“Ser bom é fácil. O difícil é ser justo.”
Victor Hugo
1. Introdução
A Constituição Federal Brasileira, no título dos Direitos e Garantias Fundamentais, reconheceu a instituição do júri, assegurando a plenitude de defesa; o sigilo das votações; a soberania dos veredictos e a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, cabendo à legislação ordinária a sua organização (artigo 5º, XXXVIII).
O procedimento relativo aos processos de competência do tribunal do júri foi regulado pelo Código de Processo Penal brasileiro (CPP — Decreto-lei nº 3.689/41 e posteriores alterações), que dispõe que o conselho de sentença responsável efetivamente pelo julgamento da causa será composto por juízes leigos escolhidos por sorteio, a saber, 07 cidadãos maiores de 18 (dezoito) anos de notória idoneidade (artigo 436, caput).
Após a instrução em plenário e os debates entre Ministério Público e defesa técnica, o conselho de sentença será questionado sobre matéria de fato e se o acusado deve ser absolvido, devendo responder por meio de voto, de forma sigilosa, a quesitos redigidos “em proposições afirmativas, simples e distintas, de modo que cada um deles possa ser respondido com suficiente clareza e necessária precisão” (CPP, artigo 482, parágrafo único), sem qualquer exposição da fundamentação, que se restringe à íntima convicção de cada julgador.
O mencionado diploma legal estabelece no artigo 483 a ordem em que os quesitos deverão ser formulados, iniciando-se com indagação acerca da existência do fato (materialidade do crime). Resposta negativa implica em absolvição. Se positiva, segue-se pergunta quanto à autoria. Da mesma forma, resulta em absolvição a resposta negativa. Havendo resposta afirmativa, será submetido aos jurados o seguinte quesito: “O jurado absolve o acusado?”.
O chamado quesito genérico foi introduzido por alteração legislativa trazida pela Lei nº 11.689/08, que possibilitou a reunião de diversas teses defensivas, que antes eram indagadas separadamente, em uma única pergunta.
Parte substancial da doutrina brasileira[1] entendeu que a referida alteração legislativa autorizou a absolvição do réu por clemência, sem qualquer restrição, apesar de não existir previsão legal expressa nesse sentido. O veredicto, fruto do “senso de justiça” dos jurados leigos e revestido de soberania, prevaleceria sobre qualquer tentativa de controle.
A questão desperta intenso debate jurisprudencial, sendo visceralmente ligada à possibilidade de o Tribunal de 2ºgraudeterminar a realização de novo júri em julgamento de recurso interposto contra absolvição assentada no quesito genérico, ante suposta contrariedade à prova dos autos. O referido tema teve sua repercussão geral reconhecida, por unanimidade, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (Tema 1087), estando pendente de decisão.
Mas há espaço para poder sem limites no Estado Democrático de Direito? A decisão do conselho de sentença, qualquer que seja seu conteúdo, estará em harmonia com a pretensão de justiça inerente ao próprio Direito?
2. A organização do tribunal do júri no Brasil
A clemência não encontra definição legal expressa no ordenamento jurídico brasileiro. É definida pelos dicionários da língua portuguesa como “virtude que modera o rigor da justiça, perdoando ofensas e minorando os castigos; bondade, doçura, indulgência”[2].
Com a prática do delito surge para o Estado o ius puniendi, consistente no direito de aplicar, mediante processo judicial prévio, a pena constante do preceito secundário da lei penal[3]. Por meio da clemência, não obstante o reconhecimento da prática de ato típico, ilícito e culpável, o Estado deixa de aplicar ou determina a extinção da pena já aplicada antes do integral cumprimento.
A doutrina aponta diversas manifestações estatais de clemência em institutos positivados, como a anistia, o indulto e o perdão judicial[4].
No presente estudo, a clemência, considerada como fundamento da absolvição de réu no tribunal do júri, deve ser compreendida como ato judicial colegiado, pois manifestação do conselho de sentença, de efeitos individuais, já que incide apenas sobre aquele em relação ao qual se formulou o quesito genérico, mediante o qual os jurados, apesar de reconhecerem previamente a prática de ato típico, ilícito e culpável pelo acusado, o absolvem em ato de benevolência que dispensa qualquer motivação específica, impedindo a aplicação de sanção de natureza penal. Investidos na função de julgadores, portanto, representantes do Estado-juiz, os jurados manifestariam imotivada dispensa estatal à punição.
A clemência, neste contexto, não se confunde com os institutos mencionados que também se traduzem como ato de renúncia do Estado à aplicação ou execução de pena. Sendo judicial, se difere da anistia, que não é individual e se insere na competência do Legislativo (art. 48, VIII, da CF), e do indulto, atribuição do Executivo (art. 84, XII, da CF). O perdão judicial, não obstante também seja ato judicial de dispensa de pena, ao contrário da clemência invocada nos tribunais do júri, encontra-se devidamente positivado, tendo o legislador estabelecido as hipóteses restritas de sua aplicação.
A celeuma quanto à possibilidade de absolvição por clemência ganhou músculos com a alteração legislativa que reuniu em um único quesito a indagação acerca de diversas teses defensivas que outrora eram feitas em separado. Nem o referido modelo de quesito genérico, nem qualquer diploma legislativo, autorizam expressamente a absolvição por clemência no tribunal do júri.
Ilustrando a posição majoritária da doutrina nacional, Guilherme de Souza Nucci[5] entende que a possibilidade de absolvição por clemência deriva da amplitude de defesa garantida ao acusado e da soberania dos veredictos, o que permite aos jurados leigos julgar o caso como bem entenderem, podendo absolver o acusado por qualquer razão, inclusive clemência. No entanto, o autor assevera que no caso concreto, ainda que a tese defensiva se limite à clemência, o defensor obrigatoriamente deverá apresentar tese subsidiária quando da quesitação genérica sobre a absolvição. Esse não parecer ser o melhor entendimento, pois se os jurados pudessem julgar da forma como quisessem, não faria sentido exigir a criação e apresentação de tese subsidiária desprovida de qualquer fundamento, o que poderia, inclusive, fragilizar o poder de convencimento da tese principal.
Prosseguindo na análise do tema, o doutrinador admite, em consonância com a jurisprudência majoritária já mencionada, que a absolvição por mera clemência ensejaria a anulação do julgamento por ser a decisão manifestamente contrária à prova dos autos (artigo 593, III, “d”, CPP), mas, como tal recurso só seria manejável uma vez (parágrafo 3º do referido dispositivo), havendo nova absolvição por clemência no plenário subsequente, não seria possível impugnar tal decisão, sendo inatacável a absolvição por mera benevolência.
Importante notar que não se trata de exigência de revisão da decisão ou reexame obrigatório, mas reconhecimento de nulidade da absolvição. Lastrear a possibilidade de clemência em tal fundamento importa admitir que a nulidade reconhecida judicialmente seria sanada apenas por conta de sua repetição em novo julgamento.
A possibilidade ou não de impugnar decisão por meio de recurso não pode ser confundida com sua constitucionalidade. Esta diz respeito à harmonia com as normas constitucionais. A possibilidade de recurso se refere à opção do legislador sobre a criação de meios de revisão do decisum. Nesse sentido, por exemplo, há hipóteses de julgamento em foro especial por prerrogativa de função que não permitem o duplo grau de jurisdição. Apesar de não poderem ser impugnadas, não se pode concluir apenas pela inexistência de recurso cabível que qualquer que seja a decisão de mérito ela esteja em harmonia com os ditames constitucionais. O fato de o ordenamento não prever o manejo de recurso contra determinada decisão não lhe confere automaticamente constitucionalidade, apenas impede seja eventual inconstitucionalidade reconhecida por outro órgão.
Além disso, seguindo o raciocínio referido, também seria constitucional a condenação de alguém evidentemente inocente, pois a defesa, de igual modo, poderia manejar o recurso uma única vez para anular o julgamento. Assim, se a ilegal condenação se confirmasse no segundo plenário do júri, também não haveria qualquer recurso apto a reformá-la[6]. Por certo, tal conclusão não pode ser reputada correta, pois inadmissível a condenação de réu manifestamente inocente, não servindo a soberania dos vereditos como justificativa para tamanha inversão da lógica do sistema penal.
Assim, a impossibilidade de interposição de recurso contra eventual segunda absolvição por clemência, atrelada à redação genérica do quesito, não parecem servir como fundamento coerente e suficiente para admitir-se a absolvição por clemência.
3. Clemência e Estado Democrático de Direito
Importa agora confrontar a interpretação dominante exposta acima acerca da admissibilidade irrestrita da clemência com a Constituição Federal. São conciliáveis? Indo além, mesmo se houvesse expressa disposição legal autorizando a absolvição por clemência, tal possibilidade estaria em harmonia com a Constituição?
A doutrina majoritária no Brasil[7] responde positivamente, lastreando sua conclusão na previsão constitucional de soberania dos veredictos e na plenitude de defesa (artigo 5º, XXXVIII, “a” e “c”). Para tal corrente doutrinária, a mencionada soberania é interpretada como total ausência de limites para o poder decisório do jurado.
Historicamente, antes do Estado de Direito, a graça era vista como algo fora do Direito e que prevalecia sobre ele[8]. O soberano utilizava-se de atos de clemência, com lastro apenas em seu poder ilimitado, sem vinculação obrigatória com qualquer sentido de justiça, o que servia, inclusive, como instrumento político para agradar aos súditos e qualificar o monarca como virtuoso, bom. Ao rei era reconhecido o poder de atuar de forma arbitrária, podendo assim, punir e perdoar, sem necessidade de justificativa legítima[9].
Com o surgimento do Estado de Direito, consagrado logo no caput, do artigo 1º, da Constituição Federal, a clemência, como todas as manifestações estatais, não pode se traduzir em mera arbitrariedade, calcada apenas no poder, mas deve estar em harmonia com o Direito[10]. Conforme lição de J.J. Gomes Canotilho[11], todos os atos dos poderes públicos devem guardar conformidade com a Constituição, obediência a seus parâmetros formais e materiais, seja em manifestações gerais como a elaboração de leis, seja em atos de efeitos concretos.
A proteção e promoção dos direitos do indivíduo são a justificativa legítima da própria existência do Estado. Configuram o limite e o fundamento do poder, devendo o Estado promovê-los e regular o seu exercício, assim como solucionar conflitos advindos da convivência em comunidade[12]. A liberdade é a regra, mas o seu exercício ilimitado por todos é inviável, diante do inevitável surgimento de conflitos dos interesses de cada um com os dos outros. Desta forma, indispensável reconhecer que “os direitos fundamentais, mesmo os direitos, liberdades e garantias, não são absolutos nem ilimitados”[13].
