo a enorme controvérsia sua aplicabilidade no direito interno, o que extrapola os objetivos específicos da presente pesquisa.
No entanto, tendo em vista que a dispensa coletiva está catalogada na ramificação ‘Direito Coletivo do Trabalho’, deve ser conjugada com os institutos próprios desse ramo do direito, em especial, com a Negociação coletiva.
Ressalta-se que foi tendo essa compreensão que muitos países desenvolvidos, sobretudo a Comunidade europeia, estabeleceram mecanismos para o despedimento coletivo, estipulando a negociação com os representantes dos trabalhadores como pedra fundamental para a efetivação da dispensa coletiva.
Diante desse recorte, encontram-se várias Convenções da OIT ratificadas e vigentes no Brasil, tais como a Convenção nº 98 (aprovada pelo Decreto Legislativo nº 49, de 27.8.1952, e publicada pelo Decreto nº 42.288, de 19.9.1957) que fomenta a utilização da negociação coletiva e o direito de sindicalização e a Convenção nº 154 (aprovada pelo Decreto Legislativo nº 22, de 22/05/1992, e publicada pelo Decreto nº 1.256, de 29/09/1994) que incentiva a utilização da negociação coletiva para solução dos problemas sociais.
Nessa toada, cada ordenamento jurídico interno tem a incumbência de prestigiar a negociação coletiva, não podendo, entretanto, exigir a conclusão da convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho.
Desta forma, observa-se que internacionalmente o Brasil está vocacionado à utilização da negociação coletiva, sobretudo nas causas trabalhistas que extrapolam a esfera particular de cada empregado, como ocorre na dispensa coletiva, conforme as convenções ratificadas acima analisadas.
Assim, ordenamento jurídico interno tem a incumbência de prestigiar a negociação coletiva, não podendo, entretanto, exigir a conclusão da convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho.
2.2 Dispensa coletiva no brasil até o advento da reforma trabalhista
A dispensa coletiva, também denominada como “dispensa em massa”, “despendimento coletivo” ou “licenziamento coletivo” significa a demissão simultânea de vários empregados efetuada pelo empregador em razão de motivos objetivos relacionados com causas econômicas, estruturais, organizações, tecnológicas, sem a intenção de abrir novas vagas, mas sim reduzir definitivamente o quadro de pessoal. Em termos práticos, uma quantidade considerável de empregados – até mesmo todos os trabalhadores – é dispensada simultaneamente porque não mais interessa aos desígnios da empresa, reduzindo definitivamente o quadro de pessoal por motivos de ordem econômica-conjuntural ou técnica-estrutural.
A par desses elementos caracterizadores, é pertinente averiguar em linhas gerais as repercussões lesivas da dispensa coletiva na sociedade.
Desta sorte, diferentemente da dispensa individual que afeta o tra- balhador individualmente considerado e seu núcleo familiar, a dispensa em massa abrange uma coletividade de trabalhadores com potencial de abalar a própria ordem social local.
Nessa toada, Cláudio Jannotti da Rocha cita um exemplo preciso:
“Assim, uma dispensa coletiva, a depender do número de trabalhadores afetados, pode ensejar, até mesmo, outras dispensas coletivas, interferindo na ordem econômica local e ganhando ares de direito individual homogêneo, como no caso uma grande dispensa coletiva atingindo centenas ou milhares de empregados, em um contexto de crise econômica. Dependendo do tamanho do município ou da região, várias outras em- presas ficarão prejudicadas na venda de seus produtos e, logo, irão dispensar seus empregados, fazendo com que outras dispensas coletivas também ocorram” (ROCHA, 2017, pg. 98).
Logo, uma demissão coletiva em certo empreendimento e região pode gerar novas demissões coletivas, causando um efeito massivo na- quela localidade e prejuízos para o próprio Estado e população local.
Claro está que os reflexos da dispensa em massa transcendem a esfera particular do trabalhador, sendo capaz de abalar a própria paz social e economia local, mormente quando o número de trabalhadores atingidos for expressivo.
