Em sessão virtual realizada no dia 11 de maio do ano corrente, a Suprema Corte, à unanimidade de votos, reconheceu a existência de repercussão geral na questão atinente à “possibilidade de o Tribunal de 2º Grau, diante da soberania dos veredictos do Tribunal do Júri, determinar a realização de novo júri em julgamento de recurso interposto contra a absolvição assentada no quesito genérico, ante suposta contrariedade à prova dos autos” – TEMA 1087 (ARE 1225185).
O referido tema nasce a partir de recurso extraordinário apresentado perante o Supremo Tribunal Federal, cuja finalidade é discutir possível violação ao art. 5º, inciso XXXVIII, alínea “c”Art. 5º (...): XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: (...) c) a soberania dos veredictos; da Constituição da República Federativa do Brasil – que assegura a soberania dos veredictos no âmbito dos julgamentos oriundos do júri –, diante da submissão do réu a novo julgamento, por determinação de Tribunal de 2º grau após a apreciação de apelação interposta contra absolvição lastreada em quesito genérico (art. 483, inciso III, c/c § 2º do CPPArt. 483. Os quesitos serão formulados na seguinte ordem, indagando sobre: (...) III – se o acusado deve ser absolvido; (...) § 2o Respondidos afirmativamente por mais de 3 (três) jurados os quesitos relativos aos incisos I e II do caput deste artigo será formulado quesito com a seguinte redação: O jurado absolve o acusado? ), tendo em vista a existência de manifesta contrariedade à prova produzida nos autos, consoante o disposto no art. 593, inciso III, alínea “d” do CPPArt. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias: (...) III - das decisões do Tribunal do Júri, quando: (...) d) for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos. , considerando o reconhecimento de materialidade e autoria pelo Conselho de Sentença.
Vale lembrar, que, à luz da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (artigo 102, § 3º), na interposição de recurso extraordinário, “[…] o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso […].”
E nesse contexto, ao reconhecer a repercussão geral na questão jurídica subjacente, o Supremo Tribunal Federal, em primeira análise, qualifica a causa como sendo aquela que ultrapassa os limites subjetivos da demanda submetida a julgamento, e como tal, irradiará os efeitos da tese firmada no recurso representativo da controvérsia para todos os processos em trâmite no país, que apresentem idêntica matéria de direito.
A repercussão geral, na forma do §1º do artigo 1.035Art. 1.035. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário quando a questão constitucional nele versada não tiver repercussão geral, nos termos deste artigo. § 1º Para efeito de repercussão geral, será considerada a existência ou não de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassem os interesses subjetivos do processo. do Código de Processo Civil, está vinculada ao enfrentamento de questões de alto relevo constitucional, sob a ótica econômica, política, social ou jurídica.
No mesmo sentido, o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF), em seu artigo 322 e parágrafo único, assim dispõe:
Art. 322. O Tribunal recusará recurso extraordinário cuja questão constitucional não oferecer repercussão geral, nos termos deste capítulo. (Redação dada pela Emenda Regimental n. 21, de 30 de abril de 2007)
Parágrafo único. Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões que, relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, ultrapassem os interesses subjetivos das partes. (Redação dada pela Emenda Regimental n. 21, de 30 de abril de 2007)
Na sequência, em atenção ao disposto no art. 323 do RISTFArt. 323. Quando não for caso de inadmissibilidade do recurso por outra razão, o(a) Relator(a) ou o Presidente submeterá, por meio eletrônico, aos demais ministros, cópia de sua manifestação sobre a existência, ou não, de repercussão geral. (Redação dada pela Emenda Regimental n. 42, de 2 de dezembro de 2010) § 1º Nos processos em que o Presidente atuar como relator, sendo reconhecida a existência de repercussão geral, seguir-se-á livre distribuição para o julgamento de mérito. (Redação dada pela Emenda Regimental n. 42, de 2 de dezembro de 2010) § 2º Tal procedimento não terá lugar, quando o recurso versar questão cuja repercussão já houver sido reconhecida pelo Tribunal, ou quando impugnar decisão contrária a súmula ou a jurisprudência dominante, casos em que se presume a existência de repercussão geral. (Redação dada pela Emenda Regimental n. 42, de 2 de dezembro de 2010) § 3º Mediante decisão irrecorrível, poderá o(a) Relator(a) admitir de ofício ou a requerimento, em prazo que fixar, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, sobre a questão da repercussão geral. (Incluído pela Emenda Regimental n. 42, de 2 de dezembro de 2010) , o(a) Relator(a) ou o(a) Presidente encaminhará, eletronicamente, cópia de sua manifestação aos demais membros da Corte, notadamente acerca da existência ou não de repercussão geral na matéria analisada.
