Informativo: 675 do STJ – Processo Penal
Resumo: A Ordem dos Advogados do Brasil – OAB – não tem legitimidade para atuar como assistente de defesa de advogado réu em ação penal.
Comentários:
Segundo o disposto no art. 268 do CPP, na ação penal pública podem intervir como assistentes do Ministério Público o ofendido ou seu representante legal ou, à falta deles, as pessoas enumeradas no art. 31 (cônjuge, ascendente, descente ou irmão).
Duas teorias explicam a função do assistente de acusação no processo penal. Em uma visão mais clássica, o objetivo do assistente se restringe unicamente à obtenção de uma condenação criminal que propicie, mais adiante, sua execução no âmbito cível. Mas se vislumbra também no assistente a figura de um colaborador da justiça, a quem interessa não apenas uma condenação, mas uma condenação com pena justa e proporcional ao fato cometido.
O Código de Processo Penal não contempla a figura do assistente de defesa, mas a Lei 8.906/94 dispõe o seguinte em seu art. 49:
“Art. 49. Os Presidentes dos Conselhos e das Subseções da OAB têm legitimidade para agir, judicial e extrajudicialmente, contra qualquer pessoa que infringir as disposições ou os fins desta lei.
Parágrafo único. As autoridades mencionadas no caput deste artigo têm, ainda, legitimidade para intervir, inclusive como assistentes, nos inquéritos e processos em que sejam indiciados, acusados ou ofendidos os inscritos na OAB”.
Teria então a OAB legitimidade para intervir como assistente de defesa de advogado processado criminalmente? Segundo Guilherme de Souza Nucci,
“trata-se de hipótese atualmente prevista no Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94), no art. 49 […]. O dispositivo deve ser adaptado ao contexto do processo penal, tornando possível que a OAB atue como assistente de acusação em caso envolvendo advogado como réu, cuja demanda desperte o interesse de toda a classe dos advogados. Entretanto, é preciso salientar que a Lei 8.906/94 autoriza, expressamente, a assistência, também, do advogado que seja réu ou querelado, pois se refere à intervenção em inquéritos e processos em que sejam indiciados (nítida hipótese criminal), acusados ou ofendidos (em igual prisma) os inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil. Dessa forma, nos moldes propostos pelo Código de Processo Civil, aplicado por analogia neste caso de lacuna do Processo Penal, a OAB pode atuar como assistente da defesa, quando possui interesse de que a sentença seja favorável ao réu-advogado, nos termos do art. 119 do CPC/2015: ‘pendendo causa entre 2 (duas) ou mais pessoas, o terceiro juridicamente interessado em que a sentença seja favorável a uma delas poderá intervir no processo para assisti-la’” (NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. Grupo GEN, 2020, p. 604).
O STJ tem decidido que o art. 49 da Lei 8.906/94 deve ser interpretado em consonância com o Código de Processo Penal, que não admite o assistente de defesa. O art. 49 não pode ser utilizado como uma modalidade de assistência genérica, apenas em razão de o réu ser inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados. A legitimidade derivada da lei especial existe apenas quando presentes interesses institucionais ou de preservação das prerrogativas profissionais da categoria:
“Como já havia adiantado, na decisão em que indeferi a liminar, o recurso não merece provimento, pois a interpretação da lei efetuada pelo acórdão recorrido se encontra em perfeita harmonia com o entendimento desta Corte sobre o tema, no sentido de que “A qualidade de advogado ostentada por qualquer das partes, por si só, não legitima a Ordem dos Advogados do Brasil à assistência” (AgRg no HC 55.631/DF, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA TURMA, julgado em 12/12/2006, DJe 29/09/2008), devendo prevalecer, no pedido de ingresso em ação penal como assistente da defesa, o disposto no Código de Processo Penal.
[…]
De registrar-se que, seguindo raciocínio semelhante que conjuga a falta de previsão legal para tanto com a incompatibilidade do rito, esta Corte tem indeferido pedidos de ingresso da OAB em habeas corpus, seja como assistente, seja como amicus curiae, o que reforça o entendimento de que a legitimidade expressa no parágrafo único do art. 49 do Estatuto da OAB deve ser interpretada em congruência com outras leis processuais, não prevalecendo unicamente em razão de sua especialidade.
[…]
Ainda que assim não fosse, mesmo na seara civil e administrativa, esta Corte tem exigido a demonstração do interesse jurídico na intervenção de terceiros, que somente se identifica, no caso da OAB, quando a demanda trata das prerrogativas de advogados ou das “disposições ou fins” do Estatuto da Advocacia, conforme se depreende da leitura do caput do art. 49 da Lei 8.906/1994.
[…]
No entanto, no caso concreto, o interesse jurídico que legitimaria a intervenção da OAB se circunscreve ao fato de que o réu na Ação Penal n. 0033508-83.2018.8.13.0707 é advogado inscrito em seus quadros, como se vê do seguinte trecho da petição inicial:
Os autos tramitam perante a Ia Vara Criminal da Comarca de Varginha/MG sob o nº 0033508-83.2018.8.13.0707. A inicial acusatória aduz que o advogado teria cometido, em tese, do crime tipificado no artigo 171, caput, do Código Penal Brasileiro. Tendo em vista que o julgamento da Ação Penal interfere diretamente em atribuição exclusiva da Ordem dos Advogados do Brasil e diz respeito a direitos de advogado inscrito em seus quadros, esta Instituição requereu seu ingresso e cadastramento nos autos, o que foi indeferido pela autoridade coatora (…). (e-STJ fls. 1/2)
Seja dizer, a previsão contida no art. 49, parágrafo único, do Estatuto da OAB, deve ser interpretada em congruência com as normas processuais penais que não contemplam a figura do assistente de defesa. Ademais, a legitimidade prevista na norma do Estatuto da OAB somente se verifica em situações que afetem interesses ou prerrogativas da categoria dos advogados, não autorizando a intervenção dos Presidentes dos Conselhos e das Subseções da OAB, como assistentes da defesa, pela mera condição de advogado do acusado” (RMS 63.393/MG, j 23/06/2020).
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