Segundo dispõe o art. 475 do Código de Processo Penal, na sessão em plenário do júri “O registro dos depoimentos e do interrogatório será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, eletrônica, estenotipia ou técnica similar, destinada a obter maior fidelidade e celeridade na colheita da prova”.
Interessam-nos, neste momento, os recursos de gravação digital, consistentes em meios audiovisuais pelos quais os depoimentos das testemunhas e o interrogatório do réu são tomados por meio de uma câmera, com um microfone instalado diante do depoente. Com isso, o depoimento assume total fidelidade, eis que desnecessária sua redução a termo pelo juiz. Demais disso, o depoente não poderá invocar algum equívoco na transcrição, tendo em vista que transcrição não há, senão a colheita ao vivo daquilo que foi dito. É tamanha a importância desses recursos que, uma vez disponíveis os equipamentos, é obrigação do juiz promover a gravação, como já decidiu o STJ ao interpretar dispositivo semelhante (art. 405, § 1º§ 1º Sempre que possível, o registro dos depoimentos do investigado, indiciado, ofendido e testemunhas será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinada a obter maior fidelidade das informações.):
“(…) 4. Verifica-se, a partir da leitura da parte final do aludido § 1º do art. 405, que as alterações promovidas pela Lei n. 11.719/2008 objetivaram a implementação não só dos princípios da razoável duração do processo e da celeridade processual (art. 5º, LXXVIII, da CF), mas, também, do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LX, da CF), na medida em que a utilização de meios ou recursos de gravação audiovisual, para o registro de depoimentos, é “destinada a obter maior fidelidade das informações”. 5. A expressão legal “sempre que possível” apenas ressalta a manutenção do registro de depoimento por meio do método tradicional, sem gravação audiovisual, na hipótese em que não exista, faticamente, sistema disponível para tanto. 6. A partir da entrada em vigor da Lei n. 11.719/2008, a melhor exegese da disposição legal que regula a matéria não comporta outra interpretação, senão a de que o juiz que disponha de meio ou recurso para gravação deverá , obrigatoriamente, utilizá-lo para o registro dos depoimentos de investigado, indiciado, ofendido, testemunha e, inclusive, de réu. Excepcionalmente, ante impedimento fático, poderá o magistrado proceder à colheita dos depoimentos por meio da sistemática tradicional, desde que motivadamente justifique a impossibilidade, sem que isso inquina de ilegalidade o ato. (…)” (HC 428.511/RJ, j. 19/04/2018)
Não obstante, julgando o REsp 1.719.933/MG (j. 18/09/2018) o mesmo tribunal afastou nulidade num caso em que o registro efetuado em sessão do plenário do júri continha falhas que tornavam inaudíveis determinados trechos.
No caso julgado, a sessão do júri havia sido anulada de ofício pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais “pois o DVD contendo a mídia de gravação magnética das provas produzidas durante a sessão de julgamento” estava inaudível, o que impossibilitava “a análise das teses defensivas expostas no apelo.
No processo penal, quando a defesa é de tal modo omissa e deficiente, em condições que não asseguram o mínimo de diligência e de iniciativa, incorrendo em prejuízo do interesse processual do acusado, a situação deve ser equiparada à falta de defesa, com a conseqüente nulidade absoluta, nos termos da Súmula 523 do STF”.
O Ministério Público interpôs recurso especial argumentando que a análise da prova não havia sido prejudicada, tanto que, na apelação, os defensores sequer aventaram a tese de nulidade da sessão, limitando-se a arguir a ausência de prova da autoria e a pleitear a redução das penas impostas. Sustentou ainda o parquet a ausência de prejuízo porque, embora desentranhada por ordem do Tribunal de Justiça, a transcrição dos depoimentos, feita por empresa especializada, foi juntada aos autos, já em sede de embargos de declaração em segunda instância.
O STJ deu razão ao órgão ministerial.
Inicialmente, fez-se referência ao fato de que o tribunal interpreta o artigo 231 do CPPArt. 231. Salvo os casos expressos em lei, as partes poderão apresentar documentos em qualquer fase do processo. de forma a permitir a juntada de documentos em qualquer fase do processo, desde que haja relevância para o deslinde da questão discutida:
“De fato, o Superior Tribunal de Justiça, ao interpretar o preceito contido no art. 231 do Código de Processo Penal, firmou em diversas oportunidades a orientação de que o pedido de juntada de documentos é permitido em qualquer fase processual, cabendo ao magistrado indeferir a providência caso tenha caráter irrelevante, protelatório ou tumultuário, nos termos do art. 400, § 1º, do Código de Processo Penal.”
E, no caso, a transcrição juntada pelo Ministério Público jamais poderia ser considerada irrelevante, protelatória ou tumultuária. Ao contrário, o documento foi juntado para esclarecer ao tribunal que os trechos eventualmente inaudíveis da sessão plenária não prejudicavam a análise do todo.
Além disso, o STJ considerou a completa ausência de prejuízo decorrente das falhas nas gravações, tanto que nem mesmo a defesa dos acusados havia feito referência a elas na apelação. Incide, portanto, a máxima pas de nullité sans grief:
“No caso dos autos, considero não ter havido demonstração de prejuízo decorrente do possível defeito na gravação da sessão de julgamento, por conta do baixo volume do áudio, uma vez que o réu e seus defensores estiveram presentes em audiência, sendo conhecedores do teor das mídias juntadas aos autos, não sendo a condenação suficiente para demonstrar a existência de prejuízo.”
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