Maurício Godinho Delgado conclui que “a dispensa coletiva certa- mente deflagra efeitos no campo da comunidade mais ampla em que se situa a empresa ou o estabelecimento, provocando, em decorrência disso, forte impacto social” (DELGADO, 2018, pg. 1375).
Dito isto, cabe recordar que até o advento da reforma trabalhista o ordenamento legal pátrio era silente sobre a dispensa coletiva. Em que pese a omissão legal, no mudo dos fatos a dispensa coletiva começou a ocorrer com mais frequência, como tal como aponta Mannrich: “Apensar da omissão do legislador em regular as dispensas coletivas, sempre se registrou o fenômeno, envolvendo grande número de empregados dispensados por fatos vinculados à situação econômica da em- presa, do setor ou da atividade em geral, bem como em decorrência de causas tecnológicas ou financeiras”. (MANNRICH, 2017, pg. 470).
A questão então chegou ao judiciário trabalhista e que estabeleceu uma posição salutar. Conforme bem resume Raimundo Simão de Melo:
“Antes da reforma trabalhista (Lei 13.467/2017) a dispensa coletiva não era regulamentada no Brasil. A questão chamou atenção quando a Embraer de São José dos Campos dispensou cerca de 4,2 mil trabalhadores em 2009, da noite para o dia, sem um acerto com o sindicato dos trabalhadores. A questão, então, virou dissidio coletivo, julgado procedente em parte pelo Tribunal Regional Federal da 15ª Região (Campinas – SP), que declarou abusiva a dispensa coletiva, por ausência de negociação coletiva com o sindicato dos trabalhadores. Em seguida o Tribunal Superior do Trabalho apreciou o tema (DC – 00309/2009-000-15-00.4) e por maioria de votos, fixou entendimento no sentido de que demissão em massa, diante das graves consequências econômicas e sociais dela decorrente deve antes, ser submetida à negociação com o sindicato dos trabalhadores, com o objetivo não de proibi-la, porque não há lei que assim estabeleça, mas, para se encontrar mecanismos que diminuíam seus impactos para a sociedade”.(MELO, 2017).
Assim, toda controvérsia sobre a dispensa coletiva e as formalidades para sua efetivação foi pacificada com o referido julgamento, que considerando todas as diretrizes internacionais, direito de outros países e a Constituição Federal de 1988 convalidou a necessidade de negociação coletiva prévia para a efetivação da dispensa em massa de trabalha- dores.
Feitas as caracterizações da dispensa coletiva, bem como identificados seus reflexos peculiares na sociedade, passa-se às inovações perpetradas pela reforma trabalhista.
2.3 Inovações da reforma trabalhista
A conhecida como Reforma trabalhista (Lei nº 13.467/2017) pro- moveu sensíveis alterações na CLT com a promessa de modernizar a legislação laboral e, por conseguinte, criar mais empregos no atual cenário de recessão econômica.
Especificamente dentro do recorte estabelecido no presente artigo, qual seja, a despedida coletiva, a reforma trabalhista introduziu o artigo 477-A e estabeleceu a equiparação entre dispensa individual, plúrima e coletiva, bem como a não necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo para sua efetivação.
Confira a literalidade do novo artigo:
Art. 477-A. As dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação.
2.3.1 Equiparação das dispensas individuais, plúrimas e coletivas para todos os fins
A primeira parte do novo dispositivo equipara para todos os fins as dispensas individuais, plúrima e coletivas. Tal equiparação legal recebe grande crítica da doutrina especializada uma vez que cada uma dessas espécies de dispensa possui significado próprio e requisitos independentes.
Pedro Paulo Teixeira Manus de antemão adverte que o legislador inapropriadamente equipara as dispensas imotivadas individuais, plúrimas e coletivas, como se fossem figuras jurídicas passiveis de equipa- ração, esquecendo-se que os efeitos da dispensa coletiva geram grande impactos não só na vida empresarial, mas de toda a comunidade (MA- NUS, 2001).