Assim, admite-se a restrição das liberdades na medida necessária para permitir a harmônica convivência em sociedade[14]. Nas palavras de Schäfer Streck, “a lei é o custo para se viver em sociedade”[15]. Nesse sentido, é através do Direito Penal, intervenção mais drástica na esfera de liberdades do cidadão, que o Estado tutela os bens essenciais e mais relevantes da sociedade. Palma leciona que o Estado moderno depende do poder punitivo para garantia de seus fins, assim, as instituições penais “exprimem uma parte essencial do acordo político que justifica a configuração da Sociedade como Estado”[16].
No entanto, tamanha invasão da esfera de liberdades do cidadão só se legitima quando ultrapassa o filtro do princípio da necessidade da pena, em sua dupla faceta, relacionado à relevância do bem e gravidade da lesão praticada, assim como à inexistência de alternativas de política criminal menos agressivas[17].
A aplicação de pena, desta feita, é consequência de conclusão positiva acerca de sua inafastável necessidade para tutela de direitos de outrem, não se podendo admitir que no Estado Democrático de Direito tal indispensável instrumento seja repelido por mera arbitrariedade, ato de benevolência vazio de qualquer finalidade justificável frente às razões que legitimam a existência do Estado e, em última análise, do próprio tribunal do júri.
Indo além, se o poder dos jurados não encontrar limites, como advogam os defensores da tese majoritária, ele não poderá, nem mesmo, ser reduzido à clemência. Qualquer argumento, por mais odioso e injusto, permitirá a absolvição do réu. Se a soberania for sinônimo de poder absoluto, o acusado poderá ser absolvido em razão de pleito defensivo racista no sentido de que julgadores brancos devem absolver o réu branco, apesar de culpado, pois a vítima era negra. Ou que julgadores de uma determinada religião devem absolver o réu que professa a mesma fé, apesar de culpado, pois a vítima era seguidora de outra religião.
Esta possibilidade, entretanto, já foi corretamente rechaçada pelo Supremo Tribunal Federal, que no bojo da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 779, por unanimidade, declarou inconstitucional o uso da tese da legítima defesa da honra em crimes de feminicídio ou de agressão contra mulheres. A corte entendeu que o mero emprego da “legítima defesa da honra” como recurso argumentativo configura violação à “dignidade da pessoa humana e os direitos à vida e à igualdade entre homens e mulheres (art. 1º, inciso III , e art. 5º, caput e inciso I, da CF/88), pilares da ordem constitucional brasileira”, ensejando a nulidade do ato e do julgamento. Como corolário de tal entendimento, ditou que “que não fere a soberania dos vereditos do tribunal do júri o provimento de apelação que anule a absolvição fundada em quesito genérico, quando, de algum modo, possa implicar a repristinação da odiosa tese da legítima defesa da honra”[18].
Mesmo quando o argumento não for explícito, a total falta de controle acerca da concessão de clemência permite que, sob a forma de mera liberalidade com o réu, se escondam motivos reprováveis e inconciliáveis com o atuar estatal e a solução de controvérsias submetidas ao Judiciário. Pode, na verdade, ocultar outras motivações para a renúncia à pena, como preconceitos, antipatia pela vítima, simpatia pelo réu ou defensor, orientações ideológicas, medo de represálias em caso de condenação etc. Em verdade, a vedação de controle dos veredictos por meio de recurso contra decisão manifestamente contrária à prova dos autos servirá de estímulo às pressões criminosas contra os jurados, recurso usualmente empregado por organizações criminosas atuantes no Brasil, como as do tipo milícia, que tem no terror um de seus principais ativos. A ciência pelos criminosos de que eventual absolvição contrária à prova dos autos será irrecorrível deixa os jurados leigos mais vulneráveis às investidas ilegais, reduzindo drasticamente a proteção à livre participação democrática da população nos julgamentos.
Tais motivações inconstitucionais estariam imunes a qualquer controle, afastadas até do debate em contraditório, pois não se pode debater o desconhecido, principalmente subjetividades que não guardam qualquer relação com o fato imputado e o conjunto de evidências. É a razão possível que deve pautar a decisão, pois o julgador “não tem legitimidade para submeter o cidadão à ditadura de suas emoções – de suas aversões, seus preconceitos, de suas misérias”[19].
O juiz togado não está sempre imune a estes mesmos estímulos, mas seu atuar é limitado pela devida obediência à lei e necessária fundamentação de suas decisões em consonância com o conjunto probatório, existindo ainda, em regra, a possibilidade de revisão por outro órgão por meio do recurso. Se a clemência for admitida como manifestação de poder absoluto, tais limitações não existiriam. Como o voto é secreto e decorrente de íntima convicção, não há exposição das razões e, principalmente, não há qualquer exigência de harmonia com as provas produzidas, tornando o ato insindicável. Note-se que o mesmo não ocorre com a decisão de condenação, pois não obstante a exposição do jurado às mesmas interferências quanto ao seu convencimento, o decreto condenatório não deriva de poder ilimitado, devendo encontrar lastro nas provas produzidas, sob pena de nulidade, nos termos do disposto no artigo 593, inciso III, “d”, do Código de Processo Penal.
3.1 A clemência e os princípios estruturantes do Estado
A imprevisibilidade do resultado do processo feriria de morte, também, a necessária segurança jurídica, inerente ao Estado Democrático de Direito[20] (art. 1º, caput, CF), pois, como o pronunciamento final do Judiciário seria fruto de puro arbítrio, impossível estabelecer a priori qual a consequência jurídica do ato, trazendo insuperáveis prejuízos para a estabilidade social e os fins almejados pelas penas criminais. Ressaltando a ideia de Justiça como segurança jurídica, Arthur Kaufmann[21] adverte que “apenas existe segurança através do direito, quando o próprio direito é seguro”.
Apesar da grande margem de liberdade conferida ao jurado, decorrente da dificuldade de controle sobre o julgamento por ausência de motivação, barreiras mínimas, como a necessidade de que a decisão seja lastreada na prova produzida e que apenas teses defensivas válidas possam embasar a absolvição, podem limitar a subjetividade e o arbítrio, conferindo algum grau de racionalidade ao veredicto.
Neste sentido, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, em esforço para harmonizar a falta de exteriorização da motivação nos veredictos do Tribunal Popular com o devido processo legal, que veda decisões arbitrárias, já expressou o entendimento de que a “íntima convicción no es un criterio arbitrário” (§262)[22]. A Corte decidiu que a motivação expressa pode ser dispensável, desde que as partes verifiquem que o veredicto é condizente com a “lógica metodológica histórica” a ser utilizada pelo jurado na reconstrução dos fatos históricos. Tal lógica daria previsibilidade ao veredicto (§269).
A total ausência de limites e a concordância com a subjetividade absoluta negam a própria cientificidade do Direito, posto que, nas palavras de Kirchmann, “o sentimento nunca e em nenhuma parte é um critério de verdade: é o produto da educação, do costume, da acção, do temperamento, numa palavra, do acaso”[23].
A clemência como mero ato de benevolência também encontra óbice no princípio da igualdade (artigo 5º, caput, da Constituição Federal), pois, sendo pura arbitrariedade do jurado, poderia ser concedida a uns e negada a outros, mesmo que em situações iguais. Poderia, por exemplo, beneficiar um acusado e ser negada ao corréu, dando solução diametralmente oposta a duas hipóteses idênticas submetidas ao Judiciário no mesmo processo. Permitiria que na análise de um único crime, não obstante a certeza quanto à prática, houvesse absolvição de um autor e condenação de outro por simples arbítrio estatal[24]. Levaria a que, como regra, não como exceção, situações idênticas pudessem ser tratadas de forma desigual, sem que ao menos fosse possível conhecer a existência ou não da semelhança, dado que, sob o manto da clemência, as reais razões da absolvição, sem qualquer compromisso com a prova produzida, seriam intangíveis.
A clemência só teria lugar após evidenciada a prática do crime, assim, não se relaciona com tipicidade, ilicitude e culpabilidade, configurando renúncia à sanção. Ao largo das questões de fundo relacionadas à possibilidade de afastar por razões de política criminal a aplicação de pena necessária, que serão tratadas mais à frente, importante ressaltar que apenas a lei, com a generalidade que lhe é inerente, mas desde que dotada da necessária densidade normativa, poderia dispor sobre o tema sem que fosse criada possibilidade franca de prática de arbítrio apto a gerar aplicação odiosamente desigual do Direito[25].
Mais que isso, não basta a mera existência formal de lei, necessário que a lei tenha algum grau de especificação, sob pena de configurar ilegítima omissão do legislador em estabelecer regramento geral de acordo com a política criminal que lhe cabe escolher. Tal cenário acaba por afetar o fundamento democrático da reserva de lei, pois relega à individualidade insindicável do jurado o posicionamento ocasional acerca de tema que deve ser tratado em termos gerais pelo legislador[26].
Justificar o ato de renúncia de pena apenas pelos benefícios proporcionados ao réu, olvidando-se dos fins das penas e sua relevância na proteção de direitos fundamentais dos demais cidadãos, importaria, ademais, em flagrante ofensa ao princípio da proporcionalidade e à proibição de proteção deficiente (artigo 5º, LIV, CF), violação aos deveres de proteção do Estado[27], em especial o de garantir o direito à vida e à segurança (artigo 5º, caput, CF).
Com a passagem do Estado liberal clássico para o Estado Democrático de Direito, o enfoque deixou de ser conferido apenas à limitação do poder punitivo do Estado, mas se estendeu ao compromisso com a proteção de direitos individuais e transindividuais, inclusive contra ataques perpetrados por outros particulares[28]/[29].
Permitir a absolvição por mera clemência significa tolher por completo e de forma arbitrária a eficácia do Direito Penal como instrumento de proteção, desguarnecendo, assim, os bens cuja tutela se impõe ao Estado, em especial a vida, no caso do tribunal do júri.
Além de impedir a proteção eficiente dos bens, a clemência, ao ignorar as funções preventivas da pena, poderia se revelar criminógena pela desresponsabilização que suscita[30].
3.2 A especial exigência de punição
Não obstante ser garantida constitucionalmente ao tribunal do júri competência para julgar os crimes dolosos contra a vida (artigo 5, XXXVIII, “d”), em tese, qualquer outro delito comum pode ser submetido ao seu julgamento, desde que seja conexo a um crime doloso contra a vida, conforme estabelece o disposto no artigo 78, inciso I, c/c artigos 76 e 77 do Código de Processo Penal.
