Em regra, a pena do crime de lesão corporal é perseguida mediante ação penal pública incondicionada. Excepcionalmente, porém, no caso da lesão dolosa de natureza leve (art. 129, caput, do Código Penal)Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: Pena - detenção, de três meses a um ano. e culposa (§ 6º)§ 6° Se a lesão é culposa: Pena - detenção, de dois meses a um ano., o oferecimento da ação penal dependerá de representação da vítima ou de seu representante legal (art. 88 da Lei 9.099/95)Art. 88. Além das hipóteses do Código Penal e da legislação especial, dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas..
No caso de violência doméstica e familiar, a entrada em vigor da Lei nº 11.340/06 veio acompanhada da divergência a respeito da natureza da ação penal. Para Fernando Célio de Brito Nogueirahttps://jus.com.br/artigos/8821/notas-e-reflexoes-sobre-a-lei-n-11-340-2006-que-visa-coibir-a-violencia-domestica-e-familiar-contra-a-mulher, por exemplo, “Condicionar a persecução penal à manifestação de vontade da vítima é medida de política criminal inerente à tradição de nosso processo penal e que por vezes servirá para resguardar valores que não podem ser esquecidos no âmbito da família, como a busca de harmonia no lar e de superação efetiva de situações em que houve violência em qualquer de suas formas. Trata-se de permitir à vítima que exerça a faculdade de colocar ‘pá de cal’ em determinados casos em que a continuidade da persecução criminal serviria apenas para conturbar ainda mais o ambiente doméstico e atrapalhar eventuais propósitos de reconciliação. Entender de forma diversa, tendo tais infrações penais como de ação penal pública incondicionada, iria de encontro a tais propósitos e na contramão das tendências de nosso processo penal. Não é isso o que quis a lei. Se o legislador pretendesse abolir a representação nos casos em que a lei prevê referida condição de procedibilidade, o teria feito expressamente e não teria trazido a previsão contida no art. 16 da lei”.
O STJHC 110965/RS, 5.ª T., rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJE 03/11/2009 vinha decidindo nesse sentido: “Habeas corpus. Processo penal. Crime de lesão corporal leve. Lei Maria da Penha. Natureza da ação penal. Representação da vítima. Necessidade. Ordem concedida. 1. A Lei Maria da Penha é compatível com o instituto da representação, peculiar às ações penais públicas condicionadas e, dessa forma, a não aplicação da Lei 9.099, prevista no art. 41 daquela lei, refere-se aos institutos despenalizadores nesta previstos, como a composição civil, a transação penal e a suspensão condicional do processo”.
Corrente contrária defendia que, a partir da nova lei, a ação penal nos crimes praticados contra a mulher tornou-se pública incondicionada, não mais reclamando a prévia representação da ofendida, especialmente em virtude do disposto no art. 41 do estatuto novel, que afastou, expressamente, a incidência da Lei 9.099/95, “aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher”.
O STF, em sede de controle concentrado de constitucionalidade (ADI 4424), pacificou a questão, reconhecendo que o art. 41 da Lei 11.340/06 não viola a Carta Maior e decidindo que a ação penal nos crimes de lesão corporal dolosa (mesmo que de natureza leve) cometido contra a mulher no ambiente doméstico e familiar é pública incondicionada, dispensando, portanto, o pedido-autorização da ofendida. Na esteira, o STJ editou a súmula 542: “A ação penal relativa ao crime de lesão corporal resultante de violência doméstica contra a mulher é pública incondicionada”.
Não obstante o STJ já tivesse adequado sua orientação à adotada pelo STF – tanto que editou a súmula nº 542 –, recentemente aprovou, por meio da Petição nº 11.805, revisão de tese firmada em recurso repetitivo para consolidar, de uma vez por todas, que é incondicionada a ação penal nos crimes de lesão corporal cometidos contra a mulher no âmbito doméstico e familiar.
É certo que o entendimento anterior já não vinha mais sendo aplicado pelo tribunal, que seguia a conclusão de sua própria súmula, mas a revisão da tese tem efeitos relevantes no trâmite dos recursos repetitivos, pois o art. 927, inciso III, do Código de Processo CivilArt. 927. Os juízes e os tribunais observarão: (...) III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; estabelece que os juízes e tribunais observarão os acórdãos em resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos. O mesmo dispõe o art. 121-A do Regimento Interno do STJ.
Além disso, a tese firmada tem efeitos diretos sobre a admissibilidade dos recursos para os tribunais superiores, pois, como dispõe o art. 1.030, inciso I, alínea b, do CPC, deve ser negado seguimento “a recurso extraordinário ou a recurso especial interposto contra acórdão que esteja em conformidade com entendimento do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, respectivamente, exarado no regime de julgamento de recursos repetitivos”.
Para o tribunal, a revisão da tese era imprescindível por questões de segurança jurídica, de proteção da confiança e de isonomia: “deve ser revisto o entendimento firmado pelo julgamento, sob o rito dos repetitivos, do REsp n. 1.097.042/DF, cuja quaestio iuris, acerca da natureza da ação penal nos crimes de lesão corporal cometidos contra a mulher no âmbito doméstico e familiar, foi apreciada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal em sentido oposto, já incorporado à jurisprudência mais recente deste STJ”.
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