Assim sendo, dispensa coletiva não pode ser comparada à dispensa plúrima, muito menos com a dispensa individual, sendo figuras autônomas e dessemelhantes.
Em termos práticos, o requisito quantitativo é o que primeiro diferencia a dispensa coletiva e a dispensa individual, pois a primeira atinge uma multiplicidade de trabalhadores, enquanto a segunda alcança apenas um empregado.
Já entre a dispensa coletiva e a dispensa plúrima, o critério diferenciador é o elemento volitivo, ou seja, o motivo da rescisão do contrato de trabalho. Nas dispensas plúrimas, tais como nas individuais, a intenção do empregador é dispensar um ou alguns empregados específicos por razões subjetivas dos empregados (ex. insubordinação, desídia), ao passo que na dispensa coletiva o empregador rescinde o vínculo empregatício de vários trabalhadores por razões objetivas, normalmente de ordem econômico-conjuntural.
Não obstante isso, a novel legislação equipara essas três modalidades de dispensa para todos os fins, sendo este a primeira inovação da reforma trabalhista na dispensa coletiva.
2.3.2 Não necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo para sua efetivação
O artigo 477-A da CLT, introduzido pela reforma trabalhista, estabelece também que não há necessidade de autorização previa de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação.
Desta forma, a aparente tentativa de afastar a tutela sindical prévia por meio da negociação coletiva para efetivação da dispensa em massa de trabalhadores é a segunda inovação da reforma trabalhista.
Após a implementação desse dispositivo surgiram duas posições totalmente opostas que se digladiam pela total inconstitucionalidade do artigo ou pela aplicação irrestrita.
O Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Mauricio Godinho delgado, compreende que a inovação legislativa é inconstitucional, pois não se coaduna com os preceitos constitucionais estabelecidos na Carta Cidadã de 1988:
“Demonstra também, lamentavelmente, a depreciação do diploma legal ordinário com respeito ao Estado Democrático de Direito constituído no país pela Constituição de 1988, com seus pilares normativos estruturantes de natureza democrática e inclusiva – todos manifestamente negligenciados pelo recém aprovado art. 477-A da Consolidação das Leis do Trabalho” (DELGADO, 2017, pg. 180).
Já para Ives Granda Martins Filho, também ministro da Superior Corte Trabalhista, pautado no princípio da legalidade e poder potestativo do empregador defende a tese a aplicação irrestrita do novo artigo, pois do contrário estaria se exigindo, no seu modo de ver, “o que a lei expressamente dispensa, que é a intermediação negocial do sindicado de classe para as dispensas ditas em massa” (BRASIL, 2000).
Indiscutivelmente o novo dispositivo criado pela reforma trabalhista é dúbio e abre margem para as duas interpretações, isso porque não deixa claro se a participação previa do sindicato está descartada ou se apenas não é necessária a conclusão da negociação em um ajuste bilateral escrito.
Por conseguinte, questiona-se o que a nova lei afastou: se foi a necessidade de negociação coletiva prévia, ou se foi a obrigatoriedade de concretização das negociações num instrumento formal ou se apenas enfatizou que a dispensa coletiva não está condicionada à autorização prévia sindicato.
Sabe-se que a ‘negociação coletiva’ não se confunde com ‘acordo/ convenção coletiva’ nem ‘autorização’ do sindicato.
A Negociação coletiva está relacionada com a tutela que o sindicato efetua previamente à dispensa dos trabalhadores, discutindo, defendendo e negociando meios para evitar o despedimento ou minimizar os efeitos das rescisões no seio social.
Já o Acordo ou Convenção Coletiva representam a materialização das avenças negociadas em um instrumento normativo negocial, vale dizer, são colocadas no papel as cláusulas da conciliação frutífera.
Amauri Mascaro Nascimento explica que tal pacto escrito “surge como resultado de um ajuste bilateral e só se perfaz caso os dois contratantes combinem suas vontades” (NASCIMENTO, 2018, pg. 550). Pode-se afirmar, portanto, que nem toda negociação coletiva culminará em um acordo ou convenção coletiva, apenas no caso de mútua concordância.