Assim, a clemência deve ser confrontada, ainda, com o disposto no artigo 5º, XLIII, da Constituição Federal, onde, em sede de elencos dos direitos fundamentais, dita que a “lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem”.
A lei nº 8.072/90 elencou, entre outros delitos, o homicídio doloso (qualificado ou quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio) como crime hediondo. Além disso, vedou expressamente a concessão de anistia, graça ou indulto[31] aos autores destes delitos (artigo 2º, I).
Tal interpretação acerca da soberania dos veredictos do júri também se choca com os diversos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil e em relação ao combate à criminalidade, como, por exemplo, as convenções internacionais contra o crime organizado e lavagem de dinheiro; o tráfico ilícito de entorpecentes e substâncias psicotrópicas; o tráfico de pessoas, em especial mulheres e crianças e a corrupção[32].
A arbitrária renúncia estatal à pena devida também não se harmoniza com a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica)[33], na interpretação conferida pela própria Corte IDH. Analisando atos genéricos de clemência estatal consubstanciados em leis de anistia, já firmou entendimento de que “são inadmissíveis as disposições de anistia, as disposições de prescrição e o estabelecimento de excludentes de responsabilidades que pretendam impedir a investigação e sanção dos responsáveis por violações graves dos direitos humanos” (Caso Barrios Altos Vs. Peru)[34].
Ao expor a inviabilidade convencional da ausência de recurso contra decisão arbitrária do Conselho de Sentença, Suxberger explicita como a “categoria impunidade tem sido objeto de preocupação do sistema interamericano de proteção dos direitos humanos há muito tempo”, destacando que a Corte IDH não se limita à análise do sentido normativo dos enunciados de um determinado sistema de justiça, também lhe interessando como os atores do sistema aplicam tais enunciados para que a impunidade seja erradicada[35].
O autor, acertadamente, acrescenta que o sentido da impunidade deve orientar a atividade interpretativa do Direito[36], ressaltando que a Corte IDH já ditou que o sentido jurídico da impunidade é “la falta en su conjunto de investigación, persecución, captura, enjuiciamiento y condena de los responsables de las violaciones de los derechos protegidos por la Convención Americana”[37].
Assim, a admissão da clemência de forma ilimitada no tribunal do júri permitiria a absolvição infundada de autores de qualquer tipo de crime, não importando sua gravidade, mesmo os hediondos, os expressamente mencionados na Constituição Federal como insuscetíveis de ato de benevolência e os considerados grave violação dos direitos humanos. Tal compreensão se revela extrema até quando cotejada com os atos de graça anteriores ao Estado de Direito, pois “houve, em todas as épocas, delitos que, pela sua perversidade ou pela perigosidade dos seus agentes, sempre foram, ao menos em teoria, considerados imperdoáveis”[38].
Exatamente nesta direção são diversas decisões do Supremo Tribunal Federal, reafirmando que, quando o crime for hediondo, como o feminicídio, portanto, insuscetível de graça ou anistia, ainda que a absolvição seja fundada em clemência, “pode o Tribunal ad quem, provendo o recurso da acusação, determinar a realização de novo júri”[39].
Repise-se que não há autorização constitucional para a concessão de clemência pelo Tribunal Popular. Mesmo quando a benevolência estatal é norma prevista na Carta Magna, como no caso da graça ou indulto individual, tendo a prerrogativa sido conferida à autoridade com inatacável representatividade democrática, o Presidente da República, o ato não goza de insindicabilidade, estando sujeita ao controle externo do Poder Judiciário, pois “admitir que o Presidente da República, por supostamente deter competência para edição de indulto, possa criar, a seu entorno, um círculo de virtual imunidade penal é negar a sujeição de todos ao império da lei, permitindo a sobreposição de interesses meramente pessoais e subjetivos aos postulados republicanos e democráticos”[40].
Se a Constituição Federal veda os atos de clemência com natureza de benefício coletivo (anistia e indulto coletivo), assim como o de natureza individual que exige fundamentação legítima (graça ou indulto individual), não se pode concluir que a própria Constituição admitiria a benevolência de natureza individual de forma arbitrária.
3.3 A clemência e os “ditames da justiça”
Não se pode, ainda, olvidar que o Código de Processo Penal dita que os jurados deverão decidir a causa de acordo com a sua consciência e os ditames da justiça (artigo 472). É o Direito que permite a liberdade de todos ao conter o arbítrio de cada um, segundo uma lei universal de liberdade[41]. A ideia de Direito não pode ser desvinculada de “uma pretensão de validade, no sentido de pretensão de justiça”[42]. Apesar da dificuldade de conceituar a justiça, com Radbruch ela pode ser compreendida em três vertentes, sendo a igualdade como forma, o bem comum como conteúdo e a segurança jurídica como função[43].
A prática do crime significa a ilegítima ampliação da esfera de autonomia do autor em detrimento da dos demais, “daí que, no domínio do jurídico, o recurso a meios de coação para repor a Justiça seja, não apenas legítimo, mas até exigível”[44]. Assim, a contenção do arbítrio no julgamento é um imperativo de justiça, sendo injusto tanto a condenação de inocente quanto a absolvição de culpado.
Se a conduta praticada pelo réu é em alguma medida desculpável, a absolvição ou atenuação da sanção, conforme o caso, lhe é devida, pode ser exigida, não se confunde com clemência. No tribunal do júri, a clemência teria lugar apenas após a comprovação da prática do delito, evidenciados todos os seus elementos constitutivos e afastadas as causas de justificação e desculpa.
A clemência arbitrária se choca frontalmente com este ideal de justiça, pois permite o tratamento desigual entre iguais, ao autorizar a condenação de uns culpados e a absolvição de outros por puro subjetivismo dos julgadores, viola o bem comum ao desprezar o Direito Penal e as finalidades da pena e cobre de insegurança jurídica o julgamento no Tribunal do júri ao desfazer qualquer tipo de vinculação entre as provas e o veredicto.
3.4 A clemência e o perdão
Ao incidir apenas nas hipóteses de comprovada prática do delito, sobre o indesculpável, a clemência no júri se traduziria como pretensa manifestação de perdão.
A falibilidade humana faz com que o cometimento de erros seja uma certeza, males causados no passado que se perpetuam no presente e correm para o futuro por conta da memória. É o perdão que, como oposto à vingança, liberta executor e vítima do automatismo do processo de ação e reação, devolvendo-lhes a liberdade[45].
A falta paralisa o indivíduo e o “perdão difícil” representa a “suspensão dessa incapacidade existencial”[46]. No entanto, como reconhece Ricoeur[47], no âmbito institucional, no processo penal, sendo a impunidade “uma grande injustiça”, “o imperdoável de direito permanece” e a sanção devida deve ser aplicada. Assim, o perdão deve ter espaço nos males menores e cotidianos das relações humanas, não abarcando o “crime e o mal intencional”[48].
A prática de delito de ação pública incondicionada, como é o caso dos crimes dolosos contra a vida, afeta de tal forma a sociedade como um todo que a questão transcende a esfera de interesses exclusivos da vítima. Assim, mesmo o perdão da vítima (no caso de crime tentado), apesar de sua relevância para a pacificação do conflito, não tem aptidão para diminuir o desvalor que recai sobre a conduta do culpado e obstar a justa e necessária punição.
A inviabilidade da absolvição calcada em perdão é ainda mais evidente quando o intento criminoso se consuma e a vítima morre. Kant, firme em sua compreensão retributiva da pena, ao tratar do poder soberano de graça, o qualifica como o mais propício ao cometimento de injustiças, lecionando que não pode ser causa de impunidade, devendo ser exercido apenas quando o próprio soberano for a única vítima do delito, mesmo assim, com parcimônia, para impedir que a falta de punição ponha em perigo a segurança do povo[49].
Derrida, estendendo tal compreensão ao perdão, com clareza, expõe que cabe apenas à vítima perdoar, pois “não se pode pedir perdão aos vivos, aos sobreviventes, por crimes cujas vítimas estão mortas”[50].
Mas há algum espaço para o perdão no sistema penal? A resposta é positiva. Nos crimes de ação privada ganha relevância como causa de extinção da punibilidade. Nos de ação penal pública condicionada, pode culminar com a retratação da representação. Mas nos de ação pública incondicionada, com Ricoeur, importante reconhecer que seu lugar é marginal[51]. Não incide diretamente sobre a responsabilização do acusado culpado, mas vai exigir que este seja tratado com a dignidade destinada a todas as pessoas.
Estando inviabilizada a clemência pela via do perdão, resta compreendê-la como tentativa forçada de esquecimento, que se contrapõe ao sentido de justiça do Direito. Admitir a clemência é desprezar a evidência do crime, a perenidade de suas consequências e a necessidade da pena. A absolvição vai impedir até que o relato fiel do ocorrido seja perpetuado, sob pena de crime de calúnia[52].
Impedindo que a punição dê justo cabo ao processo, a clemência deixaria que feridas abertas pelo delito se inflamassem e vítima sobrevivente ou enlutados da morta, tomados pelo sentimento de injustiça, reproduzissem o mal em ato de vingança[53]. É a ausência da resposta justa do Estado que esvazia o monopólio da violência e cria terreno fértil para que o vendedor de cavalos Michael Kohlhaas, da famosa obra de Heinrich Von Kleist, deixe de ser “modelo de um bom cidadão” e se transforme em um dos homens “mais terríveis de sua época”.
4. Clemência justificada?
Além da renúncia arbitrária à aplicação de pena, lastreada unicamente em suposta ausência de limites do poder dos jurados, não é incomum nas sustentações em plenário que a defesa técnica pleiteie ao conselho de sentença, também sob o título de clemência, que mesmo havendo a comprovação do delito imputado, haja a absolvição por compaixão ou por desnecessidade da pena no caso concreto.
Tal situação parece guardar algum alinhamento com o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça[54] ao admitir a absolvição por clemência, mas exigir lastro probatório mínimo para tal, sem especificar sobre exatamente o que recairia a exigência de prova.
Nota-se aqui uma relevante ambiguidade terminológica que precisa ser esclarecida para a correta compreensão do tema analisado. A clemência referida por doutrina e jurisprudência, na verdade, abarcaria, ao menos, três situações diversas.
A primeira já foi abordada no capítulo anterior. Tratemos em separado das duas hipóteses restantes, a compaixão e a desnecessidade da pena.
