2017 foi, realmente, um ano atípico. Em meio à turbulências e solavancos políticos e econômicos, adveio um impressionante número leis tratando sobre relações privadas, nem sempre lógicas e coerentes.
Um rápido bosquejo retrospectivo demonstra que o legislador operou, muita vez, de forma paradoxal e atécnica, contribuindo para a verdadeira inflação legislativa que nos assola. E a cada ano aumenta a contribuição para essa abundância de normas, evidenciando um gosto refinado pela edição de leis. Tenho a sensação de que há no imaginário das pessoas a (falsa) sensação de que a existência de novas leis torna a vida mais segura. Como se a força da espada de Themis fosse bastante para mudar as mentes e corações dos humanos.
Legisla-se sobre qualquer coisa. Normatiza-se para conferir força a determinadas situações – que, não raro, se resolveriam por outros caminhos. Prova disso é que, no ano que passou, uma lei reconheceu o imortal (é impressionantemente atual!) Machado de Assis como herói da pátria (Lei 13.558/2017).
No campo das relações privadas, a Lei 13.486/17, ampliando o rol dos deveres do fornecedor, na relação de consumo, impôs a obrigação de higienizar produtos que se destinem ao uso do público. Estou a me perguntar: antes dessa (declarativa) norma, o fornecedor poderia não higienizar? Enfim, não se trataria de um dever anexo (implícito) da boa-fé objetiva?
Na mesma pegada, a Lei 13.543/17 impôs o dever de informar os preços dos produtos e/ou serviços ofertados no comércio eletrônico, fontes devem ser legíveis e não inferiores ao tamanho 12. Louvo a preocupação em explicitar a regra, mas não dá para negar que se trata de uma norma legal meramente declarativa, na medida em que esse dever de ostensividade dos preços sempre pautou as relações de consumo.
Aliás, falando em preços, a Lei 13.455/17, também trata do tema, e gera preocupações. Permitiu que o vendedor (em relações de consumo ou não) pratique preços diferenciados não apenas em razão do prazo de pagamento (o que sempre se justificou pelo princípio do nominalismo – CC 315), mas também pelo instrumento de pagamento. Assim, se o comprador pagar em cartão de crédito ou débito, o vendedor pode lhe transferir o custo da operação. Viola-se, a mais não poder, a orientação jurisprudencial do STJ e permite um bis in idem, afinal de contas o consumidor paga a administradora do cartão por si mesmo e paga a parte que interessa à empresa. Aguardemos a posição do STJ sobre o tema, mantendo, ou não, o seu histórico posicionamento.
Ao tratar do Ministério Público, o legislador foi contraditório, paradoxal. De um lado, a Lei 13.532/17 legitimou o Parquet para a ação de indignidade, no caso de homicídio doloso, tentado ou consumado, contra o autor da herança, seu cônjuge/companheiro, ascendente ou descendente. No ponto, é possível antever, com clareza solar, o conteúdo moral da norma, pretendendo que o Estado (através do MP) busque a sanção de quem se comportou mal contra o autor da herança. Esqueceu, porém, que o interesse na indignidade é privado, não público.
Em tempos nos quais a sociedade tanto precisa da atuação firme do Promotor de Justiça para defender interesses sociais (relativos à moralidade administrativa, ao acesso à saúde, à preservação do meio ambiente….), lhe é conferida uma missão que pode ser inútil e contraproducente: ajuizar ação de indignidade de um herdeiro, enquanto os demais herdeiros podem tê-lo perdoado e, por isso, podem lhe entregar a herança por liberalidade, esvaziando toda a atuação do MP.
A outro giro, porém, ainda em relação ao MP, a Lei 13.484/17 fez cessar a sua intervenção como fiscal da ordem jurídica (custos juris) das retificações de registro civil realizadas em cartório, quando, por exemplo, há erro gráfico evidente (nova redação do art. 110 da Lei 6.015/73). Ou seja, uma lei confere nova atuação ao Parquet, enquanto outra racionaliza a sua intervenção. Tempos estranhos….
Aliás, a aludida Lei 13.484/17 também conferiu aos cartórios de registro civil o permissivo para atuar como “ofícios da cidadania”. Uma ótima novidade autoriza a prestação de outros serviços, o que, seguramente, facilitará o exercício da cidadania pela população (nova redação do art. 29 da Lei de Reg. Públicos).
