Informativo: 612 do STJ – Processo Penal
Resumo: A homologação de acordo de colaboração premiada por juiz de primeiro grau de jurisdição, que mencione autoridade com prerrogativa de foro no STJ, não traduz em usurpação de competência desta Corte Superior.
Ocorrendo a descoberta fortuita de indícios do envolvimento de pessoa com prerrogativa de foro, os autos devem ser encaminhados imediatamente ao foro prevalente, definido segundo o art. 78, III, do CPP Art. 78. Na determinação da competência por conexão ou continência, serão observadas as seguintes regras: (...) III - no concurso de jurisdições de diversas categorias, predominará a de maior graduação; , o qual é o único competente para resolver sobre a existência de conexão ou continência e acerca da conveniência do desmembramento do processo.
Comentários:
O art. 4º da Lei 12.850/13 estabelece a possibilidade de o juiz conceder o perdão judicial, reduzir em até dois terços a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais daqueles efeitos descritos nos incisos I a VArt. 4º O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados: I - a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas; II - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa; III - a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa; IV - a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa; V - a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada..
O procedimento de colaboração é regido por dezesseis parágrafos que estabelecem os requisitos e a forma a serem observados. Um dos requisitos é a homologação judicial, que se dá na forma do § 7º, segundo o qual “Realizado o acordo na forma do § 6o§ 6º O juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração, que ocorrerá entre o delegado de polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor., o respectivo termo, acompanhado das declarações do colaborador e de cópia da investigação, será remetido ao juiz para homologação, o qual deverá verificar sua regularidade, legalidade e voluntariedade, podendo para este fim, sigilosamente, ouvir o colaborador, na presença de seu defensor”.
Pois bem, no mais das vezes, esses acordos são elaborados e homologados em primeira instância, envolvendo investigados sem foro por prerrogativa de função. Isso não quer dizer, obviamente, que a medida está restrita aos juízos de primeira instância, pois plenamente possível que um acordo de colaboração seja homologado diretamente no âmbito dos tribunais de justiça, regionais federais ou superiores, quando competentes para julgar autoridades com foro por prerrogativa. Noticiou-se amplamente, por exemplo, a colaboração premiada feita por Joesley Batista, elaborada pela Procuradoria Geral da República e homologada pelo Supremo Tribunal Federal porque envolvia parlamentares federais.
Não se descarta, contudo, que investigados sem foro especial eventualmente mencionem coautores ou partícipes dotados da prerrogativa. Se esses agentes são mencionados, é evidente que a referência deve integrar os termos do acordo, pois a omissão de informações relevantes a respeito das circunstâncias da prática do crime pode levar à rescisão do acordo eventualmente homologado, como já tivemos a oportunidade de destacar em artigo a respeito da colaboração efetuada por Joesley Batista.
Nesse caso, em que a autoridade revestida da prerrogativa de ser julgada em foro específico é citada em colaboração efetuada em primeira instância, há irregularidade na homologação promovida pelo juiz?
Segundo decidiu a Corte Especial do STJ no julgamento da Reclamação 31.629/PR, não, porque se trata de um encontro fortuito de provas, que não poderia ser previsto antes que a colaboração fosse levada a cabo.
Com efeito, a situação em que o agente está relatando todas as circunstâncias de determinados fatos delituosos cometidos no âmbito de uma organização criminosa pode levar à descoberta de inúmeras provas sobre as quais, inicialmente, não havia sequer suposição e dentre as quais pode estar a menção do nome de alguém com prerrogativa de foro. Esta situação não se confunde com aquela em que um dos componentes do grupo criminoso procura a autoridade incumbida de investigação para delatar a autoridade com prerrogativa.
Enquanto nesta última situação a colaboração seria considerada ilegal, na primeira não há ilegalidade porque se aplica a teoria do juízo aparente, segundo a qual não se pode acoimar de ilegal um ato que, no momento em que praticado, não se revelava contrário ao ordenamento jurídico. É o que ocorre, por exemplo, com interceptações telefônicas determinadas por juiz incompetente porque, no momento em que a investigação se inicia, não é possível saber com exatidão quem é competente para determinar a diligência. O mesmo se dá na elaboração e na homologação do acordo de colaboração, ou seja, considera-se que, até o momento em que se menciona o nome do agente dotado de prerrogativa, o juízo no qual se faz a homologação é competente para o ato:
“Sendo a colaboração premiada uma forma de delatio criminis, ou seja, um meio de obtenção de elementos de convicção, as informações prestadas pelo colaborador podem se referir até mesmo a crimes diversos daqueles que dão causa ao acordo, configurando-se, nessa situação, a hipótese da serendipidade ou descoberta fortuita de provas. De fato, o STF possui orientação no sentido de que são válidos os elementos probatórios indicativos da participação de pessoas detentoras de prerrogativa de foro colhidos fortuitamente no curso de medidas investigativas envolvendo indivíduos sem essa prerrogativa. Outra consequência do encontro fortuito de provas é, portanto, a incidência da teoria do juízo aparente, segundo a qual é legítima a obtenção de elementos relacionados a pessoa que detenha foro por prerrogativa de função por juiz que até aquele momento era competente para o processamento dos fatos”.
Ressalte-se, no entanto, que, para o tribunal, não é lícito ao juiz de primeira instância, uma vez mencionado o agente com foro por prerrogativa, analisar a incidência de conexão ou continência e determinar o desmembramento do feito. Como a instância superior é o foro prevalente, deve o juiz remeter os autos completos para que o tribunal analise se é o caso de manter sob sua jurisdição todos os fatos e agentes de que trata a investigação ou se é possível desmembrar para remeter à primeira instância o julgamento de agentes não detentores do foro por prerrogativa:
“Sobre o ponto, ressalte-se que, sendo obtidos, por descoberta fortuita, elementos de convicção que relacionem a conduta de pessoa que detenha foro de prorrogativa de função ao crime inicialmente imputado a outras pessoas, os autos em conjunto devem ser encaminhados ao juízo prevalente para que se decida sobre a existência de conexão ou continência entre os crimes e para que se delibere sobre a conveniência do desmembramento do processo. Com efeito, é o juízo prevalente, definido segundo a regra do art. 78, III, do CPP, quem deve resolver sobre a conexão e continência e sobre a separação dos processos”.
Reclamação 31.629/PR, DJe 28/09/2017