4.1 Compaixão como clemência?
Iniciemos com a compaixão. António Damásio[55] leciona que os comportamentos éticos derivam de duas vertentes, uma de natureza cognitiva e outra afetiva. As emoções integram “quadro da homeostasia”, da regulação da vida, que se estende desde funcionamento do corpo até instrumentos de controle social. Apesar de serem decorrentes de transmissão genética, portanto, essencialmente automáticas, “se realiza em todos nós uma actualização e se estabelece uma relação verdadeiramente única entre emoções e entre certas causas de emoção. De tal modo que a emoção é, ao mesmo tempo comum a todos nós, e inteiramente única e especial.”[56].
O neurocientista ensina que é preciso distinguir sentimento e emoção. Esta é fenômeno público, pode ser percebida pelo outro pois tem manifestação externa. O sentimento corresponde à nossa leitura mental, interior, daquilo que acontece durante uma emoção. Compaixão seria uma emoção social, tendo o sofrimento de outro indivíduo como estímulo emocionalmente competente. “O sentimento que lhe segue é o que tem como consequência o conforto, o re-equilíbrio do outro ou do grupo. A base desta emoção social é o apegamento, a vinculação e a tristeza”[57].
No campo do Direito Penal, há que diferenciar quando a compaixão é vivida pelo réu e quando surge no outro, no julgador, em relação ao réu. No primeiro caso, ilustrativa a disposição do artigo 133 do Código Penal português ao tratar como homicídio privilegiado aquele praticado por agente dominado por compaixão, desde que esta seja apta a diminuir “sensivelmente a sua culpa”. Funda-se na redução relevante da exigibilidade de outro comportamento[58]/[59]. O Código Penal Brasileiro não faz expressa previsão da compaixão ao tratar do homicídio. No entanto, se o agente praticar o crime impelido por ela, dependendo das angularidades do caso, há a possibilidade de configurar relevante valor moral e atrair a incidência de causa especial de diminuição de pena, nos termos do artigo 121, § 1º, CP[60].
Note-se que para a atenuação da responsabilidade é necessário que as emoções guardem correspondência com base fática e conduzam necessariamente à diminuição sensível da culpa, sob uma perspectiva minimamente objetiva[61].
A compaixão também pode ser despertada no julgador em relação ao réu culpado. Seria justificativa suficiente para concessão de clemência?
Por certo, sendo fruto do reconhecimento do outro como semelhante, a compaixão constitui um valor digno de proteção, podendo também configurar uma razão de justiça apta a afastar a responsabilização penal[62].
No ordenamento jurídico brasileiro é a referida emoção que legitima a existência de algumas hipóteses do chamado perdão judicial[63], elencado entre as causas de extinção de punibilidade. Nos termos do artigo 107, IX, do Código Penal, só incide nos casos previstos em lei.
Exemplo dele é o disposto no artigo 121, §5º, do Código Penal: “Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária”. Imagine-se o genitor que, ao preparar a refeição para a família, de forma culposa, deixa gás de cozinha vazando, o que acaba por causar intoxicação e morte de seu próprio filho. Não obstante o dispositivo mencionar a desnecessidade da pena, o sofrimento do agente culpado não afasta a necessidade da sanção pelo viés retributivista, nem pelo da prevenção geral, limitando-se, no máximo, a torná-la dispensável sob o aspecto da prevenção especial. Na verdade, é o sofrimento extremo do culpado que pode desencadear a compaixão e, esta, como valor digno de proteção, preponderar sobre as finalidades da pena no caso concreto, autorizando a extinção da punibilidade.
No tribunal do júri, apesar de não haver previsão legal de perdão judicial para crimes dolosos contra a vida, é comum que a defesa técnica apele à compaixão dos jurados, advogando que esta pode fundamentar absolvição no quesito genérico sob o manto da clemência.
Não havendo qualquer tipo de motivação expressa, perde espaço a racionalidade da análise da prova por critérios com pretensão de objetividade, abrindo-se o flanco para o distanciamento da justiça através das narrativas processuais sem compromisso com a aproximação da verdade, com forte apelo ao estado psicológico do julgador, a chamada íntima convicção[64].
Em busca da comiseração dos jurados, toda a sorte de argumentos, inclusive não jurídicos, é trazida à baila, como o tempo decorrido desde a prática do delito, a ocorrência da chamada tentativa branca sem maiores consequências para a vítima sobrevivente, a reconciliação desta com o réu, a idade avançada ou debilidade do estado de saúde do acusado, o arrependimento, as mazelas do cárcere, o passado da vítima, o sofrimento que a pena imporia aos familiares do acusado, doutrinas religiosas de perdão e redenção etc. Nestes termos o pleito de perdão judicial sob o rótulo de clemência acaba por alcançar no homicídio doloso contornos bem mais amplos do que o previsto para o homicídio culposo, onde, como visto, restringe-se à consideração das consequências do crime para o agente[65].
Com Martha Nussbaum, é preciso reconhecer que a compaixão pode ter um lugar na decisão penal, mas compreender que ela é falível[66]. A comiseração das pessoas é “imprevisível e inconstante” e pode variar severamente conforme “preconceitos antecedentes contra certos tipos de acusados e em favor de outros”[67]. Segundo a autora, os elementos cognitivos da compaixão, especificamente a valoração da gravidade e merecimento do sofrimento e a relação estabelecida entre julgador e réu, são altamente maleáveis, dependentes da história de vida de cada julgador e vulneráveis à retórica[68]. Indispensável, então, construir um conceito de compaixão razoável[69]. Desta feita, para reduzir a possibilidade de desvios na diminuição ou afastamento da sanção penal, a compaixão deve ser vinculada à evidência e limitada por fatores institucionais[70].
Conforme já exposto, a sanção penal tem relevância crucial na ordenação social e a não punição injustificada de acusado culpado configura injustiça. São hipóteses excepcionais em que a compaixão, como valor a ser tutelado pelo Direito, constitui o próprio critério de justiça preponderante para nortear a decisão penal, afastando a punição. Esse sensível equilíbrio não pode ser fruto de puro arbítrio e subjetividade, mas precisa ter pauta mínima que respeite a igualdade e tenha pretensão de alcançar a objetividade possível. A lei é o instrumento adequado para dar o balizamento apto a impedir o abuso indevido da compaixão, evitando distorções e garantindo a justiça na decisão penal. A ausência de lei atrai para esta hipótese as mesmas críticas já apresentadas para a clemência desprovida de justificativa, diante da incompatibilidade da arbitrariedade com o Estado Democrático de Direito, lesão ao princípio da igualdade e da segurança jurídica, gerando proteção deficiente da sociedade.
Nesse sentido, precisa a lição de António Damásio[71] de que as emoções, como se relacionam com a regulação da vida, têm “importância extraordinária na construção da Ética, na construção do Direito”. Entretanto, “no espaço social e cultural em que hoje vivemos (…) a regulação da vida precisa ser muito mais complexa do que a regulação proporcionada pelas emoções apenas. Exige convenções sociais, princípios e leis”.
O Código Penal, como visto, exige lei específica regulando as hipóteses de perdão judicial. Por certo, sendo situação excepcional, são poucas as autorizações legais neste sentido, não havendo para os crimes dolosos contra a vida.
Ressalte-se, ainda, que o dolo reflete vontade de lesão de bens jurídicos, evidenciando o maior grau de reprovabilidade, afastando a possibilidade de analogia com o perdão judicial previsto para o homicídio culposo. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que a não previsão de perdão na parte especial da legislação penal para um determinado crime não se traduz em lacuna legislativa, ao contrário, revela clara manifestação de exclusão do perdão para a hipótese, sendo vedada a analogia[72]. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça também é contrária ao perdão judicial sem que haja expressa previsão legal[73].
Mesmo que equivocadamente fosse dispensada a exigência de lei específica permitindo o perdão ou clemência lastreada na compaixão, sua natureza seria de causa de extinção de punibilidade, não abarcada pela competência dos jurados leigos, mas restrita à do julgador togado, nos exatos termos do artigo 497, IX, do Código de Processo Penal[74].
Reforça tal conclusão o fato de a causa de extinção de punibilidade não dar azo à absolvição, não sendo possível inferir eventual autorização tácita para concessão da clemência por compaixão dos termos do quesito genérico, justamente pois este cuida de absolvição do réu.
Assim, seja pela ausência de lei autorizando e estabelecendo parâmetros mínimos de objetividade, seja pela falta de competência para analisar as causas de extinção de punibilidade, imperioso reconhecer a impossibilidade de absolvição por clemência lastreada na compaixão dos jurados pelo réu.
4.2 Clemência como desnecessidade da pena?
Importa agora analisar a possibilidade de concessão de clemência por desnecessidade da pena no caso concreto.
A aplicação de sanção penal configura restrição à esfera de direitos do condenado, em especial de sua liberdade no caso da prisão. Como qualquer medida restritiva, a pena deve superar o filtro de proporcionalidade, seja no tocante à atuação legislativa na criminalização da conduta com a previsão em abstrato da sanção, seja na aplicação em concreto pelo julgador.
Relaciona-se com tal compreensão o princípio da necessidade da pena. A doutrina fundamenta nele dois requisitos para a criminalização, a saber, a dignidade punitiva da conduta, referindo-se à gravidade da lesão ou ameaça praticada e à relevância dos bens protegidos, e a carência de proteção penal, consubstanciada em ausência de alternativas de política criminal[75].
A temática é deveras controversa, havendo quem afirme que “dificilmente, porém, conhecerá a ciência penal matéria que suscite maior desencontro de opiniões”[76]. Abundam as divergências dogmáticas acerca da forma e do momento de intervenção destas categorias, em especial vinculando-as a uma das categorias tradicionais da teoria do crime (tipicidade, ilicitude e culpabilidade) ou criando uma nova (punibilidade ou responsabilidade)[77].
Apesar da celeuma, há pontos em que existe algum consenso, possibilitando o desenvolvimento do estudo com segurança. No tocante à dignidade penal, exige-se que a conduta configure ofensa intolerável de valores fundamentais, ganhando importância tanto a relevância do bem, quanto a danosidade[78]. Relaciona-se a esta ideia o princípio da fragmentariedade ou intervenção mínima segundo o qual o Direito Penal deve tutelar apenas os bens mais relevantes contra as agressões ou ameaças mais graves[79].