Outrossim, essa mesma norma admitiu que a naturalidade das pessoas (constante em seu registro civil) seja geográfica (critério territorial, correspondendo ao local do nascimento) ou social (podendo constar a residência da mãe, ao invés do lugar em que a criança nasceu) – art. 54, LRP.
Acerca da proteção infanto-juvenil, a Lei 13.509/17 introduziu no Brasil o conceito de apadrinhamento (art. 19-B, ECA). Não se confundindo com a colocação em família substituta (guarda, tutela e adoção), o apadrinhamento é mecanismo de assistência pessoal, educacional e/ou financeira de criança e adolescente. Por isso, inclusive, pode ser realizado por pessoa jurídica.
Preocupa-me, porém, o novo texto conferido ao art. 19-A do ECA por esse Diploma Legal. Isso porque, ao regulamentar o parto anônimo (ou parto em sigilo, a antiga roda dos rejeitados), atingiu um nível de perplexidade: garantiu o sigilo da mulher que, após parir, entregou o filho para adoção na Justiça, com vistas a desestimular abortos, mas também assegurou a esse filho, após a maioridade, ajuizar ação de investigação de origem genética, para descobrir quem foi a sua genitora. Ora, a garantia de segredo assegurada com a mão direita foi esvaziada com a mão esquerda. Pragmaticamente, que mulher assim procederá se, realmente, desejar o sigilo?
Por seu turno, a Lei 13.466/17 estabeleceu uma “prioridade na preferência”, ao deferir aos idosos com mais de 80 anos de idade tratamento especial em relação aos demais idosos, no atendimento de saúde e tramitação de processos, alterando o Estatuto do Idoso.
No campo dos direitos reais, a grande novidade foi a Lei 13.465/17 que, além de criar um novo direito real sobre coisa própria (o direito real de laje), reconheceu um novo modelo de condomínio (o condomínio urbano simples). Trata-se de uma profunda renovação no conceito de propriedade, na medida em que o titular da laje (o famoso “puxadinho”, uma figura tipicamente brasileira) terá uma escritura pública própria, a partir de uma matrícula em cartório desatrelada, autônoma e independente, do imóvel originário (a construção base, que permanece com a sua matrícula).
Também o Conselho Federal de Medicina editou normas em 2017, com especial interesse do sistema jurídico. Chamam a atenção as Resoluções 2.173/17 e 2.168/17 que, respectivamente, confirmam o critério técnico do momento do óbito (o que interessa para fins de transplantes, por exemplo) e a possibilidade de gestação em útero alheio (a conhecida “barriga de aluguel”) e as técnicas de fertilização assistida, inclusive para os projetos parentais homoafetivos.
Muitos esforços interpretativos passam a ser exigidos do jurista. O volume de novidades, e dúvidas, é de “endoidecer gente sã”, como diria o eterno RENATO RUSSO. Até porque o impacto dessas inovações normativas não são pontuais, gerando reflexos em variadas relações, em um verdadeiro efeito cascata.
A hora exige estudos, ponderações e reflexões. Sei disso! O jurista precisa estar atualizado e atento à tantas novidades!
E, bem por isso, os 7 volumes do nosso CURSO DE DIREITO CIVIL, totalmente ampliados e revisados, com atualização não só legislativa, mas também jurisprudencial, acabam de entrar em lançamento promocional de pré-venda, com preços muito especiais, pelo site e pelas redes sociais da Editora JusPodivm (www.editorajuspodivm.com.br).
O trabalho foi exaustivo e minucioso. As repercussões das novas normas (e dos novos entendimentos dos tribunais superiores) se espalham pelo sistema, alcançando situações e institutos diversos. Por isso, as obras se apresentam com uma feição verdadeiramente NOVA!!!
A promoção de lançamento é imperdível, em especial porque são muitas informações novas a exigir rápida absorção pelos juristas.
Se a velocidade da informação no nosso tempo já está a exigir uma permanente atualização do estudante, do estudioso e do profissional, a quantidade de novas normas, editadas em 2017, impõe perceber que há um novo sistema jurídico. E quem não se aperceber disso ficará em paragens remotas de um pretérito que não voltará…
É o tempo da informação! E a informação vale mais do que dinheiro. Por isso, a necessidade de atualização do jurista. Lembro de um trecho musical de BELCHIOR, advertindo: “o que era novo, jovem, hoje é antigo e precisamos, todos, rejuvenescer”….