Ao explicar a importância do aludido instituto, o eminente professor Daniel Amorim Assumpção NevesManual de Direito Processual Civil. 5. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2013, p.749. assim nos ensina:
“Com a Emenda Constitucional 45/2004, foi acrescentado ao art. 102 da CF um terceiro parágrafo, que criou a repercussão geral como um pressuposto genérico de admissibilidade do recurso extraordinário. Percebendo-se com clareza que o Supremo Tribunal Federal tinha se desvirtuado da função para a qual foi projetado, atuando em demandas de menor significância, e sendo exorbitante a quantidade de recursos extraordinários que chegam àquele tribunal, via direta ou por meio do agravo previsto no art. 544 do CPC, o legislador resolveu criar um pressuposto de admissibilidade para que o tribunal passe a julgar somente causas de extrema relevância ou de significativa transcendência.”
Atente-se para o fato de que, atualmente, o agravo interposto em face da decisão de inadmissão do recurso extraordinário encontra-se positivado no art. 1.042 do CPC/2015Art. 1.042. Cabe agravo contra decisão do presidente ou do vice-presidente do tribunal recorrido que inadmitir recurso extraordinário ou recurso especial, salvo quando fundada na aplicação de entendimento firmado em regime de repercussão geral ou em julgamento de recursos repetitivos..
Feita tais digressões sobre o instituto da repercussão geral, e até mesmo como forma de explicar a importância do aludido TEMA 1087 (ARE 1225185), devemos observar que, nos termos do Código de Processo Penal, o júri será questionado sobre MATÉRIA DE FATO e SE O ACUSADO DEVE SER ABSOLVIDO, mediante a formulação de quesitos elaborados em proposições afirmativas, simples e distintas, com base na decisão de pronúncia (ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação), no interrogatório e nas alegações das partes, a fim de que possam ser respondidos com suficiente clareza e necessária precisão (artigo 482, caput, e parágrafo únicoArt. 482. O Conselho de Sentença será questionado sobre matéria de fato e se o acusado deve ser absolvido. Parágrafo único. Os quesitos serão redigidos em proposições afirmativas, simples e distintas, de modo que cada um deles possa ser respondido com suficiente clareza e necessária precisão. Na sua elaboração, o presidente levará em conta os termos da pronúncia ou das decisões posteriores que julgaram admissível a acusação, do interrogatório e das alegações das partes. ).
A ordem dos quesitos está prevista no artigo 483 do CPP, de modo que deverá ser indagado aos senhores jurados sobre I) a materialidade do fato; II) a autoria ou participação; III) SE O ACUSADO DEVE SER ABSOLVIDO; IV) se existe causa de diminuição de pena alegada pela defesa; e, V) se existe circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena reconhecidas na pronúncia.
Cabe, no ponto, um parêntese: ainda que a materialidade e a autoria estejam presentes, isto é, com os respectivos quesitos respondidos afirmativamente, na sistemática da legislação processual penal vigente, obrigatoriamente o jurado será indagado se ele “absolve o réu”.
Aqui reside a possibilidade da chamada absolvição por clemência, na qual, mesmo diante da presença de materialidade, a exemplo do resultado morte, comprovado por laudo de exame cadavérico, em situação de homicídio, e de autoria, inclusive com a confissão do réu, aliada a outras provas extraídas dos autos do processo, revela-se possível que os jurados decidam que o réu seja absolvido.
Com isso, diante de flagrante contrariedade entre a decisão alcançada pelos jurados – os quais decidem, diga-se de passagem, sem a necessária fundamentação (não estão vinculados ao princípio da motivação das decisões judiciais) – e a prova dos autos, é que o STF vai aferir se o tribunal de 2ª instância pode (ou não) cassar o julgamento anterior, a fim de submeter o réu a novo júri.
Aguardemos as cenas dos próximos capítulos.