Tal valoração pode mesmo ocorrer na análise da configuração do tipo, sendo exemplos desta abordagem a “determinação da ‘esfera de protecção da norma’, as cláusulas de ‘adequação social’, as situações de ‘risco permitido’ e de ‘diminuição de risco’, a eliminação do tipo de comportamentos socialmente insignificantes”[80]. Figueiredo Dias, entretanto, defende que o surgimento de uma quarta categoria na teoria do crime, a punibilidade, fundada na dignidade, abarcaria de forma mais segura os casos de criminalidade bagatelar[81].
Trata-se, na verdade, de juízo de desproporcionalidade entre a sanção penal e a conduta, segundo as angularidades do caso concreto[82]. A jurisprudência brasileira admite a insignificância como causa supralegal de exclusão da tipicidade, tendo o Supremo Tribunal Federal, no entanto, estabelecido que o seu reconhecimento depende do preenchimento dos seguintes requisitos: (a) mínima ofensividade da conduta do agente, (b) nenhuma periculosidade social da ação, (c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada[83].
Cuidando o tribunal do júri de crimes dolosos contra a vida, em especial de homicídios dolosos, resta afastada a possibilidade de insignificância, diante da extrema relevância do bem tutelado[84] e da danosidade da conduta. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal tem entendimento de que não é bagatelar a conduta revestida de violência contra a pessoa[85].
Desta feita, sob o viés da dignidade penal da conduta configuradora de crime doloso contra a vida, inviável a absolvição pelos jurados.
Apesar da ligação entre ambas, a dignidade penal não implica carência de tutela penal, havendo distinção entre merecer e necessitar de pena. A dignidade penal configura a legitimação negativa, exigindo-se para criminalização também a legitimação positiva, que depende da conclusão de que a tutela penal seja “adequada e necessária para a prevenção da danosidade social e não trará efeitos secundários desproporcionalmente lesivos”[86]. Em consonância com a subsidiariedade do Direito Penal, a criminalização fica sujeita à inexistência de outros meios menos gravosos e igualmente eficazes para proteção do bem jurídico. São juízos distintos, a dignidade se referindo à valoração de bens como essenciais e indicação de quais condutas os ameaçam ou ferem de forma intolerável, a necessidade se preocupando com a forma de protegê-los[87]. Havendo meio menos drástico de tutelar o bem, com a mesma eficácia, a sanção penal seria inconstitucional por não superar o filtro da proporcionalidade.
Não obstante haver uma “tendencial convergência” entre a dignidade e a necessidade, pois quanto mais relevante o bem e intolerável o ataque mais provável que a atuação do Direito Penal seja necessária, não há que se dispensar a verificação da suficiência de outros meios menos graves. Tal tema traz à baila a necessidade de adoção de metodologia mais objetiva possível, tocando questões de política criminal e empíricas[88].
A primeira dificuldade que se apresenta é que as conclusões acerca da necessidade da pena dependem de posicionamento acerca dos fins punição. Por certo, para afirmar que algo é necessário ou não, indispensável saber qual a sua finalidade. Não há consenso quanto ao ponto, nem no campo filosófico, nem no jurídico. As principais concepções se referem à retribuição, à prevenção geral e à prevenção especial[89].
Com Palma, pode-se concluir que isoladamente nenhuma das teorias dá “resposta satisfatória ao problema”, sendo certo que, atento à realidade da pena e à legitimidade do poder punitivo do Estado, deve-se reconhecer finalidades retributivas (não relacionadas à moralidade subjetiva, mas à necessidade para a finalidade preventiva, como o controle das emoções geradas pelo crime e a proteção contra o criminoso) e preventivas, estas em âmbito geral e especial, mas sempre limitadas pela culpa[90]. Tal inteligência se harmoniza com o Código Penal brasileiro, que dita que o juiz deverá estabelecer o montante de pena “necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime” (artigo 59, caput).
Os obstáculos persistem na imensa dificuldade de investigação e comparação entre as medidas disponíveis para tutelar os bens. Nessa seara, relevante mencionar a infinidade de variáveis a serem consideradas, impedindo experimentações controláveis do tipo laboratorial, e as diversas possibilidades de interpretação dos resultados obtidos, dificultando conclusões seguras acerca da necessidade e utilidade da pena[91].
A questão da sanção ainda se relaciona com a política criminal, sendo o Direito Penal o núcleo do “conjunto dos procedimentos pelos quais o corpo social organiza as respostas ao fenômeno criminal”[92]. Ocorre que não obstante a busca por objetividade e os limites constitucionais, resta margem de liberdade conferida ao legislador para definir a política criminal a vigorar, não se resumindo a um único programa possível[93].
Diante das combinações viáveis entre práticas penais (direito material, direito processual[94] e execução da pena) e não penais (repressivas e não-repressivas), para além do relevo de iniciativas não-estatais, são infindáveis as estratégias possíveis para enfrentar o crime dentro da moldura de constitucionalidade[95].
Tais escolhas são fortemente influenciadas pela ideologia daqueles que exercem o poder, se alterando conforme a necessidade de segurança é “apreciada, sentida, compreendida por meio de um ou outro valor considerado fundamental”[96], tendo reflexo nos movimentos inerentes ao universo da política criminal, seja dentro de um mesmo modelo, seja na passagem de um modelo a outro[97].
No caso da clemência, seria restrito o campo de análise da inconstitucionalidade, pois não trata de reconhecer a norma em abstrato como incompatível com a Constituição, mas identificar peculiaridade existente apenas naquele caso concreto que fizesse com que a aplicação ordinariamente constitucional da sanção se transmudasse em inconstitucional, mesmo diante da ampla margem política que envolve a questão da definição da pena.
Ocorre que, ao menos em relação a uma das funções da pena, a prevenção geral positiva, a decisão cabe ao legislador, não tendo o julgador no caso concreto legitimidade para decidir sobre os padrões éticos de merecimento, sob pena de confundir sua consciência ético-social com tais padrões[98]/[99].
Além disso, a análise do merecimento da pena pressupõe o prévio reconhecimento da dignidade penal da conduta, pois, conforme Figueiredo Dias, esta ainda integra a teoria do crime, enquanto aquela já se refere às consequências do delito. Em outras palavras, a possibilidade de afastamento da pena por desnecessária dependeria da identificação de circunstância que, não obstante a constatação da prática de conduta dolosa contra a vida, preenchidos os requisitos de tipicidade, ilicitude e culpabilidade, estando, ainda, evidenciada a dignidade penal do ato, levasse à conclusão de que a pena de prisão não seria proporcional, havendo alternativa menos drástica e tão eficaz quanto.
Ilustrativo, neste ponto, os institutos da dispensa de pena e suspensão da execução de pena existente no Direito Português. No primeiro, o legislador já previu em abstrato justamente a situação em que, não obstante a dignidade penal da conduta, não haveria necessidade da pena (artigo 74, CP). Trata-se da declaração de culpa sem imposição de pena. Para tanto, foram estabelecidos pressupostos cumulativos: pena máxima de 06 meses ou multa não superior a 120 dias; ilicitude do fato e culpa diminutos; reparação do dano e não oposição de razões de prevenção especial ou geral.
No segundo, a depender da personalidade do agente, das condições da sua vida, da sua conduta anterior e posterior ao crime e das circunstâncias deste, há suspensão da execução de pena de prisão não superior a 05 anos se o tribunal “concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição” (artigo 50 e seguintes do CP).
Apesar de não haver previsão do instituto da dispensa de pena ou semelhante na parte geral do Código Penal brasileiro, nem na especial no que se refere aos crimes dolosos contra a vida[100], razões de política criminal[101] embasaram o surgimento da suspensão condicional da pena (artigo 77 do Código Penal), onde, também dependente do preenchimento de condições legais, a pena de prisão fica suspensa, devendo o condenado cumprir sanções menos graves como a prestação de serviço.
Ressalte-se que, em tese, tal instituto tem aplicação inclusive quanto à crimes dolosos contra a vida, podendo incidir, por exemplo, na hipótese de homicídio privilegiado tentado ou aborto, quando a pena poderia ser fixada em montante igual ou inferior a 02 anos. Até as circunstâncias relacionadas à idade avançada ou saúde precária do condenado, usualmente invocadas em plenário para embasar a clemência por desnecessidade da pena, já foram devidamente consideradas pelo legislador, tendo como efeito a ampliação para 04 anos do limite máximo de pena apto a admitir o benefício.
Percebe-se, assim, que a desnecessidade de aplicação ou execução de sanção penal se relaciona apenas à criminalidade menos grave, o que, por certo, não se coaduna com os crimes dolosos contra a vida. Em relação a estes, o legislador brasileiro já estipulou, em consonância com as limitações constitucionais e dentro de reconhecida margem de liberdade de política criminal, as circunstâncias concretas que levariam, não ao afastamento da sanção penal, mas, à aplicação de penas menos severas do que a privação de liberdade, sem desconsiderar a incidência desta em caso de descumprimento das condições legais durante o prazo de suspensão.
Desta feita, não obstante os critérios de justiça que impõe ao julgador a análise da constitucionalidade da norma no caso concreto antes de aplicá-la[102], quanto aos crimes dolosos contra a vida, não há que se falar em reconhecimento da inconstitucionalidade da pena prevista por desnecessidade no caso concreto. Como visto, a elevada dignidade penal da conduta, a expressa manifestação legal por meio do instituto da suspensão condicional da pena e o amplo campo de opção política, cujo mérito não compete ao julgador, impedem que na prática surja caso de desproporcionalidade da pena.
Some-se a estes argumentos o fato de que não compete aos jurados leigos a análise da pena base cabível no caso concreto[103]. Conforme já asseverado, a carência da pena é atinente às consequências jurídicas do crime, não sendo englobada pela teoria do delito. Desta feita, mesmo que fosse possível o surgimento de hipótese em que a pena prevista se revelasse desproporcional no caso concreto, esta não levaria à absolvição, pois todos os elementos do crime estariam presentes, inviabilizando o seu reconhecimento no quesito genérico.
O réu deveria ser condenado e o magistrado, ao enfrentar o tema da fixação da reprimenda, deixaria de aplicar a pena privativa de liberdade pois em qualquer montante seria desnecessária.
A inviabilidade da concessão pelos jurados de clemência por desnecessidade de punição penal no caso concreto se mantém mesmo se a compreensão for no sentido de que se trata de causa supralegal de extinção da punibilidade e que estaria obstada a condenação[104]. Nesta hipótese, a análise continuaria inserida na esfera de competência do juiz togado, nos termos do artigo 497, IX, do Código de Processo Penal.