Já a “autorização do sindicato”, não existente em nosso ordenamento legal, seria a necessidade de permissão sindical para realizar algum ato. Nessa toada, o sindicato teria a possibilidade de vetar a pretensão empresarial e sem o aval do ente sindical o empregador estaria impedi- do de efetuar seu intento.
Diante dessa celeuma, é mister buscar à luz dos direitos humanos e empresas um caminho mais acertado para a solução desta controvérsia jurídica atual.
3 REFORMA TRABALHISTA E DISPENSA COLETIVA DE TRABALHADORES À LUZ DOS DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS.
Como visto no tópico ‘Aspectos gerais sobre empresas e Direitos Humanos’ baseado majoritariamente na obra “Empresas e direitos humanos: Desafios e perspectivas á luz do direito internacional dos direitos humanos” atualmente as empresas possuem grande aptidão para prevenir violações e promover Direitos Humanos.
Tendo esse raciocínio em mente pode-se afirmar que diante das inovações efetuadas pela reforma trabalhista, as cúpulas empresariais devem ter cautela ao aplicarem os novos dispositivos, sempre atuando de forma a prevenir violações, bem como promovendo os direitos humanos.
Como o novo artigo 477-A da CLT é genérico e lacunoso, as empresas devem se pautar pelo posicionamento que prestigia a negociação coletiva, pois estimulará as práticas de resolução consensual dos conflitos, possibilitando a adoção de medidas que possuem menor potencial lesivo na sociedade ao entorno. Além disso, estará prevenindo violações aos direitos humanos e no mesmo ato promovendo tais direitos.
Portanto, sendo as dispensas coletivas sabidamente lesivas ao interesse social e portadoras de grandes impactos negativos na comunidade, deve-se manter a exigência da tutela sindical prévia para que os atores sociais negociem e tentem encontrar um modo de se evitar a dispensar de inúmeros trabalhadores ou, pelo menos, compor formas para minimizar os efeitos das rescisões na comunidade local.
Diante disso, à luz da perspectiva de direitos humanos, aponta-se para sentido da necessidade de negociação prévia para a dispensa em massa, pois o diálogo e tutela sindical prévia são essenciais para a efetivação dos direitos humanos, tanto relativamente aos trabalhadores dispensados quanto principalmente ao entorno, ou seja, a toda comunidade que será afetada pelo dispensa em massa de trabalhadores.
CONCLUSÃO
Como verificado, a Lei 13.467/2017 (reforma trabalhista) foi o primeiro diploma legal interno a tratar expressamente sobre a dispensa coletiva, porém por ser genérico e lacunoso trouxe grande insegurança jurídica, na medida em que fez ressurgir uma problemática que tinha sido solucionada pela Justiça do Trabalho.
Diante dessa zona cinzenta, examinou-se à luz do direito internacional dos direitos humanos, especialmente a temática das empresas e direitos humanos, um caminho adequado para conferir resposta a essa celeuma.
A partir das premissas de que as grandes empresas possuem papel de destaque na ordem contemporânea, bem como devem prevenir, respeitar e promover direitos humanos defende-se a aplicação da novidade normativa, porém, com temperos, determinando-se que as empresas realizem consultas prévias e abordem a questão em sede de negociação coletiva, para fins de prevenir e promover direitos humanos.
Portanto, conclui-se que a manutenção da exigência de negociação prévia com o sindicato dos trabalhadores para a realização da dispensa em massa é instrumento essencial para a efetivação dos direitos humanos, tanto relativamente aos trabalhadores dispensados quanto principalmente ao entorno, ou seja, a toda comunidade que será afetada pelo dispensa em massa de trabalhadores, sendo este o caminho a ser segui- do pelas Empresas que desejam ter sua atuação empresarial finada com as diretrizes internacionais de direitos humanos, prevenindo violações e promovendo direitos.
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