5. Conclusões
A clemência, em todas as formas analisadas no estudo, seja mera arbitrariedade, seja pretensamente calcada em compaixão ou desnecessidade da pena, é inconstitucional e não encontra esteio na legislação que cuida do Tribunal do Júri.
A soberania dos jurados não pode ser compreendida como garantia absoluta, mas seus contornos devem ser definidos em harmonia com o restante da Constituição, conforme já há muito assentou o Supremo Tribunal Federal[105], mantendo o entendimento até o presente[106]. A Constituição Federal não deve ser lida apenas como instrumento de limitação de poder, olvidando-se dos deveres de proteção inerentes ao Estado Democrático de Direito[107], seara em que o Direito Penal se revela, como visto, indispensável para cumprimento da missão constitucional. Nesta toada, o Direito Penal “não deverá ser visto como um inimigo da liberdade, mas como um garante da liberdade possível em sociedade”[108].
A soberania dos veredictos deve ser compreendida como proteção da competência do conselho de sentença, impedindo que suas decisões sejam revistas no que diz respeito à opção entre duas ou mais teses que encontrem respaldo no ordenamento e viabilidade no acervo probatório levado aos autos, exatamente como já reconhecido pela jurisprudência no que concerne a outras teses defensivas diversas da clemência[109].
A leitura possível da previsão constitucional do tribunal do júri como direito fundamental não transforma a soberania de seus veredictos em nefasta arbitrariedade, mas se traduz em garantia de respeito a seu juízo racional acerca das provas produzidas. O muitas vezes invocado senso de justiça dos iguais pode e deve ser exercitado sem que haja a necessidade de criação de aberrante absolvição lastreada apenas no poder irrestrito, tendo amplo espaço no que se refere à avaliação de fiabilidade e peso conferida a cada elemento de prova levado aos autos e sua suficiência para condenação.
Quais consequências tem esta conclusão na quesitação no plenário do Júri?
Diante da inconstitucionalidade da clemência como causa de absolvição, deve receber o mesmo tratamento que qualquer outra tese defensiva inválida (legítima defesa da honra ou preconceito racial contra a vítima, por exemplo), não podendo lastrear a elaboração de quesito, seja ele específico ou genérico, nos termos do disposto no artigo 482, parágrafo único, do Código de Processo Penal.
Em consequência, inexistindo qualquer tese defensiva (quando o réu e a defesa técnica admitem a prática do delito tal qual imputado pelo Ministério Público) ou se as teses de defesa se resumirem aquelas que são indagadas aos jurados nos quesitos que antecedem o quesito genérico (relativas à materialidade, autoria e desclassificação) e forem rechaçadas pelos jurados, o quesito genérico ficará prejudicado e não deverá ser submetido ao Conselho de Sentença, nos termos do artigo 490, parágrafo único, do Código de Processo Penal. Caso submetido, seguindo-se absolvição, deverá ser reconhecido ao Parquet e ao assistente da acusação o direito de recorrer, com lastro no disposto no artigo 593, inciso III, alínea “d”, do Código de Processo Penal, de modo a viabilizar que a Corte de 2º grau determine a realização de novo plenário.
Por fim, caso haja outra tese defensiva apta a embasar a elaboração do quesito genérico, seguindo-se resposta afirmativa e absolvição, na hipótese de apreciação de apelação sustentando manifesta contradição com a prova dos autos, a clemência não poderá servir para confirmar a decisão dos jurados, o que só poderá ocorrer se a Corte de 2º grau entender que a absolvição encontra abrigo em tese defensiva válida e com suporte probatório mínimo.
Não se pode conceber no Estado Democrático de Direito que o jurado tenha liberdade para decidir arbitrariamente e o veredicto seja sempre considerado correto e justo. É preciso adotar interpretação que confira sentido de responsabilidade ao julgador, limitando o poder e exigindo a razão possível no ato de decidir, em consonância com o reconhecimento da falibilidade humana. É a centralidade da pessoa no ordenamento jurídico que não permite a compreensão de que justamente quando a vida, o bem mais relevante, pressuposto de todos os demais, for criminosamente ceifada, haja o silêncio do Direito.
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[1] Nesse sentido, por exemplo, Guilherme de Souza Nucci, Tribunal do júri, 6. ed. rev. atual. e ampl., Rio de Janeiro: Forense, 2015, pp. 296-303; Damásio de Jesus, Código de Processo Penal anotado, 25ed., São Paulo: Saraiva, 2012, pp. 446-459; Andrey Borges de Mendonça, Nova reforma do Código de Processo Penal, comentada artigo por artigo, 2ª ed. rev. atual. e ampl, São Paulo: Ed. Método, 2009, pp. 110-114; Aury Lopes Jr.; Direito processual penal, 11ª ed., São Paulo: Saraiva, 2014, pp. 766-771; Paulo Rangel, Direito processual penal, 23ª ed., São Paulo: Atlas, 2015, pp. 697-702.
[2] http://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/clem%C3%AAncia/ «acesso em 09/01/2018».
[3] Cezar Roberto Bitencourt, Tratado de direito penal: parte geral, volume 1, 17ª ed. rev., ampl. e atual. de acordo com a Lei n. 12.550, de 2011. – São Paulo: Saraiva, 2012, p. 20.
[4] Rogerio Greco, Código Penal Comentado, 5ª ed., Niterói: Impetus, 2011, pp. 234-235. Em Portugal, cf. Mariana Canotilho e Ana Luíza Pinto, As medidas de clemência na ordem jurídica portuguesa, separata de estudos em memória do Conselheiro Luís Nunes de Almeida, Coimbra: Coimbra Editora, 2007.
[5] Tribunal do júri, 6ª ed. rev. atual. e ampl., Rio de Janeiro: Forense, 2015, pp. 300-301.
[6] Anote-se, sobre o tema, os acórdãos do STJ (Resp 1050816/SP) e STF (HC 71878) que ilustram a atual posição jurisprudencial dominante acerca da possibilidade de impugnação da condenação após o trânsito em julgado por revisão criminal, que tem natureza jurídica de ação autônoma (artigo 621 e seguintes do Código de Processo Penal).
[7] Nesse sentido, os doutrinadores já mencionados na nota nº1, supra.
[8] Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português – Parte Geral II – As consequências jurídicas do crime, 1ª edição, Lisboa: Editorial Notícias, 1993, p. 690.
[9] Américo Alexandrino Taipa de Carvalho, “História do direito da clemência” in Estudos dedicados ao Prof. Doutor Mário Júlio de Almeida Costa, Lisboa, 2002, pp. 111-146.
[10] Jorge de Figueiredo Dias. Direito Penal Português – Parte Geral II – As consequências jurídicas do crime, 1ª edição, Lisboa: Editorial Notícias, 1993, p. 690.
[11] J.J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e teoria da constituição, 7ª ed. 19 reimp., Coimbra: Almedina, 2003, p. 246.
[12] Paulo Otero, Instituições políticas e constitucionais, volume I, 3ª reimpressão da edição de setembro de 2007, Coimbra: Almedina, 2017, pp. 486-487.
[13] José Carlos Vieira de Andrade, Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 5 ed., Coimbra: Almedina, 2017, p.263.
[14] Nesse sentido, ilustrativo o dispositivo contido na Constituição Portuguesa ditando que a “lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos” (artigo 18, 2).
[15] Direito Penal e Constituição: a face oculta da proteção dos direitos fundamentais, Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009, p. 19.
[16] Maria Fernanda Palma, Direito Constitucional Penal, Coimbra: Almedina, 2006, p. 18.
[17] Sobre a crise do princípio da necessidade da pena causada pela expansão do Direito Penal ver Maria Fernanda Palma, “O argumento criminológico e o princípio da necessidade da pena no juízo de constitucionalidade” in Revista Julgar, n 29, (maio-agosto 2016), Editora Almedina, pp. 105-118.
[18] ADPF 779, Relator Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em 01-08-2023, divulgado em 05-10-2023, publicado em 06-10-2023.
[19] Fernando Sánchez Lázaro, “Sobre la irracionalidade de las intuiciones punitivas: hacia unos mayores márgenes de racionalidade decisória” in Maria Fernanda Palma et al.(coord.), Emoções e Crime: filosofia, ciência, arte e direito penal, Coimbra: Almedina, 2013, p. 55.
[20] Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Direitos fundamentais, Tomo IV, 6ªed., Coimbra: Coimbra Editora, 2015, pp. 365-376.
[21] Arthur Kaufmann, Filosofia do Direito, 5ª ed., Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2014, pp. 281-288.
[22] Sentencia de la Corte IDH en el caso VRP, VPC y otros vs. Nicaragua, de 08/03/2018, disponível em https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_350_esp.pdf.
[23] Apud António Castanheira Neves, Questão de facto questão de direito ou o problema metodológico da juridicidade: ensaio de uma reposição crítica, Coimbra: Almedina, 1967, p. 60.
[24] Relembre-se que os quesitos são individuais e separados para cada um dos réus.
[25] Sobre o tema, Jose de Sousa e Brito aponta as dificuldades de conciliar manifestações de clemência estatal, no caso anistia e indulto, com os princípios da igualdade e da divisão de poderes. Salienta que a benesse deve ser pautada pela racionalidade e ter lugar apenas quando, na busca da defesa da comunidade, não dos interesses individuais do réu, se mostrar mais útil que a punição (“Sobre a Amnistia” in Revista Jurídica, nº06, abril/junho 1986, pp. 15-47). O referido autor traz à baila as lições de Beccaria, para quem “a clemência é virtude do legislador e não do executor das leis”, devendo resplandecer no Código e não nos julgamentos particulares, sob pena de os réus, iludidos com a possibilidade de perdão arbitrário, se este não for concedido, considerarem a condenação um abuso da força ao invés de emanação da justiça (Cesare Beccaria, Dos delitos e das penas, 2ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, pp. 136-137).
[26] Sobre a reserva de lei como reserva de densificação normativa, não obstante no âmbito do Direito Administrativo, com fundamentos que podem ser adaptados e aplicados na seara penal, vide Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, Direito administrativo geral: introdução e princípios fundamentais, Tomo I, 2º ed., Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2006, pp. 174-175.
[27] Sobre a utilização da proporcionalidade para encontrar o ponto de equilíbrio entre os deveres de proteção e as liberdades ver Ingo Wolfgang Sarlet, “Constituição e proporcionalidade: o direito penal e os direitos fundamentais entre proibição de excesso e de insuficiência” in Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 47, mar.-abr. 2004, São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 60-122.
[28] Douglas Fischer, “O que é garantismo (penal) integral?” in Bruno Calabrich et al. (orgs.), Garantismo Penal Integral: questões penais e processuais, criminalidade moderna e aplicação do modelo garantista no Brasil, São Paulo: Ed. Atlas, 2015, pp. 39-49.
[29] Luciano Feldens, A Constituição Penal, a dupla face da proporcionalidade no controle de normas penais, Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2005, pp. 23 e 75.
[30] Segundo a abordagem econômica do crime, o poder de dissuasão da lei penal é reduzido quando se torna incerta a efetiva punição pela prática do delito. Nesse sentido, Gary S. Becker, “Crime and Punishment: an economic approach” in Gary S. Becker and William M. Landes, Essays in the Economics of Crime and Punishment, Cambridge: National Bureau of Economic Research, 1974, pp. 1-54, disponível em http://www.nber.org/chapters/c3625.pdf «acesso em 21/02/2018».
[31] Ressalte-se que o STF tem entendimento no sentido de que a disposição constitucional de vedação de graça abarca o indulto. Nesse sentido, por ex., HC 118213, Relator Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgado em 06/05/2014, publicado em 04/08/2014.
[32] Promulgados pelos decretos presidenciais nº 5.015/2004, 154/1991, 5.017/2004 e 5.687/2006, respectivamente.
[33] Promulgado pelo decreto presidencial nº 678/1992.
[34] No mesmo sentido, dentre outros, caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) Vs. Brasil e Caso Gelman Vs. Uruguai.
[35] Antonio Suxberger. “O recurso contra decisão do tribunal do júri em face do bloco de constitucionalidade: O tema 1.087 da repercussão geral do STF perante a Corte IDH e os ODS 2030” in Coord. Rocha, Manoel Ilson Cordeiro et al; Direito internacional dos direitos humanos I, Florianópolis: CONPEDI, 2023, p. 55.
[36] Idem, p. 56.
[37] Caso Ivcher Bronstein Vs Peru, sentença de 6 de fevereiro de 2011, serie C, nº 74, parágrafo 186; Caso del Tribunal Constitucional, sentença de 31 de janeiro de 2001, serie C, nº71, parágrafo 123; Caso Bámaca Velásquez Vs. Guatemala, sentença de 25 de novembro de 2000, serie C, nº 70, parágrafo 211.
[38] Américo Alexandrino Taipa de Carvalho. “História do direito de clemência” in Estudos dedicados ao prof. Dr. Mário Júlio Brito de Almeida Costa, 1ª edição, Lisboa: Universidade Católica Portuguesa, 2002, p.145.
[39] Nesse sentido, por exemplo, RHC 229558 AgR, Relator Min. Nunes Marques, Relator p/ Acórdão Min. Edson Fachin, Segunda Turma, julgado em 21-11-2023, divulgado em 16-02-2024, publicado em 19-02-2024.
[40] ADPF 964, Relatora Min. Rosa Weber, Tribunal Pleno, julgado em 10-05-2023, publicado em 17-08-2023.
[41] Immanuel Kant, A metafísica dos Costumes, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004, p. 43.
[42] João Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao discurso legitimador, Coimbra: Almedina, 2002, p. 33.
[43] Arthur Kaufmann, Filosofia do Direito, 5ª edição, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2014, pp.226-227.
[44] João Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao discurso legitimador, Coimbra: Almedina, 2002, p. 35.
[45] Hannah Arendt, A condição humana, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, pp. 248-255.
[46] Paul Ricouer, A memória, a história, o esquecimento, Campinas: Editora da Unicamp, 2007, p. 465.
[47] Paul Ricouer, A memória, a história, o esquecimento, Campinas: Editora da Unicamp, 2007, p. 476.
[48] Hannah Arendt, A condição humana, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, pp. 248-255.
[49] Immanuel Kant, A metafísica dos Costumes, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004, p. 218.
[50] Jacques Derrida, Pardonner: L’impardonnable et l’imprescritible, Paris: Galilée, 2012, pp. 31-37.
[51] Paul Ricouer, A memória, a história, o esquecimento, Campinas: Editora da Unicamp, 2007, p.480.
[52] A imputação falsa de fato definido como crime configura o delito tipificado no artigo 138 do Código Penal brasileiro. A prova da verdade da imputação, no entanto, não é admitida quando “se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi absolvido por sentença irrecorrível” (§3º, inciso III).
[53] Jorge de Figueiredo Dias e Manuel da Costa Andrade, no contexto da criminologia, expõem a teoria psico-sociológica que trata do crime praticado por sentimento de injustiça, onde, ao ser negada a justiça, a vítima se transforma em delinquente (Criminologia: o homem delinquente e a sociedade criminógena, Coimbra: Coimbra Editora, 1984, pp. 233-235).
[54] Nesse sentido, HC 350.895/RJ, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, relator para acórdão Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 14/03/2017, publicado em 17/05/2017. Nesta decisão, o Superior Tribunal de Justiça, a quem cabe a uniformização da interpretação das leis federais, reconheceu, por maioria, a viabilidade de absolvição por clemência no tribunal do júri, admitindo, no entanto, a possibilidade de anulação do julgamento se a absolvição for manifestamente contrária à prova dos autos e não houver “lastro fático mínimo” a embasar clemência concedida pelos jurados. Note-se, no entanto, que o referido tribunal nada menciona acerca de eventual desnecessidade da pena ou compaixão, restringe-se a admitir a clemência desde que haja “elemento fático que autorize a sua concessão”. Em voto divergente, o Min. Nefi Cordeiro asseverou que “O que se chama de clemência, na verdade, é o simples impedimento a um segundo julgamento pelo júri. Não existe clemência no direito, não existe clemência a juiz togado, nem a qualquer julgamento popular ou por juiz que não precise externar a motivação, seja no júri, seja no conselho de sentença da justiça militar.”. Também admitindo a clemência como causa de absolvição, mas exigindo que ela não esteja “dissociada de qualquer elemento de prova”, o HC 443.089/RJ, Relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 19/06/2018, publicado em 28/06/2018. No mesmo sentido, o HC 313.251/RJ, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Terceira Seção, julgado em 28/02/2018, DJe 27/03/2018 e o AgRg no AgRg no AREsp 1026920/DF, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 13/11/2018, DJe 30/11/2018.
[55] “A Neurobiologia da Ética: sob o signo de Espinosa” in Ordem dos Advogados, Conferências de S. Domingos, O cérebro entre o bem e o mal – o Corpo / Alma, AO 29 Especial (suplemento), nov-dez 2003, pp. 31-39.
[56] Ibidem, p. 32.
[57] Ibidem, p. 34.
[58] Nesse sentido, Jorge de Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, artigos 131º a 201º, Coimbra: Coimbra Editora, 1999, p. 48.
[59] Sobre o papel das emoções na análise da responsabilização penal, vide Maria Fernanda Palma, “Modelos de relevância das emoções no Direito Penal e sua relação com diferentes perspectivas filosóficas e científicas” in Maria Fernanda Palma et al. (coord.), Emoções e crime: filosofia, ciência, arte e direito penal, Coimbra: Almedina, 2013, pp. 113-127.
[60] Guilherme de Souza Nucci, Individualização da Pena, 6ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2014, pp. 232-233. O autor ainda esclarece que o relevante valor moral pode, residualmente, configurar circunstância atenuante genérica (art. 65, III, “a”, do CP) quando o agente não estiver impelido, dominado, por ele, mas apenas motivado.
[61] Nesse sentido João Curado Neves, “As emoções no sistema exculpatório do Código Penal Português” in Maria Fernanda Palma et al. (coord.), Emoções e crime: filosofia, ciência, arte e direito penal, Coimbra: Almedina, 2013, pp. 169-181. O autor apresenta pertinente exemplo em que filho condoído com o sofrimento do pai que vivencia estado terminal de doença o mata, contra a vontade expressa do genitor de continuar vivendo e lutando contra o mal que lhe acometeu. Não obstante ser possível reconhecer o compartilhar da dor do outro como motivo do delito, não há qualquer redução na culpa do homicida. Para Maria do Céu Rueff, situação diversa ocorre na eutanásia, onde a compaixão em harmonia com o reconhecimento da autodeterminação do indivíduo justificariam o ato médico de reduzir o sofrimento do paciente, mesmo que para tal a vida deste fosse abreviada (“Leges Artis, fim de vida, compaixão, direito penal” in Maria Fernanda Palma et al. (coord.), Emoções e crime: filosofia, ciência, arte e direito penal, Coimbra: Almedina, 2013, pp. 183-201.
[62] Maria Fernanda Palma, O princípio da desculpa em Direito Penal, Coimbra: Almedina, 2005, p. 220.
[63] A doutrina aponta algumas hipóteses de perdão judicial que nada tem a ver com compaixão, mas calcadas em outras razões, como a pequena ofensividade da conduta ou ausência de dignidade penal (ex. artigo 176, parágrafo único, CP) ou opção de política criminal vinculada à utilidade da medida (ex. colaboração premiada, art. 1º, §1º, da Lei nº 12.850/13. (Elencando hipóteses de perdão judicial, Rogério Sanches Cunha, Manual de Direito Penal, Parte Geral (arts. 1º ao 120), 3ª ed., Salvador: Jus Podivm, 2015, pp. 329-331).
[64] Sobre o tema, ver Michele Taruffo, Simplemente la verdade. El juez y la construcción de los hechos, Madri: Marcial Pons, 2010, p. 38 e ss.
[65] No tópico, importante anotar que a jurisprudência adota um critério adicional para a concessão do perdão no caso de homicídio culposo, exigindo, além do extremo sofrimento do autor, o prévio vínculo afetivo entre este e a vítima. Nesse sentido, por exemplo, no Superior Tribunal de Justiça, o REsp 1444699/RS, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 01/06/2017, publicado em 09/06/2017.
[66] Martha C. Nussbaum, Upheavals of thought: the intelligence of emotions, Cambridge: Cambridge University Press, 2001, p. 441.
[67] Martha C. Nussbaum, Hiding from humanity: disgust, shame, and the law, Princeton: Princeton University Press, 2004, p. 49.
[68] Martha C. Nussbaum, Upheavals of thought: the intelligence of emotions, Cambridge: Cambridge University Press, 2001, pp. 304-327.
[69] Martha C. Nussbaum, Hiding from humanity: disgust, shame, and the law, Princeton: Princeton University Press, 2004, p. 49.
[70] Martha C. Nussbaum, Upheavals of thought: the intelligence of emotions, Cambridge: Cambridge University Press, 2001, pp. 445 e 447.
[71] “A Neurobiologia da Ética: sob o signo de Espinosa” in Ordem dos Advogados, Conferências de S. Domingos, O cérebro entre o bem e o mal – o Corpo / Alma, AO 29 Especial (suplemento), nov-dez 2003, pp. 37-38.
[72] Nesse sentido, HC 116254, Relatora Min. Rosa Weber, Primeira Turma, julgado em 25/06/2013, publicado em 14/08/2013.
[73] Nesse sentido, por exemplo, HC 359.018/RS, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 27/09/2016, publicado em 10/10/2016.
[74] Art. 497. São atribuições do juiz presidente do Tribunal do Júri, além de outras expressamente referidas neste Código: (…) IX – decidir, de ofício, ouvidos o Ministério Público e a defesa, ou a requerimento de qualquer destes, a arguição de extinção de punibilidade.”
[75] Maria Fernanda Palma, “O argumento criminológico e o princípio da necessidade da pena no juízo de constitucionalidade” in Revista Julgar, n 29, (maio-agosto 2016), Editora Almedina, p. 106.
[76] Manuel da Costa Andrade, “A “dignidade penal” e a “carência de tutela penal” como referência de uma doutrina teleológico-racional do crime” in Revista Portuguesa de Ciências Criminais, ano 2, 2º, abril-junho de 1992, p. 175.
[77] Para ampla e profunda exposição acerca dos diversos posicionamentos doutrinários vide Frederico de Lacerda da Costa Pinto, A categoria da punibilidade na teoria do crime, Tomos I e II, Coimbra: Almedina, 2013. Na obra, o autor defende que a punibilidade terá incidência difusa nas demais categorias, mas tem autonomia apta a dar azo ao surgimento de um quarto degrau na teoria do crime.
[78] Manuel da Costa Andrade, “A “dignidade penal” e a “carência de tutela penal” como referência de uma doutrina teleológico-racional do crime” in Revista Portuguesa de Ciências Criminais, ano 2, 2º, abril-junho de 1992, p. 184.
[79] Maria da Conceição Ferreira da Cunha, Constituição e Crime – uma perspectiva da criminalização e da descriminalização, Porto: editora da UCP, 1995, p. 217.
[80] Frederico de Lacerda da Costa Pinto, A categoria da punibilidade na teoria do crime, Tomos I e II, Coimbra: Almedina, 2013, pp. 987-988.
[81] Jorge de Figueiredo Dias, “Sobre o estado actual da doutrina do crime” in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 2, fasc. 1, janeiro-março 1992, p. 40.
[82] Nesse sentido, Luciano Feldens, A Constituição Penal: a dupla face da proporcionalidade no controle das normas penais, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, pp. 191-194.
[83] HC 84412, Relator Min. Celso de Mello, Segunda Turma, julgado em 19/10/2004, DJ 19/11/2004.
[84] A centralidade da vida humana no ordenamento jurídico permite a conclusão defendida no texto independentemente do conceito material de crime adotado, seja buscando a legitimação do Direito Penal na proteção de direitos subjetivos, de cariz liberal-contratualista (Feuerbach) ou de bens jurídicos, tendo como referência a estrutura estatal, a comunidade e seus valores (Birnbaum). Sobre o tema, vide Maria Fernanda Palma, Direito Penal – Conceito material de crime, princípios e fundamentos, Teoria da lei penal: interpretação, aplicação no tempo, no espaço e quanto às pessoas, Lisboa: AAFDL, 2017, pp. 35-49.
[85] HC 110952, Relator Min. Ayres Britto, Segunda Turma, julgado em 13/03/2012, DJ 16/04/2012.
[86] Manuel da Costa Andrade, “A “dignidade penal” e a “carência de tutela penal” como referência de uma doutrina teleológico-racional do crime” in RevistaPortuguesa de Ciências Criminais, ano 2, fasc. 2, abril-junho de 1992, pp. 173-205.
[87] Maria da Conceição Ferreira da Cunha, Constituição e Crime – uma perspectiva da criminalização e da descriminalização, Porto: editora da UCP, 1995, pp. 220-221.
[88] Maria Fernanda Palma, “O argumento criminológico e o princípio da necessidade da pena no juízo de constitucionalidade” in Revista Julgar, n 29, maio-agosto 2016, p. 108.
[89] Sobre as diversas teorias vide Heiko H. Lesch, La función de la pena, Madri: Dykinson, 1999.
[90] Maria Fernanda Palma, Direito Penal – Conceito material de crime, princípios e fundamentos, Teoria da lei penal: interpretação, aplicação no tempo, no espaço e quanto às pessoas, Lisboa: AAFDL, 2017, pp. 57-60.
[91] Maria da Conceição Ferreira da Cunha, Constituição e Crime – uma perspectiva da criminalização e da descriminalização, Porto: editora da UCP, 1995, pp. 252-263.
[92] Mireille Delmas-Marty, Os grandes sistemas de política criminal, Barueri: Manole, 2004, pp. 03-04.
[93] Maria Fernanda Palma, Direito Penal – Conceito material de crime, princípios e fundamentos, Teoria da lei penal: interpretação, aplicação no tempo, no espaço e quanto às pessoas, Lisboa: AAFDL, 2017, pp. 60-66.
[94] Sobre o tema, vide Fernando Fernandes, O processo penal como instrumento de política criminal, Coimbra: Almedina, 2001, pp. 25-77.
[95] Nesse sentido, ao tratar de opções de política criminal relacionadas à consenso e oportunidade, Manoel da Costa Andrade, sem descartar a possibilidade de reconhecimento em concreto da desnecessidade da pena, assevera que compete exclusivamente ao legislador penal a competência para definir o programa político-criminal a ser levado à prática. Assim, dificilmente “um princípio geral de oportunidade — que representaria a sobreposição de um programa político-criminal apócrifo e afrontaria o princípio constitucional da divisão de poderes — poderia encontrar legitimação à luz da nossa tradição jurídico-constitucional.” (“Consenso e oportunidade (reflexões a propósito da suspensão provisória do processo e do processo sumaríssimo” in Jornadas de Direito Processual Penal – O novo Código de Processo Penal, Coimbra. Almedina, 1989, pp. 319-358).
[96] Mireille Delmas-Marty, Os grandes sistemas de política criminal, Barueri: Manole, 2004, pp. 44-45.
[97] Mireille Delmas-Marty, Os grandes sistemas de política criminal, Barueri: Manole, 2004, pp. 326-404.
[98] Maria Fernanda Palma, “As alterações reformadoras da Parte Geral na revisão de 1995: desmantelamento, reforço e paralisia da sociedade punitiva” in Maria Fernanda Palma e Teresa Pizarro Beleza (orgs.), Jornadas sobre a revisão do Código Penal, Lisboa: AAFDL, 1998, p. 45.
[99] Nesse sentido, equivocado o entendimento de Carol S. Steiker de que a clemência, mesmo que arbitrária, possa ser legitimamente utilizada para combater o que chama de excesso de criminalização e de encarceramento. Por certo, não cabe ao jurado eleger qual seria a melhor política criminal aplicável ao caso sob julgamento (“Criminalization and the Criminal process: prudential mercy as a limit on penal sanctions in an era of mass incarceration” in RA Duff, Lindsay Farmer et al. (editores), Boundaries of the criminal law, Nova Iorque: Oxford University Press, 2010, pp. 27-58).
[100] Na parte especial podem ser encontradas algumas hipóteses de isenção de pena que ostentam a mesma fundamentação da dispensa de pena portuguesa.
[101] Guilherme de Souza Nucci, Manual de Direito Penal, 10ª ed. rev., atual. e ampl., Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 428.
[102] Sobre a relevância do “princípio de que nenhuma lei inconstitucional deve ser aplicada pelo julgador”, vide Maria Fernanda Palma, “Constitucionalidade e Justiça: novos desafios para a justiça constitucional” in Themis – Revista da Faculdade de Direito da UNL, ano I, nº 1, 2000, pp. 21-31.
[103] Conforme o artigo 492, inciso I, “a”, do Código de Processo Penal. Nesse sentido, a jurisprudência do STF, ex. HC 108146, Relator Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 05/06/2012, publicado em 25/06/2012.
[104] Parte da doutrina nacional e a jurisprudência do STJ (súmula 18), ao analisar o perdão judicial, diante de sua natureza de causa extintiva de punibilidade, entendem que a sentença não seria nem absolutória, nem condenatória, mas declaratória de extinção da punibilidade. Sobre o tema, Guilherme de Souza Nucci, Manual de Direito Penal, 10ª ed. rev., atual. e ampl., Rio de Janeiro: Forense, 2014, pp. 483-484. Ressalte-se que o referido autor discorda de tal compreensão e advoga que a sentença concessiva de perdão judicial tem natureza condenatória.
[105] “A soberania dos veredictos do júri – não obstante a sua extração constitucional – ostenta valor meramente relativo, pois as manifestações decisórias emanadas do Conselho de Sentença não se revestem de intangibilidade jurídico-processual. A competência do Tribunal do Júri, embora definida no texto da Lei Fundamental da República, não confere a esse órgão especial da Justiça comum o exercício de um poder incontrastável e ilimitado. As decisões que dele emanam expõem-se, em conseqüência, ao controle recursal do próprio Poder Judiciário, a cujos Tribunais compete pronunciar-se sobre a regularidade dos veredictos. A apelabilidade das decisões emanadas do júri, nas hipóteses de conflito evidente com a prova dos autos, não ofende o postulado constitucional que assegura a soberania dos veredictos desse Tribunal Popular.” (HC 68658, rel. Min. Celso de Mello, DJ 26.06.1992)
[106] Nesse sentido, por exemplo, o HC 142621 AgR, Relator Min. Alexandre de Moraes, Primeira Turma, julgado em 15/09/2017, processo eletrônico DJE-222, divulgado em 28/09/2017, publicado em 29/09/2017, e ADPF 779, Relator Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em 01-08-2023, divulgado em 05-10-2023, publicado em 06-10-2023.)
[107] Luciano Feldens, A Constituição Penal, a dupla face da proporcionalidade no controle de normas penais, Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2005, p. 22.
[108] Maria da Conceição Ferreira da Cunha, Constituição e Crime – uma perspectiva da criminalização e da descriminalização, Porto: Editora da UCP, 1995, p. 273.
[109] Nesse sentido, por exemplo, o acórdão do Supremo Tribunal Federal HC 118770, relator: Min. Marco Aurélio, relator para acórdão Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, julgado em 07/03/2017, processo eletrônico DJE-08, divulgado em 20/04/2017, publicado em 24/04/2017.